13/07/09

Evolução da Competitividade Internacional do Luxemburgo

Avaliar a Competitividade Internacional de um país é uma tarefa complicada em virtude de este ser um indicador principalmente qualitativo que agrega vários indicadores. Assim, adoptou-se o estudo World Competitiveness Yearbook 2008 elaborado pelo International Institute for Management Development (IMD) como suporte desta breve análise.

O Luxemburgo é um país extremamente competitivo que se tem vindo a afirmar entre os mais competitivos em todo o mundo. A política fiscal mais recente caracterizou-se por uma redução da pressão fiscal e um aumento das despesas em projectos de infra-estruturas para a segurança social. Ao reduzir-se os impostos sobre o rendimento e as actividades financeiras, de forma a favorecer a competitividade internacional da economia, favoreceu-se a entrada de investimentos estrangeiros.

São vários os artigos de jornal que dão conta da preocupação do executivo luxemburguês na redução de impostos. A título de exemplo, Joanna Faith jornalista do International Tax Review, publicou o artigo “Luxembourg slashes corporate tax rate and abolishes capital duty”, onde argumenta invocando as palavras de Guy Schuller, porta-voz do primeiro-ministro: “…Industry members probably think more needs to be done to boost Luxembourg's competitiveness further, but with general elections taking place next year, this is something for the next government to consider…”.

No estudo World Competitiveness Yearbook o Luxemburgo apresenta-se como o quinto país mais competitivo do mundo em 2008, fixando-se em quinto lugar do ranking, tendo caído uma posição em relação ao ano de 2007, data em que ocupava o quarto lugar da ranking.

Se tivermos em consideração os dados dos anteriores relatórios do IDM, representados no esquema ao lado, verificamos que em 2004, 2005 e 2006 existiu uma clara perda de competitividade, que viria a ser recuperada em 2007[2].


Os dados são inequívocos e demonstram claramente a elevada competitividade internacional do Luxemburgo em relação ao mundo, e em particular em relação à Europa, por ser o seu principal parceiro comercial[3].

De acordo com o World Competitiveness Yearbook, 2008 (figura 1) as melhorias do Luxemburgo no ano de 2008 foram: melhor controlo da inflação e melhoria da competitividade, maior eficiência de gastos públicos, reforço da política social, fomentou a inovação e a investigação e diversificou de forma eficiente a economia.



Figura 1 – Posição e indicadores do Luxemburgo no World Competitiveness Yearbook 2008

Fonte: World Competitiveness Yearbook, 2008


Se tivermos em consideração que o Grão-Ducado passou por um desenfreado processo de globalização ainda mais valorizamos o sucesso da sua competitividade internacional. Comenta-se que países com poucos habitantes são pouco competitivos devido ao seu reduzido mercado interno! Mas isso não é verdade no caso do Luxemburgo. Baseando-se numa reestruturação da mão-de-obra (possuindo quadros humanos altamente qualificados), no dinamismo do comércio externo e na forte exportação de serviços, o Luxemburgo tornou-se num dos mais “confortáveis” países da UE para viver, trabalhar e investir.

Anteriormente analisou-se a competitividade do Luxemburgo a nível internacional. Agora vamos analisar os quatro grandes grupos que agregam todos as indicadores analisados: Desempenho Económico, Eficácia do Governo, Eficiência Empresarial e Infra-estruturas, respectivamente. A figura 2 aborda de forma resumida as tendências dos quatro grupos.


Figura 2 – Desagregação do indicador “Competitividade Internacional” em quatro grupos[4]

Fonte: World Competitiveness Yearbook 2008


No âmbito do Desempenho Económico, primeiro grande grupo, ressalta o excelente desempenho das empresas no Comercio Internacional, que permite um elevado padrão de vida e um importante crescimento do emprego. O Luxemburgo ocupa o 4º lugar do ranking mundial, tendo caído uma posição em relação a 2007.

A Eficácia do Governo que tinha registado uma melhoria considerável até 2007, chegando ao 9º lugar do ranking, caiu para 14º lugar em 2008. É caracterizada por uma elevada estabilidade política e uma forte coesão social que facilita a competitividade global. O IVA é de apenas 15%.

A Eficácia Empresarial é boa apesar de ter caído da 5º posição em 2007 para a 9º posição em 2008. O Luxemburgo é muito valorizado pelo seu Know-how financeiro, atraindo volumosos investimentos estrangeiros. “Se desde a década de 1980, o sector financeiro beneficia de um estatuto fiscal e jurídico muito competitivo (vejam-se as sociedades de investimento mobiliário de capital variável, entre nós denominadas SICAV’s), foi a partir de 2002, altura em que se transpôs a terceira directiva europeia sobre valores mobiliários, que este sector cresceu consideravelmente” (Jornal de Negócios, 2006).

Em relação às infra-estruturas o Luxemburgo tinha melhorado o seu desempenho até 2007, chegando ao 15º lugar, mas em 2008 caiu três lugares, posicionando-se no 18º lugar. Este grupo engloba internet, telecomunicações, recursos humanos e também I & D. Apesar de ser ter uma posição negativa neste grupo o Grão-Ducado está extremamente desenvolvido e dotado de novas tecnologias, e para isto muito contribuem as características poliglotas da população bem como o contexto geográfico (centro da Europa / banana europeia).

Em suma, a competitividade, a produtividade, o rigor e a exigência na educação, a tecnologia, o conhecimento, as infra-estruturas, o IVA reduzido e os benefícios fiscais são algumas das muitas vantagens que o Luxemburgo oferece para estimular o investimento externo no seu território.




BIBLIOGRAFIA


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WEBLIOGRAFIA



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JORNAL DE NEGÓCIOS (2006), Luxemburgo, disponível em http://www.negocios.pt/default.asp?CpContentId=265187 (acedido a 170-12-2008).

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[1] O World Competitiveness Yearbook 2008 é um estudo de periodicidade anual que analisa a Competitividade Mundial desde os anos 80, e produz um indicador que indica a capacidade de um país em promover um ambiente no qual as empresas possam competir eficientemente e crescer. A análise é feita entre 55 países (os mais competitivos) com base em 331 critérios agrupados em quatro grupos: Desempenho Económico, Eficácia do Governo, Eficiência Empresarial e Infra-estruturas.
Adoptou-se este estudo para fundamentar o capítulo da Competitividade Internacional em prol da sua credibilidade e novidade (actual/recente). Este estudo foi elaborado com base em informação quantitativa (estatísticas nacionais e internacionais) e qualitativa (cedida por organizações internacionais, regionais; com base na opinião de executivos empresariais inqueridos entre Janeiro e Março de cada ano). O governo do Luxemburgo considera no seu site oficial, ser este o relatório mais completo e fidedigno elaborado neste âmbito. O estudo é produzido pelo International Institute for Management Development. A generalidade da informação constante neste estudo referente ao Luxemburgo foi fornecida pela Câmara de Comercio do Luxemburgo (http://www.cc.lu/). Devido à sua magnitude este estudo não é gratuito, e por isso somente estão disponíveis excertos localizados em: http://www.imd.ch/index.cfm.

[2] O esquema representa a posição do Luxemburgo no estudo World Competitiveness Yearbook, 2007. É composto por duas variáveis: Negrito “posição no ranking” – Cinzento “vários anos”.

[3] Com base no quadro 2, em anexo, podemos verificar duas situações: primeiro, a supremacia do Luxemburgo na União Europeia (UE), e segundo, o gigante fosso entre os vários membros da UE em termos de competitividade internacional. O Grão-Ducado conseguiu manter a sua competitividade mesmo quando dava entrada no seu país de produtos estrangeiros de melhor qualidade e menor preço.

[4] Os números representados na figura correspondem a um ranking intermédio entre os países analisados. É através deste ranking que se chega ao ranking final, composto por todos estes indicadores.


O Estado da Pesca (2008) dá que Reflectir

A pesca é parte essencial da dieta alimentar dos povos limítrofes da bacia do mediterrâneo.

A crescente evolução das técnicas de pesca, nem sempre amigas da sustentabilidade (pesca de arrasto), levaram à extracção desmedida de peixe; cerca de 1,5 milhão de toneladas por dia, o dobro do retirado à 50 anos atrás (Sáez, 2008).

São cerca de 28 mil pescadores que diariamente exploram o mar do mediterrâneo, pescando muitas vezes sem respeitar as normas europeias e internacionais, utilizando malhas apertadas em grandes cardumes e assim capturando o peixe pequeno, não o deixando chegar à reprodução (Souto, 2008), somente para satisfazer o consumismo e atingir maior lucro (Sáez, 2008).














A comunidade cientifica tem vindo a alertar para o facto de os ecossistemas estarem no seu limite (DGP, 2004), estando mesmo alguns a dar sinais de esgotamento, de que é exemplo a pescada do linguado, do salmonete, do badejo, do lagostim e da lagosta[1], prevendo-se a partir do consumo actual que em 2048 se dê o colapso destes recursos.


A aquacultura marinha nas últimas décadas evoluiu de forma crescente, aumentado de 78 000 toneladas em 1984 para 248 500 toneladas em 1996 (estes dados não têm em consideração a aquacultura de água doce, conforme figura 3 e 4.

Pede-se aos órgãos com poder para tal que façam alguma coisa para inverter esta tendência que gradualmente está a destruir o que de melhor a natureza possui.

BIBLIOGRAFIA

SÁEZ, Cristina (2008), Mar mais poluído do mundo, Mediterrâneo tem a biodiversidade ameaçada, Barcelona, disponível em http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lavanguardia/2008/05/09/ult2684u447.jhtm, acedido em 06 Abril de 2009 às 23:40 horas.

SOUTO, Henrique (2008), Manual de apoio da disciplina de Geografia do Oceano, Lisboa. Trata-se de um bloco de documentos elaborado pelo Sr. Doutor Henrique Souto e entregue aos alunos que frequentaram a disciplina de geografia do Oceano no ano lectivo 2007/08.


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[1] As espécies hermafroditas que são muito apreciadas pelos gastrónomos (como, por exemplo, o goraz, os sargos e a bica) são particularmente vulneráveis a uma exploração excessiva e não selectiva e estão em risco de ruptura. Estas assumem especial relevo na sobrevivência das comunidades locais de pescadores (DGP, 2004).

História de François Pyrard de Laval (relação com os Portugueses)

François Pyrard, marinheiro, residente na zona de Laval em França, filho e neto de comerciantes, partiu do porto de Saint-Malo[1] em 11 de Maio de 1601, a bordo do corsário Corbin, rumo às Índias Orientais, Ilhas de Maldiva, Ilhas Maluco[2] e Brasil, numa viagem que teve uma duração de dez anos, até 1611, conforme anexo n.º 1. (Pyrard (a), 1994).

Durante a sua viagem, o navio onde seguia François Pyrard naufragou[3] durante a noite nos recifes das Maldivas. Pyrard foi recolhido e após um longo período de cinco anos a viver em cativeiro nas Maldivas, escapou na frota dos piratas bengaleses, em 1607, após estes terem saqueado a cidade (Pyrard (a), 1994). Em busca de um navio que o levasse ao seu país, passou por Chatigão, Cananor e Calecute, chegando ao contacto com os Portugueses em 1608, na colónia de Cochim, localizada no subcontinete Indiano, e aconselhado por dois jesuítas com boas ligações à coroa. (Pyrard, S/d).

Foi preso pelos Portugueses em Cochim e posteriormente enviado para Goa, onde recuperou das debilidades físicas no hospital de Goa. Por falta de efectivos para a defesa do império foi transformado em soldado, ocupando o posto durante dois anos. Durante este período incorporou varias expedições pela Índia que possibilitaram um conhecimento mais aprofundado sobre os Portugueses no Oriente. Destas viagens, resultou uma crónica onde registou descrições e impressões pessoais, agora alvo de estudo.

Em 1609 uma ordem régia proibia a permanência de franceses, ingleses ou holandeses na Índia. Em 1610, Pyrard parte da Índia e chega a Bayonne, uma baía na costa da Galiza, em 1611, tendo posteriormente partido para França. (Pyrard, S/d).

De regresso à França escreveu uma crónica sobre a sua viagem: Viagem de Francisco Pyrard de Laval. Será este trabalho de François Pyrard uma fonte fidedigna? Assim parece. Vários autores consideram os seus escritos imparciais em relação aos interesses da coroa (em detrimento de alguns escritos de renome deste período) e dotados de elevada idoneidade. (Penrose, 1960).

Esta obra caracteriza-se pelo detalhe e pelo pormenor das suas referências: aos hábitos e costumes, às leis, à difusão do cristianismo, aos métodos e amplitude da actuação dos jesuítas (decisivo na materialização da fixação dos portugueses), ao fluxo comercial, à organização da cidade, à rede hidrográfica, à segurança, aos animais, árvores e frutas, à organização social e política; descreveu obras de arquitectura e a malha urbana, bem como a conduta social desde o vice-rei[4] (mais alto cargo) aos escravos/assalariados/artesãos que trabalharam para os senhores portugueses. (Pyrard (a), 1994) & (Pyrard (b), 1994).

É ainda de salientar, que foi o primeiro estrangeiro a abordar a sensualidade da população feminina, ainda que tenha sido da pior forma já que afirma, dogmaticamente, que “ (…) as mulheres de Goa são excessivamente lascivas, visto o clima e a alimentação da região as inclinar a isso”, de facto, continua ele, “ (…) são tão amorosas e tão dadas aos prazeres da carne que não deixam de os praticar à mais pequena oportunidade”. (Pyrard (b), 1994:115 citado por Penrose, 1960:90-92).

BIBLIOGRAFIA


PYRARD(a), Francisco (1944), Viagem de Francisco Pyrard de Laval, Vol. I, Livraria Civilização, Porto.

PYRARD(b), Francisco (1944), Viagem de Francisco Pyrard de Laval, Vol. II, Livraria Civilização, Porto.

PENROSE, Bóies (1960), Goa – Rainha do Oriente, Editado pela Library of the Instituto Britânico em Portugal/Comissão Ultramarina no âmbito das Comemorações do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, edição bi-lingua em porugues/inglês, Lisboa.

WEBGRAFIA

PYRARD, François (S/d), disponível em http://fr.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ois_Pyrard, acedido em 4 de Maio de 2009, às 10:00 horas (página actualizada pela última vez em 18 de Março de 2009).

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[1] Saint-Malo é conhecida pelos corsários que tinham permissão do Estado francês para “explorar” as riquezas alheias.
[2] Segundo Frade (1999) considera-se as Ilhas Maluco as cinco Ilhas do Cravo: Ternate, Tidore, Motir, Maquiém e Bachão.
[3] O naufrágio ficou a dever-se à inexperiência do Capitão e ao excesso de álcool de todos os membros da tripulação.
[4] No capítulo V, denominado: Do governo de Goa, do vice-rei, de sua Corte e magnificência, é possível observar com mais pormenor a mais alta patente do estado português da Índia.



12/07/09

Viagem de Francisco Pyrard de Laval

Comentário ao Texto:



“Da Cidade de Goa, suas Praças, Igrejas, Palácios e Outros Edifícios” in Viagem de Francisco Pyrard de Laval, Vol. II, Porto, Livraria Civilização, 1994, pp. 34-48.

Figura: Pintura de autor desconhecido representando a ilha de Goa; Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa

Fonte: Saraiva, 1983: 447



O presente comentário, que recai sobre o capítulo III da obra de Pyrard, assenta principalmente na análise da arquitectura de Goa destacando os abundantes e grandiosos espaços religiosos, a actuação dos Jesuítas com um papel estruturante na difusão do cristianismo e como poderosos agentes de colonização, o ordenamento e as características da cidade (espaço urbano e rural), a disposição territorial das residências dos representantes do poder régio, as diferenças entre classes sociais, os abusos de poder e de autoridade, e sobretudo dá especial ênfase à segurança (já que a distante localização geográfica e a proximidade de reinos hostis levava a um estado militar de constante alerta), à actividade comercial e às instituições de controlo, inspecção e tributação.


François Pyrard inicia o capítulo III, abordando a segurança de Goa. Neste âmbito as afirmações do autor convergem para a falta de segurança no interior da ilha provocada pelo elevado crescimento da população e o consequente alargamento da malha urbana, ultrapassando os “antigos muros da cidade (…) altos e fortes (…) [e com] boas portas” (Pyrard, 1944: 34). Todavia, isto aparenta ser um reflexo da confiança resultante do elevado controlo e patrulhamento do estuário que dava acesso à ilha de Goa, às praças comerciais e consequentemente às principais portas da cidade, já que Pyrard também afirma que as praças são fechadas, controladas por porteiros e protegidas por bons muros, contínuos, que começavam na cidade e acabavam dentro do rio[1], e visam impedir o acesso às praças por saqueadores, nomeadamente à noite.


Goa era a para os portugueses a pérola do oriente. Esta realidade é bem retratada por Pyrard após trabalhar a segurança. Este, em poucas palavras, refere um conjunto de individualidades (Vice-rei, veador, oficiais régios e clérigos), um conjunto de actividades (emissão de moeda, fundição de artilharia ou outros equipamentos para apetrechar as armadas), um conjunto de infra-estruturas de afirmação do estado (igrejas, hospitais, palácios, conventos), um conjunto de espaços de comercio (praças), uma dinâmica empreendedora constante com praças muito frequentadas, com muita mão-de-obra, etc., enfim, como diz Pyrard, “ (…) seria coisa infinita dizer por miúdo todos os nomes das ruas, praças, igrejas, conventos, palácios e outras singularidades de Goa”. (Pyrard (b), 1944:45).


No primeiro capítulo do presente comentário indica-se que foi em Goa que Pyrard foi tratado, nomeadamente devido à importância do hospital. Isto não foi uma situação pontual. A importância de Goa para Portugal devido à sua riqueza, levou a que várias instituições se fixassem aí, e tornou-se uma “incarnação” de Portugal, tendo sido denominada de “Goa dourada”. É ao nível da religião que esta situação é mais evidente, isto porque D. João III para evitar querelas colocou cada ordem a monopolizar uma região; Jesuítas na China, Japão, sul da Índia, corte do Império Mongol, Tibete e Salsete; Franciscanos em Bardês e Ceilão; Dominicanos na costa ocidental africana, Malaca e Timor; e Agostinhos na Pérsia, Bengala e Birmânia.


Através de Pyrard pode verificar-se que em Goa estavam representadas todas as ordens, o que releva a importância e centralidade desta cidade como centro difusor do idealismo ocidental e suporte financeiro e cultural de Portugal[2]. Como suporte financeiro a Rua Direita é exemplo dessa confluência de riqueza em Goa: banqueiros, ourives, lapidários, etc.


O poder do vice-rei para toda a sociedade da Índia é deveras impressionante, e no capítulo II da obra em análise, o autor é mais directo, ao afirmar: “Esta cidade é a metrópole de todo o Estado dos portugueses nas Índias e a que lhe dá tanto poder, riqueza e celebridade. Tem nela o vice-rei a sua residência e é tratado com uma corte como se fora mesmo o rei”. (Pyrard, 1944: 27). Segundo Pyrard os locais consideravam o vice-rei ao nível do rei. Este disponha de uma guarda pessoal de 100 homens e era constituído por todos os poderes e autoridade sobre este espaço.


A distância a que o Oriente estava de Portugal aliciava esta dependência e proporcionava abusos de poder. Pyrard faz inúmeras referências ao abuso de poder do veador ao nível da apropriação de bens da coroa portuguesa e de abuso de autoridade junto dos artesãos, chegando a dizer: “Este veador tem dois meirinhos e um escrivão. Todos estes oficiais se concentram muito bem para roubar a gente”. (Pyrard, 1994: 36), não existindo ninguém “ (…) que possa fazer maior bôlsa e roubar tanto como ele” Pyrard, 1994: 37) apropriando-se de tudo que o sobra dos navios e que pertence ao reino, desde mantimentos a utensílios.


Ao veador competia a administração superior do Património Real e da Fazenda Pública da Vedoria da Índia, ou seja, um representante máximo do estado português da Índia; o que reforça a teoria da centralização em Goa de todo o centro de poder governativo, comercial, económico e de difusão cultural.


Outro ponto forte deste texto é a arquitectura existente, começando Pyrard por evidenciar a voluptuosidade dos aposentos do vice-rei, considerando-os ao mesmo tempo demasiado débeis face a potenciais ataques de artilharia contra a cidade. De acordo com Dias (1994:97) isto pode ser explicado “(…) devido ao facto de os Governadores e Vice-reis estarem relativamente pouco tempo no cargo e não se verem assim obrigados a fazer grandes investimentos, já que os tinham de pagar do seu bolso”.


O palácio servia de residência oficial aos Vice-reis e era ao mesmo tempo a sede do governo, constituindo-se como o coração político-administrativo do Estado da Índia. Era exuberado por portugueses e não portugueses apesar da sua estrutura “tipo armazém”[3], (…) pois para além de centro do poder, foi também um entreposto, onde as mercadorias preciosas e as obras de arte e artificinais esperavam a torna-viagem”. (Dias, 1994:97).


Toda a arquitectura é notória, nomeadamente aquela que visa fins religiosos, conforme o excelente trabalho de Fernandes (1994). São inúmeros os espaços religiosos edificados, desde igrejas a mesquitas, atingindo maior destaque uma imagem em vulto, toda dourada, de Santa Catarina (padroeira da cidade), localizada à porta da cidade.


A expressividade religiosa foi acompanhada pela presença de representantes da alta hierarquia da igreja, com destaque para o Arcebispo e para o Bispo, e cimentada pela edificação de grandiosos espaços religiosos afectos à devoção das várias ordens, muitas vezes trabalhados em folha de ouro, demonstrando a grandiosidade da obra do Senhor e a riqueza do oriente. Em suma, mais um reforço dos poderes agora religiosos, assumindo Goa o controlo religioso de todo Estado Português da Índia.


Apesar dos inúmeros espaços religiosos dispersos por todo o espaço geográfico de Goa, é visível a existência de um cluster religioso na Rua Direita, constituído pela Casa da Santa Inquisição[4], pela casa do Arcebispo e pela Casa do Bispo à qual anexa a prisão eclesiástica. Em redor deste núcleo encontrava-se o convento dos franciscanos, a casa do vice-rei e a “ (…) casa da Governança da cidade, a que chamam a Câmara da Cidade”. (Pyrard (b), 1994: 43).


São várias as ilações a tirar. Se transpormos a estrutura funcional elencada à actual concentração funcional na Cidade de Lisboa, apercebemo-nos que já no século XVI Goa era a Capital do Oriente. A distribuição do poder dos vários domínios era em tudo semelhante à actual, somente em proporções diferentes.


No âmbito religioso Pyrard faz uma referência precisa em relação ao número de igrejas jesuítas que existem em Goa, quatro igrejas, mas não faz o mesmo em relação aos restantes espaços religiosos, dizendo somente: “ (…) de sorte que na cidade, arrabaldes e por tôda a ilha, andam próximamente por cinquenta entre igrejas e conventos”. (Pyrard (b), 1944:45). Mais ainda, precisa em relação ao número de crentes da igreja Jesuíta e clarifica que os Jesuítas nada levam aos estudantes pelo ensino, tanto a portugueses como índios, nem muito menos forçam a conversão dos “infiéis”:


Sermão antes do baptismo dos infiéis: (…) não deviam abraçar por força e que, se algum deles aí havia que viesse contra sua vontade, se podia ir embora e sair logo da igreja; ao que todos responderam a uma voz que eram mui contentes e queriam morrer na fé católica”. (Pyrard, 1944:46).


Parece subjacente às suas palavras, até pela forma como descreve as igrejas jesuítas e os seus procedimentos, o seu agrado com esta doutrina religiosa. Porém, poderá igualmente depreender-se das suas palavras que a ajuda monetária que os frades jesuítas atribuíam todos os anos aos índios mais desfavorecidos, que se tivessem convertido à fé católica, “poderia” servir de aliciamento.


À semelhança dos espaços comerciais, intencionalmente localizados junto ao rio, também existia uma clara intenção de edificação de monumentos de carácter religioso para realçar a cristianização levada a cabo pelos portugueses no oriente, não só junto ao rio, mas junto a áreas comerciais, pelo simbolismo, pela acção prática e pela protecção divina.
Albuquerque (1994:463) diz mesmo que “do ponto de vista religioso, Goa foi considerada a Roma do Oriente, dela tendo irradiado a actividade missionária de S. Francisco Xavier e introduzida a inquisição em 1560”.


Apesar de todo o capítulo III da obra de Pyrard (b) (1944) fazer referência à imponente arquitectura, sou forçado a recorrer ao capítulo II da mesma obra para exemplificar a grandeza desta arquitectura, pois parece que é aqui que assume maior ênfase evitando explicações adicionais em prol de tal clareza e instrução:

“Nesta ilha, os portugueses têm fabricado uma mui bela cidade (…) chamada Goa (…) que encerra quantidade de fortalezas, igrejas e casas fabricadas a modo da Europa, de mui boa pedra e cobertas de telhas. Há quase 110 anos que os portugueses se senhoriam desta ilha de Goa; e muitas vezes me espantei de como, em tão poucos anos, os portugueses têm podido levantar tantos e tão soberbos edifícios de igrejas, mosteiros, palácios, fortalezas e outros ao modo da Europa, e outrossim da boa ordem, regimento e policia que têm estabelecido, e do poder que aí têm adquirido, pois tudo ali se guarda e observa como se fora na própria Lisboa”. (Pyrard, 1944:26-27).


Após ter abordado as grandes linhas presentes no documento, cristianização, urbanismo, segurança, abuso de poder e de autoridade da máquina fiscal, etc., é tempo de referir a estruturação da cidade.

Segundo as palavras de Pyrard (1944) a cidade de Goa está bem organizada espacialmente, e à semelhança da estrutura arquitectónica, esta é em tudo semelhante à cidade de Lisboa. Em jeito de síntese, evidencia-se:

  • a utilização de espaços periféricos e murados para efeitos de matadouro de animais domésticos, enterrando nesse local as sujidades e o sangue dos animais, de forma a evitar a propagação de doenças devido às elevadas temperaturas, e ainda serviam para execuções de infiéis.
  • local onde possam permanecer donzelas órfãs nobres até ao casamento, bem como mulheres viúvas que se consideram mortas para a vida, mulheres arrependidas, mulheres de homens que partam em viagens, e ainda a clausura. Neste aspecto deve-se referir que Pyrard foi exímio nas criticas à postura das mulheres portuguesas na Índia, considerando-as muito “oferecidas”, pelo que é relevante o que o autor pensa deste recolhimento.
  • toda a administração fiscal apresenta-se como uma máquina bem estruturada, localizada e funcional em busca de receita tributária (note-se que Pyrard faz referência ao estratégico ângulo de visão a partir dos alojamentos, do vice-rei e veador, e à sua implacável actuação na tributação das mercadorias). Os depósitos de material bélico e de mercadorias são mais afastados para dentro da cidade e estão mais protegidos.

A última página identifica os materiais de construção, sendo que se verifica uma aproximação ao modelo europeu, apesar da utilização de materiais provenientes de todo o Oceano Índico.

A combinação de materiais de origem asiática com técnicas europeias está na base da descaracterização de Goa perante a cultura árabe, transformando esta cidade para sempre, imortalizando os feitos heróicos dos descobrimentos portugueses. A utilização de telhas na cobertura das casas, a produção de edifícios muito amplos com poucos andares e caiados de vermelho e banco, bem como a calçada de pedra, são alguns dos elementos imortalizados que ainda hoje caracterizam a Goa Velha. (Fernandes, 1994) & (Henriques, 1994).


Esta última página não só remete à actual Goa Velha, como permite perceber, pela riqueza das matérias-primas existentes na Ásia, que Goa não se baseava somente num centro onde afluíam especiarias, mas também era um centro que fazia a ligação entre todo o oceano Índico, permitindo a Portugal, durante vários séculos, ter acesso ao que de melhor se produzia no mundo asiático: pimenta, gengibre, canela, arroz, cavalos, elefantes, tecidos de algodão e sedas da China, ouro, prata, diamantes, safiras, rubis, marfim, escravos, ópio, cânfora, sândalo, porcelanas, etc, e fazer a ponte para o mundo ocidental afirmando o nome de Portugal.


Muito haveria a dizer em relação ao documento analisado, mas tornou-se necessário seleccionar as principais ideias de forma a cumprir as determinações. Para terminar não poderia deixar de colocar uma frase de B.K.Bohman-Behram´s traduzida por Monteiro (2002): “Os portugueses tinham feito mais que governar Goa. Tinham iniciado um processo histórico que na plenitude do tempo fez do povo goês uma unidade intimamente ligada à família lusitana”[1].


As praças comerciais confinavam, de um lado com rio e de outro com a cidade. Compreende-se o porquê de as praças estarem encravadas entre os locais de chegada de mercadoria, controladas e defendidas por artilharia, e a cidade. Esta politica de proximidade permitia um maior controlo e uma maior defesa.


BIBLIOGRAFIA


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[2] Quando os Portugueses começaram a transportar produtos da Índia para a Europa, deu-se uma afirmação cultural do estado Lusitano, difundindo as suas capacidades.
[3] Constituído por um vasto conjunto de “ (…) câmaras, recâmaras, antecâmaras, casas-fortes e armazéns”. (Dias, 1994:97).
[4] O Tribunal do Santo Ofício de Goa, fundado por ordem régia em 1560, começou efectivamente a funcionar com a chegada dos dois primeiros inquisidores, Aleixo Dias Falcão e Francisco Marques Botelho, no início de 1561. (Bethencourt, 1995).




Viagens Maritimas Portuguesas

Após o conturbado período medieval, caracterizado por pestes, guerras e fome inicia-se o processo de exploração e expansão, denominado: Os Descobrimentos Portugueses.

A História dos Descobrimentos Portugueses, segundo dois grandes historiadores, João Paulo Oliveira e Costa e Teresa Lacerda, pode dividir-se em três distintos momentos temporais. (Costa & Lacerda, 2007):

  1. Império marítimo até o primeiro terço do século XVI
  2. Crise do império marítimo e transição para um império territorial, até ao 2/3 do séc. XVII;
  3. Afirmação do império territorial, a partir de finais do século XVII;



O início da expansão marítima portuguesa[1] apresenta algumas divergências entre os estudiosos; se por um lado eruditos, como A.H. de Oliveira Marques, consideram o início da expansão portuguesa aquando da ocupação permanente da Madeira (1419) e Açores (1427), outros consideram o início dos Descobrimentos aquando da conquista de Ceuta (1415) (Lacome, 1979) (Saraiva, 1993 [1978])), e outros, ainda introduzem mais variáveis, indagando se não seria mais sensato pensar em ideais de exploração e descobrimentos no “ (…) reinado de D. Dinis e logo após a reorganização da armada real pelos genoveses, em 1317, e da criação, dois anos depois, da Ordem de Cristo com sede e castelo em Castro Marim” (Cortesão, 1975-1976:180). Para Cortesão (1975-1976), a actuação do poder monárquico tem implícito a defesa intencional de propósitos geopolíticos no estuário do Rio Guadiana, bastante próximo dos portos granadinos e marroquinos, ou seja, uma exploração implícita.

Várias causas concederam a Portugal preponderância no grande movimento de navegações que se verificou na Europa a partir do séc. XV. A primeira foi a própria posição geográfica do país, localizado na extremidade de um continente, com uma vasta costa para o oceano Atlântico e dispondo de excelentes portos. A segunda baseia-se em motivações anti-islâmicas: o país estava fortemente vinculado à religião e quase toda a reconquista do território foi feita através da conquista aos islâmicos, sendo que estes até meados do século XVI, ainda levavam acabo ataques a partir do Norte de África, nomeadamente de Ceuta, com incidência em todo o território de Portugal, especialmente na zona do Algarve. As razias também aconteciam do lado português.

A terceira causa fundamenta-se com a sua pretensa em encontrar em África outras cristandades diferentes das europeias, incontactáveis e isoladas em pequenos reinos devido à expansão do mundo árabe, de que é exemplo reino cristão do Preste João. (Marques, 1998).

Outra causa foi o desenvolvimento da marinha e do comércio em Portugal com base em técnicas e instrumentos adequados para a navegação de longo curso, herança da civilização árabe (a vela Latina e todo o saber astronómico), e ao mesmo tempo, dotados de bons navios e recursos humanos adaptados ao mar. O cruzamento de técnicas de navegação no Mediterrâneo, com destaque para as utilizadas por italianos e catalões (carta-portulano, navegação tipo rumo ou estima e toleta de marteloio), conjugadas com as técnicas de construção naval do Atlântico dinamizaram o “ (…) repositório de saber teórico susceptível de ser utilizado à medida que o requeresse as necessidades práticas” (Thomaz, 1994: 6-7). Estes entre outros, foram os principais motivos que levaram Portugal a lançar-se na expansão, e não somente questões ligadas à pobreza, aos solos de má qualidade, clima irregular, regime pluviométrico aleatório, ou terreno acidentado (Thomaz, 1994).

Segundo António Sérgio de Sousa[2] (1977), de todas as necessidades identificáveis no reino de Portugal, seria a carência de cereais (para combater a fome) e de ouro (para equilibrar as finanças), que mais influenciou na expansão.

Todas as causas enumeradas anteriormente só fazem sentido quando se lhe agrega mais um fundamento: a alta ordem moral e intelectual do Infante D. Henrique, “O Navegador”. Dotado de um enorme manancial financeiro proveniente da renda auferida enquanto mestre da Ordem de Cristo, afirmou-se pelos serviços prestados à navegação e foi impulsionado pelo espírito de cruzada e cavalaria objectivando a aniquilação dos muçulmanos e por considerações políticas e económicas (Lacome, 1979).

A navegação europeia até ao séc. XV concentrava-se no mar Mediterrâneo. Os Árabes traziam os produtos (de elevado valor e muito apreciáveis pelos europeus) do Oriente em caravanas até aos portos de Constantinopla, da Síria e do Egipto, e estes posteriormente eram transportados por navios para as cidades italianas (ex: Florença, Génova e Veneza). Era a Rota do Levante, rota comercial esta muito favorável a comerciantes árabes e italianos.
Logo após a conquista de Ceuta, o Infante D. Henrique ordenou uma viagem de exploração pelo Norte de África, em, 1416.

O primeiro grande feito marítimo que inicia a progressiva descoberta da orla marítima ocidental de África é a ultrapassagem do Cabo Bojador, feita em 1434 por Gil Eanes, depois de uma tentativa frustrada. A última etapa foi a passagem do Cabo das Tormentas, que passou a designar-se Cabo da Boa Esperança, situado no extremo Sul de África, por Bartolomeu Dias, em 1488 (Marques, 1998).

Enquanto a costa ocidental da África era minuciosamente explorada, já se pensava que seria possível alcançar a Índia navegando sempre em direcção Oeste, em virtude de a terra ser redonda (Lacome, 1979), e também, devido à política de expansionista de D. João II, que se caracterizou por grande secretismo.

Numa viagem cuidadosamente planeada e exemplarmente executada dez anos depois (1498), já sob o reinado de D. Manuel I, Vasco da Gama chegou a Calecute e estabeleceu as bases do comércio português da Índia. Este acontecimento teve repercussões em todo o mundo e levou o rei D. Manuel, “O Venturoso”, a acrescentar novas dignidades ao antigo título de rei de Portugal e dos Algarves, que passou a designar-se por: “rei de Portugal e dos Algarves e senhor da Conquista, Navegação e Comercio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia” (Saraiva, 1993 [1978: 153])).

A chegada ao Oriente foi complicada por ser um espaço inóspito. Os Árabes tinham o monopólio comercial do Oceano Índico, Mar Vermelho e Golfo Pérsico, e face a uma expedição portuguesa pouco armada (carente em navios, canhões e soldados) e representada por personagens não pertencentes a uma nobreza de espada, provocou algumas contrariedades aos portugueses traduzidas em vitórias militares árabes.

Em 1510, Afonso de Albuquerque numa segunda tentativa, conquistou a cidade de Goa e transferiu a sede do reino português do oriente de Calecute para Goa, permanecendo aí até 1961, (Saraiva, 1993 [1978: 153])). No século XVI, a Índia representava fisicamente todo o mundo oriental, desde o cabo da Boa Esperança até ao Japão e aos arquipélagos do Pacífico.



BIBLIOGRAFIA

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[1] Ao abordar este tema tem forçosamente que se referir que antes da descoberta da Madeira, as viagens marítimas portuguesas não foram contínuas, nem extensas, nem sistematicamente orientadas, sendo mais frequente a pratica de corso contra às embarcações marroquinas, durante um longo período de tempo, no sul de Portugal.
[2] António Sérgio foi um importante historiador na historiografia portuguesa, teorizando sobre um vasto período de tempo e elaborando, assim, sínteses históricas de relevante importância. Nasceu na Índia Portuguesa, em Damão, a 3 de Novembro de 1883, enquanto o seu pai ocupava aí o lugar de governador do distrito.