19/04/10

Comentário ao texto: A conferência de Bandung e a missão de Portugal - conferência proferida na sessão de encerramento da «Semana do Ultramar»

MOREIRA, Adriano (1955), A conferência de Bandung e a missão de Portugal - conferência proferida na sessão de encerramento da «Semana do Ultramar», Editorial Ultramar, Lisboa.

“A conferência Afro-asiática discutiu os problemas dos povos dependentes, do colonialismo e dos males resultantes da submissão dos povos ao jugo do estrangeiro, à sua dominação e à sua exploração por este último. A Conferência está de acordo: 1) em declarar que o colonialismo, em todas as suas manifestações, é um mal a que deve ser posto fim imediatamente; 2) em declarar que a questão dos povos submetidos ao jugo do estrangeiro, ao seu domínio e à sua exploração constitui uma negação dos direitos fundamentais do homem, é contrária à Carta das Nações Unidas e impede favorecer a paz e a cooperação mundiais; 3) em declarar que apoia a causa da libertação e independência desses povos; 4) e em apelar para as Potências interessadas para que elas concedam a liberdade e a independência a esses povos (…)”. (Freitas, 1976:348).


No âmbito da disciplina de História Contemporânea (séc. XX) foi solicitado um comentário de um texto do caderno de apoio à disciplina. O texto escolhido foi A conferência de Bandung e a missão de Portugal, da autoria de Adriano Moreira.

O autor, nascido nos anos xx, do século passado, teve um percurso académico de relevo; evidenciando-se se em áreas como advocacia, docência, sociologia e política (como deputado e politólogo). Destacou-se como Ministro do Ultramar durante o Estado Novo, e entre outras, escreveu a obra agora em análise que aborda a Conferência de Bandung.

Em termos de espaço e tempo, a Conferência de Bandung realizou-se na Cidade de Bandung, na Indonésia, entre 18 e 26 de Abril de 1955 e teve como principal impulsionador o primeiro-ministro da União Indiana, Jawaharlal Nehru, que o autor designa de “velho e ressentido adversário da presença da raça branca na África e na Ásia”. (Moreira, 1955:4). Foi um encontro pioneiro pela iniciativa, universalista na medida em que foram convidados a estar presentes todos os países do Extremo Oriente, Médio Oriente e África, reunindo na mesa das conversações representantes de vinte e nove estados asiáticos e africanos. Presidiu à cerimónia, Nehru, em conjunto com os primeiros-ministros Gamal Abdel Nasser do Egipto e Sukarno da Indonésia: este último ficaria conhecido por chamar a conferência de “Les Peuples muets du monde”. (Moreira, 1955, 1985).

Segundo Moreira (1955:23) reuniram-se na conferência “ (…) oito países anticomunistas (Etiópia, Iraque, Irão, Libéria, Paquistão, Filipinas, Sião, Turquia); oito países neutralistas (Afeganistão, Arábia Saudita, Egipto, Índia, Indonésia, Sudão, Síria, Iémen); onze países não alinhados (Birmânia, Comboja, Ceilão, Japão, Jordânia, Laos, Líbano, Líbia, Marrocos, Nepal e Tunísia); observadores cipriotas, algerianos, palestinos, e da Universidade Hebraica de Jerusalém”. Não participaram na conferência representantes de Israel, Coreia e África do Sul.

De forma sintética, os principais objectivos deste evento foram a oposição ao colonialismo e ao neocolonialismo, o respeito pelos direitos humanos; a adopção de medidas concretas para liquidar o colonialismo, a partilha de dificuldades e experiências na gestão da diplomacia com as grandes potências, a manutenção da sua dependência, a coordenação conjunta de posições no campo das relações internacionais, a vontade de emancipação e a recusa em serem usados como instrumentos da rivalidade das grandes potências, ou seja, queriam a neutralidade . Esta conferência tornou-se uma referência histórica, cujo comunicado final considerava como um dever dos países presentes ajudar os povos não independentes a ascender à soberania. Assinalou a entrada do Terceiro Mundo no cenário mundial e deu os primeiros passos na formação do movimento designado por, os Não-alinhados. (Balandier, 1956; Moreira, 1985).

Segundo José Manuel Vitorino, a ingerência do Ocidente na África e na Ásia tem antecedentes que remontam à década de 70 do século XIX. Até esse momento o interesse passava pela gestão e manutenção de pontos litorais onde se situavam os “centros de aprovisionamento, os pontos de referência, os portos fundamentais nas viagens para o Oriente”, e o tráfico negreiro, sendo que até este último a dada altura foi menosprezado. (Vitoriano, 1998:55).

Esta tendência menosprezista invertera-se com a constituição da African Association , com a descoberta de diamantes no Transval, de ouro no Rand e cobre na Rodésia, que alteraria o conceito económico que o Ocidente tinha de África, e com a necessidade de escoamento de excedentes produzidos. As principais potências coloniais eram também os países europeus mais industrializados. Assim, para evitar confrontos que colocassem em causa a estabilidade no cenário europeu, as várias potências mundialmente industrializadas decidiram encontrar-se em Berlim para alcançar uma solução. O encontro decorreu entre 15 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885. As disposições finais do Acto Geral da Conferência foram assinadas pelos catorze estados em 26 de Fevereiro de 1885.Foi o maior acontecimento de política colonial internacional do século XIX e ficou conhecido por Conferência de Berlim. (Vitoriano, 1998).

A Conferência de Berlim efectivou “legalmente” a divisão de África entre as potencias coloniais mais poderosas, e assim impôs um penoso flagelo aos estados africanos. O reduzido conhecimento da realidade africana no momento da fragmentação de África e a visão eurocentrista dos estadistas e diplomatas, levou ao esquecimento de questões religiosas, étnicas, culturais e sociais, e valorizou questões como obstáculos físicos (bacias fluviais, rios, montanhas), fronteiras e a conjugação de paralelos e meridianos (latitudes com longitudes) em mapas de fiabilidade duvidosa. (Mello & Costa, 1995; Vitoriano, 1998; Fadul, 2005).

Tal como afirma Fadul (2005:261) “ (…) a colonização em África foi um “fenómeno de discriminação, dominação e exploração (…) que grosso modo, utilizou criteriosamente o conhecido lema «dividir para reinar» ” que conclui Vitoriano (1998:58), “ (…) advêm desse facto, por um lado, a separação de um mesmo povo do lado de duas ou mais fronteiras, por outro, aproximou povos que anteriormente mantinham relações bélicas”.

Depois da Primeira Guerra Mundial começaram a surgir movimentos anticolonialistas focalizados, e após a Segunda Guerra Mundial, por vicissitudes várias, nomeadamente devido à propaganda dos Aliados durante a Guerra, que diziam ser uma guerra em defesa da liberdade e da democracia, a que os colonizados também aspiravam, generalizou-se as reivindicações independentistas em toda a África e Ásia.
Esta conjuntura não era a melhor mas é o cerne para compreender e justificar a Conferência de Bandung, como marco histórico no Processo de Descolonização , através do qual um número significativo de países da África e Ásia iriam conseguir a sua independência política, movimento conhecido por descolonização.

O autor começa por afirmar que foram poucos os observadores ocidentais que imediatamente se aperceberam da real dimensão desta conferência, subestimando e desprezando possíveis consequências, tais como, alterações profundas e irreversíveis na estrutura da comunidade internacional, em virtude de considerarem estes povos como dependentes, conforme a seguinte citação: “estiveram longe de compreender o alcance deste voluntarismo, analistas tão ilustres como Berkowitz, quando não viam em Bandung mais do que uma nova Babel, reunião de povos dependentes económica, financeira e tecnicamente dos países ricos, esquecidos de que «Cristo não sabia nada de finanças» ”. (Moreira, 1985:24).

Os objectivos da Bandung eram: contrabalançar a influência americana através do entendimento dos neutros convocados; suprimir a influência das últimas potências colonislistas; afastar o Japão da órbita americana; chamar à razão dos factos a Turquia, Paquistão e Iraque, considerados os “neutros traidores”; alcançar a maioria na ONU para fazer membro a China comunista, e intervir no sentido de pacificar as relações internacionais desta com a Rússia; apoiar as reivindicações dos países africanos ainda no domínio da França, Inglaterra, Bélgica e Portugal; reconhecer os chefes dos movimentos anticolonialistas, e apoia-los com dinheiro e armas; e por fim pacificar o mundo árabe e solucionar a questão de Israel. (Moreira, 1955).
Todas as potências fizeram profissão de fé anticolonialista, mas não concordaram na questão de abranger, na condenação, a própria acção comunista. Ainda assim, o autor considera bem sucedida a conferência, pois reforçou a unidade e deslumbrava novos encontros, inclusive no próprio continente africano. Não obstante, o autor concede um conjunto de críticas à Conferência de Bandung.

Inicia o seu percurso criticando os fundamentos ideológicos de Bandung, lançando para debate duas questões: teve importância para condenar o sistema de satélites comunistas agentes de colonização, ou foi uma tentativa de reajustamento das potências africanas de acordo com o principio das nacionalidades. Introduz ainda outra possibilidade que comporta a coexistência das duas anteriores, e dá como exemplo a possibilidade de ter existido potências representadas em Bandung anticomunistas que ao mesmo tempo consideravam o princípio da nacionalidade. Contudo, apressa-se a desvalorizar esta hipótese, considerando que o princípio da nacionalidade “ (…) não podia ser o que estava em causa para os que pretendem expulsar de África a Inglaterra, a França, a Bélgica e Portugal” (Moreira, 1955:7), porque o principal factor de unidade dos povos que sofrem acção colonial é a fidelidade à soberania colonizadora. Reconhecendo que a divisão de África não teve em conta o principio das nacionalidades, com tudo o que isto acarreta - questões étnicas, sociais, religiosas e culturais - comprova a sua tese afirmando que se assim não fosse, a África negra teria de ter uma grande representação em Bandung, o que não aconteceu, e dá o exemplo da Indochina e da Libéria como oposto a Bandung, onde diz não ter existido condições de segurança que permitiam a presença de quem quisesse na conferência como aconteceu em Bandung.

O autor procede a uma densa e longa argumentação com base nos pontos elencados, concluindo que “quando em 19 de Abril de 1955 começaram os trabalhos, foi o homem branco que se sentou no banco dos réus” (Moreira, 1955:7), foi o brotar de um novo racismo, desta vez dos homens de cor contra os homens brancos, que tinha como fundamento primário a expulsão do homem branco da Ásia e África, “ (…) reservando estas para os exercícios coloniais de algumas potências recentemente admitidas na comunidade das nações”. (Moreira, 1955:9).

No início deste ensaio, foi referido que o autor classificou Nehru com um “velho e ressentido adversário da presença da raça branca na África e na Ásia”. Neste momento fornece o fundamento dessa acusação, dizendo que: “condenar todo e qualquer colonialismo, quer o colonialismo espaço-vital, quer o colonialismo missionário, é evidentemente uma posição racista contra os brancos, porque é justamente a presença dos brancos que terá de fazer-se terminar, para executar tal princípio”. (Moreira, 1955:10).
Esta concepção racista também é explicada no campo da doutrina da ONU , criada para sarar o conflito ideológico da II Guerra Mundial, mas enviesada à nascença porque assumia a doutrina defendida pelos vencedores e não por ambas as fracções em guerra. O que é compreensível. Ainda com base nesta concepção, o autor caracteriza o racismo de duas maneiras: numa primeira, considera positivo o princípio galvanizador, ainda que para causas discriminatórias, e numa segunda, verifica-se no estímulo à superioridade racial e cultural para congregação de esforços no sentido de destruir determinado povo, ou determinada cultura.

Moreira (1955) dá outra explicação para esta crescente espiral racista levada a cabo contra os brancos, fundamentada em propagandas, que muitas vezes não tinham fundamento lógico ou histórico mas eram altamente galvanizadoras de massas humanas contra os europeus. A título de comparação, ainda que de péssima qualidade, os sindicatos na contemporaneidade também são altamente galvanizadores, apelam à união invocando argumentos persuasivos, ainda que do ponto de vista lógico e racional não façam sentido ou até sejam absurdas as suas propostas.

Os “atropelos” que o Ocidente infringiu ao mundo na sua forma imperialista, desde a expansão ultramarina à adopção do colonialismo de espaço vital , a própria concepção de fragmentação de raças que durou durante o colonialismo, o extermínio dos Judeus, o extermínio de minorias inóspitas aos interesses ocidentais, etc., foram elementos depreciativos adoptados pelos povos emancipados na luta racista que se originou em Bandung contra os brancos. O autor cita vários exemplos de expressões e poemas que incitavam o ódio ao branco, por exemplo: “os europeus vieram para oprimir a casa de Mumbi. Eles vieram na nossa casa e permanentemente nos afrontam. Oh, quando voltarão eles para a Europa?”. (Moreira, 1955:13). A título de comparação, este poema que era recitado pelos nativos constitui um documento satírico semelhante ao Sermão do Padre António Vieira aos Peixes, uma critica social à forma como os índios eram tratados.

António de Sousa Lara, professor Catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas (ISCSP), com imensa obra e reconhecimento científico, através de dedicatória ao povo de Timor numa obra dedicada ao tema agora em análise, considera que a Cimeira de Nice preparou o primeiro império do século XXI em termos de constituição, que evoluiu para a União Europeia. Isto remete-nos e faz-nos pensar sobre a vontade incessante do imperialismo ocidental, manifestada ainda em moldes mais diplomáticos mas ainda assim fiéis aos princípios de que quem deve controlar, decidir e ter maior poder são as “unidades políticas maiores”. (Lara, 2002:11). Não obstante, esta sublime critica ao desejo imperialista ocidental não implica uma divergência de atitudes face a Adriano Moreira (1955), considerando, “ (…) salvas raríssimas excepções, as colónias africanas constituíram regimes políticos autocráticos, que lançaram a perseguição política, designadamente aos antigos colonizadores, geraram a instabilidade a todos os níveis, destruíram as poucas estruturas políticas administrativas económicas legadas pelo colonialismo, deram campo à proliferação do crime da violência sistemática, provocaram a desorganização geral dos sistemas, não podendo ser esperada outra reacção que não a fuga dos quadros e dos capitais, gerando subsequentemente o caos nos serviços e na economia e, assim, fechando um círculo viciosos da instabilidade política”. (Lara, 2002:57).

Entre as páginas 14 e 16 o autor reforça o referido anteriormente, aludindo a uma concepção estigmatizada da colonização ocidental responsável pela insubordinação de alguns povos africanos, afirmando que a responsabilidade do apoio, incentivo e ajuda aos revoltosos foi da responsabilidade do “ (...) anti-colonialismo dominante nos círculos internacionais dos vencedores da última guerra”. (Moreira, 1955:14). Ao mesmo tempo, o autor explica que na altura faziam-se sentir vozes que consideravam a Europa incapaz de subsistir sem o imperialismo / colonialismo africano, ou seja, consideravam que o fim do colonialismo europeu seria o próprio fim da Europa, desintegrando-se através de conflitos, na medida em que faltaria aos europeus mercados de abastecimento de matérias-primas, e mercados aquisitivos de mercadorias / produtos de elevada componente tecnológica. No fundo consideravam ser o estrangulamento económico da Europa o fim do intercâmbio económico entre África e Europa. Ainda neste âmbito, o autor cita Anton Zischka e ilustra o pensamento que se fazia sentir na Europa central, que passava por considerar a “ (…) África como domínio indivisível da Europa, (…) base de sustento material para a Europa, fonte dos mais extraordinários recursos”; ideologia que reprova, admitindo que a solução passaria pelo diálogo, com a Europa a colaborar com África, a valorizar as suas riquezas, e não o oposto, já que era possível e viável o acesso a muitos recursos naturais e mão-de-obra abundante, infatigável e sem riscos de greves ou revoltas. (Moreira, 1955:15).
O autor condena a elaboração do Pacto do Atlântico Norte (Abril de 1950) e da Comunidade Europeia de Defesa (Outubro de 1950) porque não consideraram a “Euráfrica” nos seus estatutos, de forma clara e inequívoca, e diz que a Europa foi muito tímida e pouco directa na abordagem a África, que resultou numa aproximação pela via mais complicada; a das “conveniências”.

Na parte final do texto, entre as páginas 17 e 20, o autor resume o referido anteriormente. Começa por abordar a ONU, onde implicitamente se refere às dificuldades da admissão portuguesa (impostas pela antiga União Soviética e pelos países de Leste que reprovavam o colonialismo) e às pressões internas e externas anticolonialistas que sentia dentro da ONU, que forçaram o fim do colonialismo e favoreceram a Conferência de Bandung, que segundo o autor teria “ (…) recebeu a temível expressão da luta contra a raça braça”. (Moreira, 1955:17).

Em conformidade de pensamento com Moreira (1955) está Martins (1998:189-190), conforme citação seguinte: “ (…) desde 1956, o ano primeiro de Portugal na ONU na qualidade de membro de plenos direitos, teve início uma luta prolongada naquela instituição, como fora dela, contra os próceres do anticolonialismo. Nessa luta foi extremamente importante a utilização, por parte do Estado português, de argumentos de natureza histórico-juridica (…); a forma como as NU e a respectiva Carta o trataram jurídico-politicamente, foi possível, a Lisboa, desenvolver um sistema teórico-doutrinal capaz de limitar durante dezoito anos os eventuais efeitos daquilo que muitos designavam por espírito anticolonial da Carta assinada em S. Francisco no ano de 1945.”

Moreira (1955) considera que os responsáveis de Bandung se aproveitaram da movimentação comunista para actuarem, e considera que foi o início de uma massiva transformação de Estados africanos e asiáticos em satélites comunistas. Resultando ainda, por influências dos anteriores, de um revigoramento do islão em toda a África do Norte, de forma hostil e agressiva.
Face à evidente perda de poder ocidental nos territórios colonizados, o autor crítica e apelida de “ descabida, inútil e perigosa” a postura demitente que se padronizou entre os ocidentais, responsabilizando-a pela incapacidade de aproximar os povos colonizados das ideologias e projectos ocidentais, de ser culpada pela anarquia vivida por esses Estados (que em alguns casos chegou até aos dias de hoje conforme referido anteriormente pelas palavras do professor António de Sousa Lara), e pelo alastramento dos fenómenos de satélites. (Moreira, 1955:18).

Para o autor a solução passa pelo restabelecimento de um «colonialismo missionário» capaz de mostrar aos autóctones que é a única forma de vivência social, capaz de rivalizar com o sistema de satélites, dotado de uma mobilização ideológica que respeite o próximo, que acredite na igualdade do género humano, e que faça acreditar os povos na cultura em detrimento do termo depreciativo, as raças. Defende igualmente que os acordos internacionais devem ser fundamentados em princípios igualitários, profícuos, imparciais e idóneos, para que cada estado não interprete da forma que mais lhe interessa determinadas leis.

Moreira (1955:20) termina o seu texto com elevado sentido de patriotismo, com palavras de um simbolismo inquestionável para o reconhecimento da Nação Portuguesa na comunidade internacional, apelando à compreensão, à igualdade, ao pacifismo, à paz, à prosperidade, ao abandono da repressão militar ou policial como principal factor persuasão, destacando os portugueses, o povo português, como o mais indicado para suprir o ódio racial dos africanos em relação aos brancos, conforme a seguinte citação: “não conheço povo mais indicado que o português para, em face do estandarte negro do ódio racial que foi levantado em Bandung, levar de novo ao mundo uma mensagem de igualdade do género humano”.
No texto o autor acusa os povos emancipados que tinham sido alvo de colonialismo e o Homem de cor de serem incendiários e fomentarem a desordem e os conflitos raciais. Deve-se ter em linha de consideração que o autor estava fortemente convicto no caminho para a igualdade das nações, na convivência harmoniosa no seio de culturas, religiões e etnias diferentes, o que se verifica numa citação proveniente de outra obra do autor: “a nossa expansão fez-se sob o signo da igualdade do género humano, e temos orgulho na capacidade que revelámos para constituir um povo sem preconceitos de raça ou de religião”. (Moreira, 1961:6).

De forma conclusiva, a Descolonização de África e da Ásia está relacionada com a perda de poder e de influência da Europa para os Estados Unidos da América, muito por culpa dos flagelos impostos pelas duas Grandes Guerras Mundiais e pela crise de 1929, mais conhecida por “Crash de Nova York”. Outro aspecto determinante foi a «Guerra-fria» e a polarização entre EUA (capitalismo) e a URSS (socialismo) na medida em que cada uma das potências procurava na descolonização uma oportunidade de ampliar as suas influências políticas. Por fim, um último factor, o despertar do sentimento nacionalista, beneficiando da já referida diminuição de poder e influência da Europa (face à sua história) e da Carta da ONU, que segundo Mello (1995:290-291), “reconheceu o direito dos povos colonizados à autodeterminação”. Todos estes factores em conjunto com outros de menor evidência, culminaram na Conferencia de Bandung, brotando aí o estímulo, claro e evidente, aos confrontos em nome da independência dos povos colonizados.

Por fim, de forma fortuita mas pertinente, enquanto escrevia este texto, no dia 04ABR10, verificaram-se sequelas mal resolvidas com raízes nesse período histórico da colonização. O homicídio de Eugene Terre´Blanche, fundador do Movimento de Resistência Afrikaner (AWB), retomou o tenso clima social sul-africano e fez ressurgir velhas lembranças racistas na África do Sul.


Referências Bibliográficas

BALANDIER, Georges (dir.) (1956), Le Tiers Monde, editora PUF-INED, Paris.

FADUL, Francisco (2005), «Nação, Estado, Democracia e Direitos Humanos em África», in África: Género, Educação e Poder, Coord. de Óscar Soares Barata e Sónia Piepoli, Edição do Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas, Lisboa, pp. 257-274.

LARA, António (2002), Imperialismo, Descolonização, Subversão e Dependência, edição do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa.

MARTINS, Fernando (1998), A Política Externa do Estado Novo, o Ultramar e a ONU: uma doutrina Histórico-Jurídica (1955-68), Revista Penélope (Revista de História e Ciências Sociais), nº 18, pp. 189-206. Disponível online em http://www.cidehus.uevora.pt/textos/artigos/fmartins_polexterna_estadonovo.pdf, consultada em 31MAR10.

MELLO, Leonel, COSTA, Luís (1995), História Moderna e Contemporânea, 5ª edição, Editora Scipione, São Paulo.

MOREIRA, Adriano (1955), A conferência de Bandung e a missão de Portugal - conferência proferida na sessão de encerramento da «Semana do Ultramar», Editorial Ultramar, Lisboa.

MOREIRA, Adriano (1961), «Em nome das Vítimas» in Boletim Geral do Ultramar, Vol. XXXVII, n.º 431 (Maio de 1961), edição da Agencia Geral do Ultramar, pp. 3-16.

MOREIRA, Adriano (1985), «De Bandung aos Problemas Norte-Sul» in Revista Nação e Defesa, Dir. do Vice-Almirante Adriano Lanhoso, Ano X, n.º 35, Revista Trimestral: Julho-Setembro, Edição do Instituto de Defesa Nacional, Lisboa, pp. 19-50.

VITORIANO, José et al (1998), História da África Ocidental, edição do Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas, Lisboa.

FREITAS, Gustavo (1976), «Declaração de Bandung» in 900 Textos e Documentos de História, Vol. III, edições Plátano, Lisboa, p. 348.

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