ANÁLISE DE UM TEXTO ESCRITO
Miri RUBIN, «Que é a História Cultural Hoje?» in Que É A História Hoje, David CANNADINE (coord), Lisboa, Gradiva, 2006, pp.110-128,
Para melhor se compreender o «Que é a História Cultural Hoje?» de Miri Rubin, decidimos, em termos metodológicos, dividir o nosso texto em três partes: (i) a autora, (ii) o contexto, (iii) o texto.
Na produção da nossa recensão crítica, optámos por sair das «fronteiras» estritas do texto de Rubi, evocando outros autores, cujos «territórios» disciplinares são transversais e encaixam em muitos domínios no texto em análise.
A autora:
Miri Rubin fez os seus estudos de História na Universidade de Jerusalém, tendo aqui concluído o mestrado em 1980.
No período de 1988/89, foi professora de História Moderna na Universidade de Oxford.
A partir do ano 2000, passou a reger a cadeira de História Moderna no Departamento de História Queen Mary, na Universidade de Londres.
As suas áreas de investigação abrangem um vasto leque das relações sociais, no domínio religioso na Europa e no período entre 1100 -1600.
As suas abordagens são transversais, recorrendo a ferramentas da antropologia, das artes visuais e da textualidade, para melhor compreender a significação das complexidades rituais, da sexualidade, do poder e da vida comunitária.
Tem sido vasta a sua participação em vários colóquios e conferências internacionais, cujas temáticas se relacionam com a religião e a época Medieval.
A historiadora publicou as seguintes obras: Charity and community in medieval Cambridge (1987); Corpus Christi: the eucharist in late medieval culture (1991); Gentile tales: the narratives assault in late medieval Jews (1999); Mary – Mother of God: a History (2008).
O Contexto
O texto de Miri Rubin em análise, foi produzido no início século XXI marcado pela voracidade da globalização económica, social e cultural. Porém, é notória a influência da história cultural no pensamento da autora. A maior influência veio de Johan Huizinga e da sua obra «O Outono da Idade Média», publicada em 1924, privilegiando a expressão cultural da sociedade medieval e rompendo pela primeira vez com o quadro tradicional de análise.
Rubin aprendeu com Huizinga que os grandes protagonistas da história cultural são: a cultura e as artes visuais.
Apesar de «abafada» pelo paradigma intelectual e académico da história económica e quantitativa da Escola dos Annales, (anos 60/70) a história cultural vai ganhando terreno com estudos sobre «mentalités», evoluindo para os «estudos culturais».
A obra «O Queijo e os Vermes» [nota 1] é outra das obras de referência que contextualizam a emergência da história cultural, como experiência da cultura enquanto elemento explicativo do devir histórico.
Ainda sob o ponto de vista da historiografia, o texto de Rubin surgiu num período em que nas universidades americanas já se falava de História numa perspectiva de «Global History». Contudo, encaramos o texto de Rubin como um produto da historiografia dos anos 80, e 90 do século passado, caracterizada pelo relativismo, pela pós-modernidade, pelo alargamento teórico e epistemológico, em que o historiador constrói as suas narrativas com os dispositivos retóricos de que dispõe, tendo em conta «As Muitas Faces da História» [nota 2].
O Texto
Miri Rubin aborda «O Que é a História Cultural Hoje?», no capitulo cinco do «Que é a História Hoje?», de David Cannadine.
Rubin inicia o seu texto com uma curta intervenção a que chamamos de nota introdutória, sobre a ambivalência do conceito de «cultura» e de «história cultural», bem como do interesse que a história cultural criou, sobretudo a partir dos anos 70.
Seguidamente divide o capítulo em cinco partes, finalizando com notas e referências bibliográficas.
A autora não dá qualquer título às cinco partes por si divididas.
Analisemos então a nota introdutória:
A historiadora começa o seu texto recorrendo a Adam Kuper e à sua obra Culture: The Anthropologists’ Account, na qual o autor aconselha que se evite o uso excessivo da palavra «cultura».
Num breve reparo, Miri Rubin refere a maximização que se faz do termo «cultura» em muitas situações, minimizando deste modo o seu verdadeiro sentido.
Na perspectiva da autora, o conceito de «história cultural» é comparável ao conflito subjacente ao termo «cultura». Em ambos os termos parece estar implícito um carácter dualista e ambivalente, sendo que a «história cultural», “ (…) tanto pode designar uma história tradicional da produção artística e intelectual, bem como algo diferente a que alguns chamam «nova história cultural» [nota 3].
Rubin termina o seu curto intróito referindo a (re)emergência dos vários campos disciplinares da «história cultural», afastados pela «nova história» dos anos 60/70 do século passado, como a história da medicina, do direito, entre outros.
Na primeira parte do seu texto, Miri Rubin enfatiza a «viragem cultural» como um processo não continuo, nem linear ao longo do tempo, e diz que actualmente passamos por uma fase de alargamento dessa «viragem cultural», transversal a vários aspectos das acções humanas que conferem historicidade a essas mesmas acções. A autora faz mesmo uma analepse histórica para reforçar a ideia de que a «viragem cultural» foi ainda mais evidente e “ (…) proeminente na obra de historiadores da Idade Média Tardia e do início da Idade Moderna” [nota 4]. Nestas épocas prevaleceu a cultura de índole maioritariamente religiosa e livresca que praticamente cristalizou. Todavia, surgiu nesse contexto um moleiro autodidacta, denominado Menocchio [nota 5], que possibilitou o conhecimento dos “ (…) rituais de desgoverno, a destruição… da teologia, … cerimonial da honra e da desonra, …” [nota 6].
Miri Rubin afirma que no período da despromoção da literacia, as culturas religiosas fizeram do livro o maior significado cultural, mas como fonte histórica não foi a mais directa. De qualquer modo, o historiador socorreu-se de outras análises antropológicas e outros eventos, como “ (…) a oração e o retábulo, os sapatos da coroação e a lei régia, a comunidade e o meio envolvente” [nota 7], juntamente com todas as narrativas, os discursos, a comunicação e respectivos significados, fomentando uma agenda mais eclética e enciclopédica, englobando a história da filosofia, da ciência, da filologia, da teologia, da literatura, das artes, da economia, da educação.
A autora diz que a «viragem cultural» não evoluiu apenas a partir do que aconteceu, mas do que aconteceu na perspectiva dos sujeitos, com significância, como defende Carr, para quem o tempo histórico e as vivências do historiador, ajudam a escrever a história.
A historiadora britânica acrescenta ainda que a formação do historiador se faz em dois planos: no plano prático, por entre arquivos empoeirados, e no plano espiritual, com a reflexão, a subjectividade, a empatia pelo objecto de estudo, pelos informantes, procurando respostas do passado. Esta atitude leva o historiador a produzir uma história crítica, reflexiva [nota 8], de auto-análise, de auto-escopia, revelando o que ficou por dizer ao longo do tempo.
Apesar das influências do pensamento historiográfico francês do século xx, baseadas na matematicidade do social, da história de forma linear e diacrónica, historiadores como Marc Bloch e Lucien Febvre, criaram uma «nova história» colocando o homem, os ciclos de vida, o trabalho e até a morte nas suas preocupações. Eis uma nova história «colaborativa», com vários objectos de estudo em simultâneo.
Os Annales são exemplo deste tipo de história «colaborativa» que influenciou a história europeia, com a neutralidade do historiador Henri Pirenne. As características desta história europeia saíam da fronteira de um país e alargavam-se a todo o continente europeu, com pouco interesse pelo nacionalismo ou regionalismo, mas sim pelo estrutural, pelo longo prazo, uma história dos povos e não das elites, da (…) economia, da demografia e de uma venerável geografia de estilo francês” [nota 9]. Estas características de alargamento espacial, económico, social e cultural do objecto de estudo, deram à história uma feição de história total, como entendera Braudel [nota 10].
Esta multiplicidade e variedade de objectos de estudo, aproximou a história ao estruturalista francês Lévy-Strauss, ao sociolinguista Emile Benveniste, ao desconstrutivista Jacques Derrida e ao antropo-sociólogo Pierre Bourdieu, a quem se juntou o pluridisciplinar, e considerado dos últimos grandes filósofos da história, Michel Foucault.
Concluindo, podemos afirmar que a «viragem cultural», fomentou uma agenda mais eclética e enciclopédica, englobando a história da filosofia, da ciência, da filologia, da teologia, da literatura, das artes, da economia, da educação, numa perspectiva pluridisciplinar.
Na segunda parte, a historiadora aborda essencialmente as representações históricas e sociais do poder, materializadas através do medo e do controlo sobre o corpo dos indivíduos. Para tal, socorre-se de Michel Foucault, que deixou aos historiadores uma história relacionada com o poder sobre o corpo, ou os corpos, controlados em hospitais, asilos e prisões e outras instâncias de «poder silencioso».
Tal facto abriu caminho para o estudo de novos objectos historiográficos relacionados com o poder e o corpo, como as manifestações ritualistas, religiosas, laborais, e até o sofrimento, como refere a autora.
Rubin infere que Foucault irradicou da história as estruturas e os modelos, a quantificação e o matematismo, para se concentrar na «genealogia vigorosa»; no poder, seja ele masculinista, ritualista ou colonialista. Segundo a autora, o historiador deve estar atento e seguir as pegadas dos significados que possam conduzir à descoberta de todas as formas de poder. Exemplifica com manifestações religiosas francesas baseadas no corpo de Cristo, que levadas para o Peru, aquando dos Descobrimentos, tomaram a forma de divindade solar, permitindo assim, comparar cosmologias em diferentes épocas e diferentes áreas geográficas.
O poder foi, no dizer da autora, a grande «presa» intelectual de Foucault, reflectida na emergência de movimentos minoritários, até então escondidos e reprimidos pelo poder, como as feministas, os homossexuais, os ecologistas, os anticolonialistas, que nos anos 70 abalaram a imagética do poder das instituições. E Michel Foucault navega na fronteira de vários saberes da história destes movimentos, aliando as várias referências a uma consistência teórica.
O surgimento destas temáticas sociais, levaram historiadores, e não só, a interessarem-se pelo poder, enquanto instituição autoritária e de opressão sobre os indivíduos e particularmente sobre os seus corpos. Mas a resposta encontrada assentou num só pressuposto: a diferença biológica! Contra esta perspectiva, surgiu Edward Said com o seu Orientalismo, que começou a fazer parte da história cultural.
Porém, a autora refere que o feminismo foi a temática que mais tem interessado aos historiadores, porque está intimamente ligada a todas as situações da sociedade: da produção económica à produção e reprodução dos filhos, onde o poder está vincadamente presente. Por isso, é possível fazer uma geografia do poder e cartografar as várias categorias da opressão, que a história interpretará.
As expressões e os significados relacionados com o feminino têm leituras diferentes, em função do contexto temporal e geográfico em que são empregues, bem como a quem são dirigidas, conforme exemplos que a autora refere.
Miri Rubin termina esta segunda parte referindo que os materiais, como fontes históricas, sejam sobre o poder, ou outros objectos, são sempre recursos valiosos para o historiador. Podendo até este utilizar estratégias mais arrojadas de fazer história sobre o corpo, criando ou recriando aldeias, fazendo cinematografia ou participando como peregrino ao santuário de Lourdes, em França, pondo à prova a resistência do seu corpo e do seu espírito.
Na terceira parte, a autora promove a ideia de que a «história cultural» foi alimentada pela ligação entre a história e a antropologia, aplicando mesmo o termo «romance». Deste relacionamento terá resultado a compreensão, por parte da história, das manifestações simbólicas públicas e colectivas, através de instrumentos metodológicos da antropologia, principalmente o trabalho de campo. A investigação no terreno, in loco, foi deste modo adoptada pelos historiadores, cujo modelo lhes permitiu aceder, analisar, compreender, interpretar e explicar o passado através de elementos com valor histórico. Desses elementos, os historiadores elegeram os rituais como um guião para a compreensão da organização política, social e religiosa das comunidades.
Refere ainda Miri Rubin, que o binarismo estruturalista francês, representado por Lévy-Strauss e as suas ramificações representadas pelos anglo-saxónicos Victor Turner e Mary Douglas, ajudou os historiadores a perceberem o sentido das oposições (pares de significados diferentes), como por exemplo sagrado/profano, puro/impuro, masculino/feminino, etc. Porém, este recurso terá levado os historiadores também para uma certa confusão, relativamente aos elementos de cada par.
Voltando de novo aos rituais, diz a autora que estes foram também processos que conduziram à análise das expressões humanas, no âmbito laboral, familiar, religioso e de autoridade ou poder, como uma manifestação singular ou total. A este método Clifford Geertz designou «descrição densa». Por ser um método mais original, mais subjectivo, esteticamente bem escrito, mas principalmente por abordar a totalidade do social num contexto temporal alargado, recebeu a empatia dos historiadores.
Todo o ritual é um processo complexo e difícil para as categorias do entendimento. Contudo, os historiadores conseguiriam perceber o seu significado, ou significados, desde que se envolvessem física e emocionalmente na manifestação em causa “ (…) suando, dançando, cantando ou rezando [nota 11]. Com sentido e sentindo as formas da sociedade em estudo, o historiador consegue elaborar a sua história.
Para alguns autores como Foucault, ou correntes sociais como o feminismo e o antropo-sociocentrismo, o ritual constitui uma «cola social», que merece reservas. Sobre este assunto, Rubin evoca alguns exemplos, como o conflito de Romans, no século XVI em que dois grupos sociais se digladiaram resultando mortos, ou o conflito numa missa, ou ainda a confusão com a imitação da coroação de Eduardo VI.
A complexidade de um ritual pode ter leituras diferentes em contextos temporais e espaciais diferentes, motivando até reacções negativas, como as que atrás foram descritas.
Na quarta parte, a historiadora aborda a década de 80 como sendo um período crítico e de reposicionamento para a antropologia, enquanto área disciplinar inspiradora para muitos historiadores que a aplaudiram desde os anos 60, como Natalie Davis e Keith Thomas. Miri Rubin foca as denúncias e criticas feitas à antropologia, como sendo uma área de estudo cuja epistemologia está fundada no colonialismo e servida por desiludidos com a vida moderna ocidental, que no terreno submetiam e persuadiam o outro ao seu poder «inquisitor». Denúncia esta feita por outros estudiosos, dentro mesmo da comunidade da antropologia, entre os quais Renato Rosaldo. Este refere ter encontrado aspectos inquisitoriais e de poder sobre os informantes, nas obras dos antropólogos James Clifford, George Marcus, Ladurie e Evans-Pritchard, em vários contextos geográficos, culturais e temporais.
Esta critica demolidora para a antropologia, que também afectou a história, surgiu sobretudo num contexto do fim dos impérios coloniais, caracterizado por uma corrente crítica pós-colonial, feminista e desconstrutivista.
Foi neste cenário, que os antropólogos regressados a casa, reformularam os seus objectos de estudo, debruçando-se sobre as realidades socioculturais do mundo desenvolvido. São exemplo, os estudos de Tanya Luhrmann, Ray Raphael e Claudine Fabre-Vassas sobre a psiquiatria e a maioridade nos Estados Unidos e o consumo de carne de porco numa região do sudoeste de França, respectivamente.
Depois de focar o regresso dos antropólogos ao mundo não colonial, a autora considera um erro que os historiadores não aproveitem os conhecimentos etnográficos, com a etnografia tribalista sul-americana, que melhorou a interpretação da Europa no século XVI.
Em jeito de retorno, a autora critica o excesso de confiança que etnógrafos e historiadores depositaram na ingenuidade dos informantes, sempre ávidos de falar com visitantes; informantes esses que desenvolviam mecanismos psicológicos e «patranhas», como forma de divertimento com a presença do ocidental. Para tais situações, aconselha Miri, devem os historiadores estar preparados para diferentes presunções dos sujeitos, que apenas são compreendidas após uma delicada e prolongada análise da linguagem e do contexto local [nota 12].
Para melhor ilustrar as suas ideias, Miri evoca Marshall Sahlins, um estudioso neutral que analisou as viagens e a morte de Cook no Pacifico, os dilemas morais de um soldado no Vietname e de um estudante universitário, interpretando e concluindo que a herança cultural herdada pelos sujeitos estudados, constituem documentos históricos em forma de património psicológico e emocional, que os historiadores também deviam acolher como objectos de estudo.
Na quinta parte, e última, Rubin referencia que nas duas últimas décadas, estudiosos das ciências sociais problematizaram e têm dado relevo às estruturas e aos significados da linguagem, da oralidade, da comunicação verbal e não verbal, como as imagens, a sinalética e outros elementos iconográficos de comunicação passiva. Estes estudos têm servido para fazer uma análise crítica e interpretativa do «sentido do real» que estes elementos têm para os sujeitos e para os historiadores, em estreita colaboração com os especialistas em hermenêutica literária. Existe uma reflexão sobre a linguagem nas ciências sociais.
Para os historiadores, como cientistas da acção e do passado humano, o agir e o inter-agir dos actores sociais com os outros actores fez-se e faz-se pela linguagem, como elemento incontornável do devir social, quer do passado, quer do presente. No universo textual está implícita a linguagem, como processo de conhecimento, onde opera uma dimensão carregada de significados. No texto «tudo é texto, nada está fora do texto, tudo é representação e significado», como de depreende da teoria desconstrutivista de Derrida.
Esta história cultural «colaborativa», acrescenta a autora, tem-se verificado em historiadores interessados na Idade Média e nos inícios da Idade Moderna.
Tendo sempre presente a etnografia e a antropologia, Miri Rubin recorre ainda a Clifford Geertz, antropólogo reflexivo e interpretativo, para dimensionar a importância e a influência deste autor na percepção, reflexão e interpretação dos fragmentos, artefactos e acervos culturais, materiais ou imateriais, os quais funcionam como linguagens textuais do passado, que dão voz às acções humanas. Estas formas textuais constituem autênticos documentos históricos que enriquecem o património da «história cultural», que embora híbrida no sentido metodológico, horizontal e transdisciplinar nas diferentes categorias, cruza a comunicação, as ideias e a acções do homem com significação.
A autora realça ainda a importância dos «contextos de uso», em que as várias categorias de tempo e as várias categorias de espaço permitem o “ (…) acesso ao mundo de significados de pessoas entre as quais jamais vivemos.” [nota 13]. Mas que os historiadores reconhecem em si como experiências culturais localizadas no espaço e no tempo, que não são universais.
Miri Rubin finaliza esta última parte, evidenciando a contribuição da «história cultural» para a compreensão e explicação das experiências humanas, sejam elas de índole laboral, económica ou política, postas em prática por singularidades pessoais ou manifestações colectivas.
Nota final:
O texto de Miri Rubin não foi fácil de entender apenas com uma leitura. Algumas abordagens e conteúdos das cinco partes, revelaram alguma complexidade que requereram da nossa parte não só várias leituras, como um entendimento das mesmas, próximo da epistemologia e teoria, quer da história, quer da antropologia.
Por outro lado, a não existência de títulos em cada uma das cinco partes, que a existir serviriam de fio condutor para a nossa compreensão, complexificou ainda mais o texto, em termos de apreensão, o que motivou também discussão e grande troca de ideias entre nós, o que foi positivo.
Realçamos ainda o facto de a autora ter referido cinco vezes Michel Foucault, quatro das quais na segunda parte do seu texto, evidenciando assim ser o autor mais referido de todos os autores, pressupondo que a autora tem uma certa empatia pela história do poder, da opressão e do corpo, dentro da sua «história cultural», decorrente de uma Europa cultural de matriz essencialmente judaico-cristã.
Finalmente, respondendo ao título do texto de Rubin «Que é a História Cultural Hoje?», diríamos que é uma história com novidades: há uma abordagem mais democrática do que a do passado, de Maquiavel, quando escreveu «O Príncipe». Por outro lado parece-nos existir a dicotomia: cultura de elite vs cultura popular, com a preocupação em afastar a erudição e de aproximar as figuras anónimas, praticamente afastadas da história até à década de 70.
Na produção da nossa recensão crítica, optámos por sair das «fronteiras» estritas do texto de Rubi, evocando outros autores, cujos «territórios» disciplinares são transversais e encaixam em muitos domínios no texto em análise.
A autora:
Miri Rubin fez os seus estudos de História na Universidade de Jerusalém, tendo aqui concluído o mestrado em 1980.
O seu interesse pela história social, religiosa e cultural da Europa, levou-a para a Universidade de Cambridge, onde fez o seu doutoramento sobre «Charity and Community in Medieval Cambridge», em 1984.
A partir do ano 2000, passou a reger a cadeira de História Moderna no Departamento de História Queen Mary, na Universidade de Londres.
As suas áreas de investigação abrangem um vasto leque das relações sociais, no domínio religioso na Europa e no período entre 1100 -1600.
As suas abordagens são transversais, recorrendo a ferramentas da antropologia, das artes visuais e da textualidade, para melhor compreender a significação das complexidades rituais, da sexualidade, do poder e da vida comunitária.
Tem sido vasta a sua participação em vários colóquios e conferências internacionais, cujas temáticas se relacionam com a religião e a época Medieval.
A historiadora publicou as seguintes obras: Charity and community in medieval Cambridge (1987); Corpus Christi: the eucharist in late medieval culture (1991); Gentile tales: the narratives assault in late medieval Jews (1999); Mary – Mother of God: a History (2008).
O Contexto
O texto de Miri Rubin em análise, foi produzido no início século XXI marcado pela voracidade da globalização económica, social e cultural. Porém, é notória a influência da história cultural no pensamento da autora. A maior influência veio de Johan Huizinga e da sua obra «O Outono da Idade Média», publicada em 1924, privilegiando a expressão cultural da sociedade medieval e rompendo pela primeira vez com o quadro tradicional de análise.
Rubin aprendeu com Huizinga que os grandes protagonistas da história cultural são: a cultura e as artes visuais.
Apesar de «abafada» pelo paradigma intelectual e académico da história económica e quantitativa da Escola dos Annales, (anos 60/70) a história cultural vai ganhando terreno com estudos sobre «mentalités», evoluindo para os «estudos culturais».
A obra «O Queijo e os Vermes» [nota 1] é outra das obras de referência que contextualizam a emergência da história cultural, como experiência da cultura enquanto elemento explicativo do devir histórico.
Ainda sob o ponto de vista da historiografia, o texto de Rubin surgiu num período em que nas universidades americanas já se falava de História numa perspectiva de «Global History». Contudo, encaramos o texto de Rubin como um produto da historiografia dos anos 80, e 90 do século passado, caracterizada pelo relativismo, pela pós-modernidade, pelo alargamento teórico e epistemológico, em que o historiador constrói as suas narrativas com os dispositivos retóricos de que dispõe, tendo em conta «As Muitas Faces da História» [nota 2].
O Texto
Miri Rubin aborda «O Que é a História Cultural Hoje?», no capitulo cinco do «Que é a História Hoje?», de David Cannadine.
Rubin inicia o seu texto com uma curta intervenção a que chamamos de nota introdutória, sobre a ambivalência do conceito de «cultura» e de «história cultural», bem como do interesse que a história cultural criou, sobretudo a partir dos anos 70.
Seguidamente divide o capítulo em cinco partes, finalizando com notas e referências bibliográficas.
A autora não dá qualquer título às cinco partes por si divididas.
Analisemos então a nota introdutória:
A historiadora começa o seu texto recorrendo a Adam Kuper e à sua obra Culture: The Anthropologists’ Account, na qual o autor aconselha que se evite o uso excessivo da palavra «cultura».
Num breve reparo, Miri Rubin refere a maximização que se faz do termo «cultura» em muitas situações, minimizando deste modo o seu verdadeiro sentido.
Na perspectiva da autora, o conceito de «história cultural» é comparável ao conflito subjacente ao termo «cultura». Em ambos os termos parece estar implícito um carácter dualista e ambivalente, sendo que a «história cultural», “ (…) tanto pode designar uma história tradicional da produção artística e intelectual, bem como algo diferente a que alguns chamam «nova história cultural» [nota 3].
Rubin termina o seu curto intróito referindo a (re)emergência dos vários campos disciplinares da «história cultural», afastados pela «nova história» dos anos 60/70 do século passado, como a história da medicina, do direito, entre outros.
Na primeira parte do seu texto, Miri Rubin enfatiza a «viragem cultural» como um processo não continuo, nem linear ao longo do tempo, e diz que actualmente passamos por uma fase de alargamento dessa «viragem cultural», transversal a vários aspectos das acções humanas que conferem historicidade a essas mesmas acções. A autora faz mesmo uma analepse histórica para reforçar a ideia de que a «viragem cultural» foi ainda mais evidente e “ (…) proeminente na obra de historiadores da Idade Média Tardia e do início da Idade Moderna” [nota 4]. Nestas épocas prevaleceu a cultura de índole maioritariamente religiosa e livresca que praticamente cristalizou. Todavia, surgiu nesse contexto um moleiro autodidacta, denominado Menocchio [nota 5], que possibilitou o conhecimento dos “ (…) rituais de desgoverno, a destruição… da teologia, … cerimonial da honra e da desonra, …” [nota 6].
Miri Rubin afirma que no período da despromoção da literacia, as culturas religiosas fizeram do livro o maior significado cultural, mas como fonte histórica não foi a mais directa. De qualquer modo, o historiador socorreu-se de outras análises antropológicas e outros eventos, como “ (…) a oração e o retábulo, os sapatos da coroação e a lei régia, a comunidade e o meio envolvente” [nota 7], juntamente com todas as narrativas, os discursos, a comunicação e respectivos significados, fomentando uma agenda mais eclética e enciclopédica, englobando a história da filosofia, da ciência, da filologia, da teologia, da literatura, das artes, da economia, da educação.
A autora diz que a «viragem cultural» não evoluiu apenas a partir do que aconteceu, mas do que aconteceu na perspectiva dos sujeitos, com significância, como defende Carr, para quem o tempo histórico e as vivências do historiador, ajudam a escrever a história.
A historiadora britânica acrescenta ainda que a formação do historiador se faz em dois planos: no plano prático, por entre arquivos empoeirados, e no plano espiritual, com a reflexão, a subjectividade, a empatia pelo objecto de estudo, pelos informantes, procurando respostas do passado. Esta atitude leva o historiador a produzir uma história crítica, reflexiva [nota 8], de auto-análise, de auto-escopia, revelando o que ficou por dizer ao longo do tempo.
Apesar das influências do pensamento historiográfico francês do século xx, baseadas na matematicidade do social, da história de forma linear e diacrónica, historiadores como Marc Bloch e Lucien Febvre, criaram uma «nova história» colocando o homem, os ciclos de vida, o trabalho e até a morte nas suas preocupações. Eis uma nova história «colaborativa», com vários objectos de estudo em simultâneo.
Os Annales são exemplo deste tipo de história «colaborativa» que influenciou a história europeia, com a neutralidade do historiador Henri Pirenne. As características desta história europeia saíam da fronteira de um país e alargavam-se a todo o continente europeu, com pouco interesse pelo nacionalismo ou regionalismo, mas sim pelo estrutural, pelo longo prazo, uma história dos povos e não das elites, da (…) economia, da demografia e de uma venerável geografia de estilo francês” [nota 9]. Estas características de alargamento espacial, económico, social e cultural do objecto de estudo, deram à história uma feição de história total, como entendera Braudel [nota 10].
Esta multiplicidade e variedade de objectos de estudo, aproximou a história ao estruturalista francês Lévy-Strauss, ao sociolinguista Emile Benveniste, ao desconstrutivista Jacques Derrida e ao antropo-sociólogo Pierre Bourdieu, a quem se juntou o pluridisciplinar, e considerado dos últimos grandes filósofos da história, Michel Foucault.
Concluindo, podemos afirmar que a «viragem cultural», fomentou uma agenda mais eclética e enciclopédica, englobando a história da filosofia, da ciência, da filologia, da teologia, da literatura, das artes, da economia, da educação, numa perspectiva pluridisciplinar.
Na segunda parte, a historiadora aborda essencialmente as representações históricas e sociais do poder, materializadas através do medo e do controlo sobre o corpo dos indivíduos. Para tal, socorre-se de Michel Foucault, que deixou aos historiadores uma história relacionada com o poder sobre o corpo, ou os corpos, controlados em hospitais, asilos e prisões e outras instâncias de «poder silencioso».
Tal facto abriu caminho para o estudo de novos objectos historiográficos relacionados com o poder e o corpo, como as manifestações ritualistas, religiosas, laborais, e até o sofrimento, como refere a autora.
Rubin infere que Foucault irradicou da história as estruturas e os modelos, a quantificação e o matematismo, para se concentrar na «genealogia vigorosa»; no poder, seja ele masculinista, ritualista ou colonialista. Segundo a autora, o historiador deve estar atento e seguir as pegadas dos significados que possam conduzir à descoberta de todas as formas de poder. Exemplifica com manifestações religiosas francesas baseadas no corpo de Cristo, que levadas para o Peru, aquando dos Descobrimentos, tomaram a forma de divindade solar, permitindo assim, comparar cosmologias em diferentes épocas e diferentes áreas geográficas.
O poder foi, no dizer da autora, a grande «presa» intelectual de Foucault, reflectida na emergência de movimentos minoritários, até então escondidos e reprimidos pelo poder, como as feministas, os homossexuais, os ecologistas, os anticolonialistas, que nos anos 70 abalaram a imagética do poder das instituições. E Michel Foucault navega na fronteira de vários saberes da história destes movimentos, aliando as várias referências a uma consistência teórica.
O surgimento destas temáticas sociais, levaram historiadores, e não só, a interessarem-se pelo poder, enquanto instituição autoritária e de opressão sobre os indivíduos e particularmente sobre os seus corpos. Mas a resposta encontrada assentou num só pressuposto: a diferença biológica! Contra esta perspectiva, surgiu Edward Said com o seu Orientalismo, que começou a fazer parte da história cultural.
Porém, a autora refere que o feminismo foi a temática que mais tem interessado aos historiadores, porque está intimamente ligada a todas as situações da sociedade: da produção económica à produção e reprodução dos filhos, onde o poder está vincadamente presente. Por isso, é possível fazer uma geografia do poder e cartografar as várias categorias da opressão, que a história interpretará.
As expressões e os significados relacionados com o feminino têm leituras diferentes, em função do contexto temporal e geográfico em que são empregues, bem como a quem são dirigidas, conforme exemplos que a autora refere.
Miri Rubin termina esta segunda parte referindo que os materiais, como fontes históricas, sejam sobre o poder, ou outros objectos, são sempre recursos valiosos para o historiador. Podendo até este utilizar estratégias mais arrojadas de fazer história sobre o corpo, criando ou recriando aldeias, fazendo cinematografia ou participando como peregrino ao santuário de Lourdes, em França, pondo à prova a resistência do seu corpo e do seu espírito.
Na terceira parte, a autora promove a ideia de que a «história cultural» foi alimentada pela ligação entre a história e a antropologia, aplicando mesmo o termo «romance». Deste relacionamento terá resultado a compreensão, por parte da história, das manifestações simbólicas públicas e colectivas, através de instrumentos metodológicos da antropologia, principalmente o trabalho de campo. A investigação no terreno, in loco, foi deste modo adoptada pelos historiadores, cujo modelo lhes permitiu aceder, analisar, compreender, interpretar e explicar o passado através de elementos com valor histórico. Desses elementos, os historiadores elegeram os rituais como um guião para a compreensão da organização política, social e religiosa das comunidades.
Refere ainda Miri Rubin, que o binarismo estruturalista francês, representado por Lévy-Strauss e as suas ramificações representadas pelos anglo-saxónicos Victor Turner e Mary Douglas, ajudou os historiadores a perceberem o sentido das oposições (pares de significados diferentes), como por exemplo sagrado/profano, puro/impuro, masculino/feminino, etc. Porém, este recurso terá levado os historiadores também para uma certa confusão, relativamente aos elementos de cada par.
Voltando de novo aos rituais, diz a autora que estes foram também processos que conduziram à análise das expressões humanas, no âmbito laboral, familiar, religioso e de autoridade ou poder, como uma manifestação singular ou total. A este método Clifford Geertz designou «descrição densa». Por ser um método mais original, mais subjectivo, esteticamente bem escrito, mas principalmente por abordar a totalidade do social num contexto temporal alargado, recebeu a empatia dos historiadores.
Todo o ritual é um processo complexo e difícil para as categorias do entendimento. Contudo, os historiadores conseguiriam perceber o seu significado, ou significados, desde que se envolvessem física e emocionalmente na manifestação em causa “ (…) suando, dançando, cantando ou rezando [nota 11]. Com sentido e sentindo as formas da sociedade em estudo, o historiador consegue elaborar a sua história.
Para alguns autores como Foucault, ou correntes sociais como o feminismo e o antropo-sociocentrismo, o ritual constitui uma «cola social», que merece reservas. Sobre este assunto, Rubin evoca alguns exemplos, como o conflito de Romans, no século XVI em que dois grupos sociais se digladiaram resultando mortos, ou o conflito numa missa, ou ainda a confusão com a imitação da coroação de Eduardo VI.
A complexidade de um ritual pode ter leituras diferentes em contextos temporais e espaciais diferentes, motivando até reacções negativas, como as que atrás foram descritas.
Na quarta parte, a historiadora aborda a década de 80 como sendo um período crítico e de reposicionamento para a antropologia, enquanto área disciplinar inspiradora para muitos historiadores que a aplaudiram desde os anos 60, como Natalie Davis e Keith Thomas. Miri Rubin foca as denúncias e criticas feitas à antropologia, como sendo uma área de estudo cuja epistemologia está fundada no colonialismo e servida por desiludidos com a vida moderna ocidental, que no terreno submetiam e persuadiam o outro ao seu poder «inquisitor». Denúncia esta feita por outros estudiosos, dentro mesmo da comunidade da antropologia, entre os quais Renato Rosaldo. Este refere ter encontrado aspectos inquisitoriais e de poder sobre os informantes, nas obras dos antropólogos James Clifford, George Marcus, Ladurie e Evans-Pritchard, em vários contextos geográficos, culturais e temporais.
Esta critica demolidora para a antropologia, que também afectou a história, surgiu sobretudo num contexto do fim dos impérios coloniais, caracterizado por uma corrente crítica pós-colonial, feminista e desconstrutivista.
Foi neste cenário, que os antropólogos regressados a casa, reformularam os seus objectos de estudo, debruçando-se sobre as realidades socioculturais do mundo desenvolvido. São exemplo, os estudos de Tanya Luhrmann, Ray Raphael e Claudine Fabre-Vassas sobre a psiquiatria e a maioridade nos Estados Unidos e o consumo de carne de porco numa região do sudoeste de França, respectivamente.
Depois de focar o regresso dos antropólogos ao mundo não colonial, a autora considera um erro que os historiadores não aproveitem os conhecimentos etnográficos, com a etnografia tribalista sul-americana, que melhorou a interpretação da Europa no século XVI.
Em jeito de retorno, a autora critica o excesso de confiança que etnógrafos e historiadores depositaram na ingenuidade dos informantes, sempre ávidos de falar com visitantes; informantes esses que desenvolviam mecanismos psicológicos e «patranhas», como forma de divertimento com a presença do ocidental. Para tais situações, aconselha Miri, devem os historiadores estar preparados para diferentes presunções dos sujeitos, que apenas são compreendidas após uma delicada e prolongada análise da linguagem e do contexto local [nota 12].
Para melhor ilustrar as suas ideias, Miri evoca Marshall Sahlins, um estudioso neutral que analisou as viagens e a morte de Cook no Pacifico, os dilemas morais de um soldado no Vietname e de um estudante universitário, interpretando e concluindo que a herança cultural herdada pelos sujeitos estudados, constituem documentos históricos em forma de património psicológico e emocional, que os historiadores também deviam acolher como objectos de estudo.
Na quinta parte, e última, Rubin referencia que nas duas últimas décadas, estudiosos das ciências sociais problematizaram e têm dado relevo às estruturas e aos significados da linguagem, da oralidade, da comunicação verbal e não verbal, como as imagens, a sinalética e outros elementos iconográficos de comunicação passiva. Estes estudos têm servido para fazer uma análise crítica e interpretativa do «sentido do real» que estes elementos têm para os sujeitos e para os historiadores, em estreita colaboração com os especialistas em hermenêutica literária. Existe uma reflexão sobre a linguagem nas ciências sociais.
Para os historiadores, como cientistas da acção e do passado humano, o agir e o inter-agir dos actores sociais com os outros actores fez-se e faz-se pela linguagem, como elemento incontornável do devir social, quer do passado, quer do presente. No universo textual está implícita a linguagem, como processo de conhecimento, onde opera uma dimensão carregada de significados. No texto «tudo é texto, nada está fora do texto, tudo é representação e significado», como de depreende da teoria desconstrutivista de Derrida.
Esta história cultural «colaborativa», acrescenta a autora, tem-se verificado em historiadores interessados na Idade Média e nos inícios da Idade Moderna.
Tendo sempre presente a etnografia e a antropologia, Miri Rubin recorre ainda a Clifford Geertz, antropólogo reflexivo e interpretativo, para dimensionar a importância e a influência deste autor na percepção, reflexão e interpretação dos fragmentos, artefactos e acervos culturais, materiais ou imateriais, os quais funcionam como linguagens textuais do passado, que dão voz às acções humanas. Estas formas textuais constituem autênticos documentos históricos que enriquecem o património da «história cultural», que embora híbrida no sentido metodológico, horizontal e transdisciplinar nas diferentes categorias, cruza a comunicação, as ideias e a acções do homem com significação.
A autora realça ainda a importância dos «contextos de uso», em que as várias categorias de tempo e as várias categorias de espaço permitem o “ (…) acesso ao mundo de significados de pessoas entre as quais jamais vivemos.” [nota 13]. Mas que os historiadores reconhecem em si como experiências culturais localizadas no espaço e no tempo, que não são universais.
Miri Rubin finaliza esta última parte, evidenciando a contribuição da «história cultural» para a compreensão e explicação das experiências humanas, sejam elas de índole laboral, económica ou política, postas em prática por singularidades pessoais ou manifestações colectivas.
Nota final:
O texto de Miri Rubin não foi fácil de entender apenas com uma leitura. Algumas abordagens e conteúdos das cinco partes, revelaram alguma complexidade que requereram da nossa parte não só várias leituras, como um entendimento das mesmas, próximo da epistemologia e teoria, quer da história, quer da antropologia.
Por outro lado, a não existência de títulos em cada uma das cinco partes, que a existir serviriam de fio condutor para a nossa compreensão, complexificou ainda mais o texto, em termos de apreensão, o que motivou também discussão e grande troca de ideias entre nós, o que foi positivo.
Realçamos ainda o facto de a autora ter referido cinco vezes Michel Foucault, quatro das quais na segunda parte do seu texto, evidenciando assim ser o autor mais referido de todos os autores, pressupondo que a autora tem uma certa empatia pela história do poder, da opressão e do corpo, dentro da sua «história cultural», decorrente de uma Europa cultural de matriz essencialmente judaico-cristã.
Finalmente, respondendo ao título do texto de Rubin «Que é a História Cultural Hoje?», diríamos que é uma história com novidades: há uma abordagem mais democrática do que a do passado, de Maquiavel, quando escreveu «O Príncipe». Por outro lado parece-nos existir a dicotomia: cultura de elite vs cultura popular, com a preocupação em afastar a erudição e de aproximar as figuras anónimas, praticamente afastadas da história até à década de 70.
NOTAS DO TEXTO:
[1] Carlo Ginzburg, O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição, São Paulo, Companhia das Letras, 1987.
[2] Maria Lúcia Pallares-Burke, As Muitas Faces da História. Nove Entrevistas. São Paulo, Editora UNESP, 2000.
[3] RUBIN, Miri, «Que é a História Cultural Hoje?» in Que É A História Hoje? David CANNADINE (coord), Lisboa, Gradiva, 2006, p 111.
[4] Ib, p. 112.
[5] Personagem central da obra «O Queijo e os Vermes», de Carlo Ginzburg.
[6] Ib, p. 112.
[7] Ib, p. 112.
[8] Método já adoptado pela «antropologia reflexiva» e «modernidade reflexiva» do antropólogo Clifford Geertz.
[9] Ib, p. 113.
[10] Também o antropo-sociólogo Marcel Mauss entendia que o homem devia ser analisado nas suas múltiplas dimensões, constituindo um «facto social total».
[11] Ib, p.118.
[12] Ib, p. 121. Informação de Miri confere com o trabalho iniciado pelo antropólogo britânico Bronislaw Malinowski, nas ilhas Trobriand, no Pacífico Sul, em 1914.
[13] Ib, 123.
Bibliografia:
RUBIN, Miri, «Que é a História Cultural Hoje?» in Que É A História Hoje? David CANNADINE (coord), Lisboa, Gradiva, 2006.
GINZBURG, Carlo, O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição, São Paulo, Companhia das Letras, 1987.
PALLARES-BURKE, Maria, As Muitas Faces da História. Nove Entrevistas. São Paulo, Editora UNESP, 2000.
Texto elaborado em colaboração com o meu grande amigo António Loureiro Bastos. Devo referir que a minha colaboração neste texto foi ínfima; resultado da divisão de tarefas que nos foram afectadas ao longo do semestre lectivo de 2009/2010.
[1] Carlo Ginzburg, O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição, São Paulo, Companhia das Letras, 1987.
[2] Maria Lúcia Pallares-Burke, As Muitas Faces da História. Nove Entrevistas. São Paulo, Editora UNESP, 2000.
[3] RUBIN, Miri, «Que é a História Cultural Hoje?» in Que É A História Hoje? David CANNADINE (coord), Lisboa, Gradiva, 2006, p 111.
[4] Ib, p. 112.
[5] Personagem central da obra «O Queijo e os Vermes», de Carlo Ginzburg.
[6] Ib, p. 112.
[7] Ib, p. 112.
[8] Método já adoptado pela «antropologia reflexiva» e «modernidade reflexiva» do antropólogo Clifford Geertz.
[9] Ib, p. 113.
[10] Também o antropo-sociólogo Marcel Mauss entendia que o homem devia ser analisado nas suas múltiplas dimensões, constituindo um «facto social total».
[11] Ib, p.118.
[12] Ib, p. 121. Informação de Miri confere com o trabalho iniciado pelo antropólogo britânico Bronislaw Malinowski, nas ilhas Trobriand, no Pacífico Sul, em 1914.
[13] Ib, 123.
Bibliografia:
RUBIN, Miri, «Que é a História Cultural Hoje?» in Que É A História Hoje? David CANNADINE (coord), Lisboa, Gradiva, 2006.
GINZBURG, Carlo, O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição, São Paulo, Companhia das Letras, 1987.
PALLARES-BURKE, Maria, As Muitas Faces da História. Nove Entrevistas. São Paulo, Editora UNESP, 2000.
Texto elaborado em colaboração com o meu grande amigo António Loureiro Bastos. Devo referir que a minha colaboração neste texto foi ínfima; resultado da divisão de tarefas que nos foram afectadas ao longo do semestre lectivo de 2009/2010.