24/11/09

Análise do Texto: «Que é a História Hoje?» de David Cannadine Quinto Capítulo da Obra «O Que é a História Cultural Hoje?» de Miri Rubin




ANÁLISE DE UM TEXTO ESCRITO


Miri RUBIN, «Que é a História Cultural Hoje?» in Que É A História Hoje, David CANNADINE (coord), Lisboa, Gradiva, 2006, pp.110-128,



Para melhor se compreender o «Que é a História Cultural Hoje?» de Miri Rubin, decidimos, em termos metodológicos, dividir o nosso texto em três partes: (i) a autora, (ii) o contexto, (iii) o texto.

Na produção da nossa recensão crítica, optámos por sair das «fronteiras» estritas do texto de Rubi, evocando outros autores, cujos «territórios» disciplinares são transversais e encaixam em muitos domínios no texto em análise.


A autora:

Miri Rubin fez os seus estudos de História na Universidade de Jerusalém, tendo aqui concluído o mestrado em 1980.
O seu interesse pela história social, religiosa e cultural da Europa, levou-a para a Universidade de Cambridge, onde fez o seu doutoramento sobre «Charity and Community in Medieval Cambridge», em 1984.

No período de 1988/89, foi professora de História Moderna na Universidade de Oxford.

A partir do ano 2000, passou a reger a cadeira de História Moderna no Departamento de História Queen Mary, na Universidade de Londres.

As suas áreas de investigação abrangem um vasto leque das relações sociais, no domínio religioso na Europa e no período entre 1100 -1600.

As suas abordagens são transversais, recorrendo a ferramentas da antropologia, das artes visuais e da textualidade, para melhor compreender a significação das complexidades rituais, da sexualidade, do poder e da vida comunitária.

Tem sido vasta a sua participação em vários colóquios e conferências internacionais, cujas temáticas se relacionam com a religião e a época Medieval.

A historiadora publicou as seguintes obras: Charity and community in medieval Cambridge (1987); Corpus Christi: the eucharist in late medieval culture (1991); Gentile tales: the narratives assault in late medieval Jews (1999); Mary – Mother of God: a History (2008).


O Contexto

O texto de Miri Rubin em análise, foi produzido no início século XXI marcado pela voracidade da globalização económica, social e cultural. Porém, é notória a influência da história cultural no pensamento da autora. A maior influência veio de Johan Huizinga e da sua obra «O Outono da Idade Média», publicada em 1924, privilegiando a expressão cultural da sociedade medieval e rompendo pela primeira vez com o quadro tradicional de análise.

Rubin aprendeu com Huizinga que os grandes protagonistas da história cultural são: a cultura e as artes visuais.
Apesar de «abafada» pelo paradigma intelectual e académico da história económica e quantitativa da Escola dos Annales, (anos 60/70) a história cultural vai ganhando terreno com estudos sobre «mentalités», evoluindo para os «estudos culturais».

A obra «O Queijo e os Vermes» [nota 1] é outra das obras de referência que contextualizam a emergência da história cultural, como experiência da cultura enquanto elemento explicativo do devir histórico.
Ainda sob o ponto de vista da historiografia, o texto de Rubin surgiu num período em que nas universidades americanas já se falava de História numa perspectiva de «Global History». Contudo, encaramos o texto de Rubin como um produto da historiografia dos anos 80, e 90 do século passado, caracterizada pelo relativismo, pela pós-modernidade, pelo alargamento teórico e epistemológico, em que o historiador constrói as suas narrativas com os dispositivos retóricos de que dispõe, tendo em conta «As Muitas Faces da História» [nota 2].


O Texto

Miri Rubin aborda «O Que é a História Cultural Hoje?», no capitulo cinco do «Que é a História Hoje?», de David Cannadine.

Rubin inicia o seu texto com uma curta intervenção a que chamamos de nota introdutória, sobre a ambivalência do conceito de «cultura» e de «história cultural», bem como do interesse que a história cultural criou, sobretudo a partir dos anos 70.

Seguidamente divide o capítulo em cinco partes, finalizando com notas e referências bibliográficas.
A autora não dá qualquer título às cinco partes por si divididas.



Analisemos então a nota introdutória:
A historiadora começa o seu texto recorrendo a Adam Kuper e à sua obra Culture: The Anthropologists’ Account, na qual o autor aconselha que se evite o uso excessivo da palavra «cultura».

Num breve reparo, Miri Rubin refere a maximização que se faz do termo «cultura» em muitas situações, minimizando deste modo o seu verdadeiro sentido.

Na perspectiva da autora, o conceito de «história cultural» é comparável ao conflito subjacente ao termo «cultura». Em ambos os termos parece estar implícito um carácter dualista e ambivalente, sendo que a «história cultural», “ (…) tanto pode designar uma história tradicional da produção artística e intelectual, bem como algo diferente a que alguns chamam «nova história cultural» [nota 3].

Rubin termina o seu curto intróito referindo a (re)emergência dos vários campos disciplinares da «história cultural», afastados pela «nova história» dos anos 60/70 do século passado, como a história da medicina, do direito, entre outros.

Na primeira parte do seu texto, Miri Rubin enfatiza a «viragem cultural» como um processo não continuo, nem linear ao longo do tempo, e diz que actualmente passamos por uma fase de alargamento dessa «viragem cultural», transversal a vários aspectos das acções humanas que conferem historicidade a essas mesmas acções. A autora faz mesmo uma analepse histórica para reforçar a ideia de que a «viragem cultural» foi ainda mais evidente e “ (…) proeminente na obra de historiadores da Idade Média Tardia e do início da Idade Moderna” [nota 4]. Nestas épocas prevaleceu a cultura de índole maioritariamente religiosa e livresca que praticamente cristalizou. Todavia, surgiu nesse contexto um moleiro autodidacta, denominado Menocchio [nota 5], que possibilitou o conhecimento dos “ (…) rituais de desgoverno, a destruição… da teologia, … cerimonial da honra e da desonra, …” [nota 6].

Miri Rubin afirma que no período da despromoção da literacia, as culturas religiosas fizeram do livro o maior significado cultural, mas como fonte histórica não foi a mais directa. De qualquer modo, o historiador socorreu-se de outras análises antropológicas e outros eventos, como “ (…) a oração e o retábulo, os sapatos da coroação e a lei régia, a comunidade e o meio envolvente” [nota 7], juntamente com todas as narrativas, os discursos, a comunicação e respectivos significados, fomentando uma agenda mais eclética e enciclopédica, englobando a história da filosofia, da ciência, da filologia, da teologia, da literatura, das artes, da economia, da educação.

A autora diz que a «viragem cultural» não evoluiu apenas a partir do que aconteceu, mas do que aconteceu na perspectiva dos sujeitos, com significância, como defende Carr, para quem o tempo histórico e as vivências do historiador, ajudam a escrever a história.

A historiadora britânica acrescenta ainda que a formação do historiador se faz em dois planos: no plano prático, por entre arquivos empoeirados, e no plano espiritual, com a reflexão, a subjectividade, a empatia pelo objecto de estudo, pelos informantes, procurando respostas do passado. Esta atitude leva o historiador a produzir uma história crítica, reflexiva [nota 8], de auto-análise, de auto-escopia, revelando o que ficou por dizer ao longo do tempo.

Apesar das influências do pensamento historiográfico francês do século xx, baseadas na matematicidade do social, da história de forma linear e diacrónica, historiadores como Marc Bloch e Lucien Febvre, criaram uma «nova história» colocando o homem, os ciclos de vida, o trabalho e até a morte nas suas preocupações. Eis uma nova história «colaborativa», com vários objectos de estudo em simultâneo.

Os Annales são exemplo deste tipo de história «colaborativa» que influenciou a história europeia, com a neutralidade do historiador Henri Pirenne. As características desta história europeia saíam da fronteira de um país e alargavam-se a todo o continente europeu, com pouco interesse pelo nacionalismo ou regionalismo, mas sim pelo estrutural, pelo longo prazo, uma história dos povos e não das elites, da (…) economia, da demografia e de uma venerável geografia de estilo francês” [nota 9]. Estas características de alargamento espacial, económico, social e cultural do objecto de estudo, deram à história uma feição de história total, como entendera Braudel [nota 10].

Esta multiplicidade e variedade de objectos de estudo, aproximou a história ao estruturalista francês Lévy-Strauss, ao sociolinguista Emile Benveniste, ao desconstrutivista Jacques Derrida e ao antropo-sociólogo Pierre Bourdieu, a quem se juntou o pluridisciplinar, e considerado dos últimos grandes filósofos da história, Michel Foucault.

Concluindo, podemos afirmar que a «viragem cultural», fomentou uma agenda mais eclética e enciclopédica, englobando a história da filosofia, da ciência, da filologia, da teologia, da literatura, das artes, da economia, da educação, numa perspectiva pluridisciplinar.



Na segunda parte, a historiadora aborda essencialmente as representações históricas e sociais do poder, materializadas através do medo e do controlo sobre o corpo dos indivíduos. Para tal, socorre-se de Michel Foucault, que deixou aos historiadores uma história relacionada com o poder sobre o corpo, ou os corpos, controlados em hospitais, asilos e prisões e outras instâncias de «poder silencioso».

Tal facto abriu caminho para o estudo de novos objectos historiográficos relacionados com o poder e o corpo, como as manifestações ritualistas, religiosas, laborais, e até o sofrimento, como refere a autora.

Rubin infere que Foucault irradicou da história as estruturas e os modelos, a quantificação e o matematismo, para se concentrar na «genealogia vigorosa»; no poder, seja ele masculinista, ritualista ou colonialista. Segundo a autora, o historiador deve estar atento e seguir as pegadas dos significados que possam conduzir à descoberta de todas as formas de poder. Exemplifica com manifestações religiosas francesas baseadas no corpo de Cristo, que levadas para o Peru, aquando dos Descobrimentos, tomaram a forma de divindade solar, permitindo assim, comparar cosmologias em diferentes épocas e diferentes áreas geográficas.

O poder foi, no dizer da autora, a grande «presa» intelectual de Foucault, reflectida na emergência de movimentos minoritários, até então escondidos e reprimidos pelo poder, como as feministas, os homossexuais, os ecologistas, os anticolonialistas, que nos anos 70 abalaram a imagética do poder das instituições. E Michel Foucault navega na fronteira de vários saberes da história destes movimentos, aliando as várias referências a uma consistência teórica.

O surgimento destas temáticas sociais, levaram historiadores, e não só, a interessarem-se pelo poder, enquanto instituição autoritária e de opressão sobre os indivíduos e particularmente sobre os seus corpos. Mas a resposta encontrada assentou num só pressuposto: a diferença biológica! Contra esta perspectiva, surgiu Edward Said com o seu Orientalismo, que começou a fazer parte da história cultural.

Porém, a autora refere que o feminismo foi a temática que mais tem interessado aos historiadores, porque está intimamente ligada a todas as situações da sociedade: da produção económica à produção e reprodução dos filhos, onde o poder está vincadamente presente. Por isso, é possível fazer uma geografia do poder e cartografar as várias categorias da opressão, que a história interpretará.

As expressões e os significados relacionados com o feminino têm leituras diferentes, em função do contexto temporal e geográfico em que são empregues, bem como a quem são dirigidas, conforme exemplos que a autora refere.

Miri Rubin termina esta segunda parte referindo que os materiais, como fontes históricas, sejam sobre o poder, ou outros objectos, são sempre recursos valiosos para o historiador. Podendo até este utilizar estratégias mais arrojadas de fazer história sobre o corpo, criando ou recriando aldeias, fazendo cinematografia ou participando como peregrino ao santuário de Lourdes, em França, pondo à prova a resistência do seu corpo e do seu espírito.




Na terceira parte, a autora promove a ideia de que a «história cultural» foi alimentada pela ligação entre a história e a antropologia, aplicando mesmo o termo «romance». Deste relacionamento terá resultado a compreensão, por parte da história, das manifestações simbólicas públicas e colectivas, através de instrumentos metodológicos da antropologia, principalmente o trabalho de campo. A investigação no terreno, in loco, foi deste modo adoptada pelos historiadores, cujo modelo lhes permitiu aceder, analisar, compreender, interpretar e explicar o passado através de elementos com valor histórico. Desses elementos, os historiadores elegeram os rituais como um guião para a compreensão da organização política, social e religiosa das comunidades.

Refere ainda Miri Rubin, que o binarismo estruturalista francês, representado por Lévy-Strauss e as suas ramificações representadas pelos anglo-saxónicos Victor Turner e Mary Douglas, ajudou os historiadores a perceberem o sentido das oposições (pares de significados diferentes), como por exemplo sagrado/profano, puro/impuro, masculino/feminino, etc. Porém, este recurso terá levado os historiadores também para uma certa confusão, relativamente aos elementos de cada par.

Voltando de novo aos rituais, diz a autora que estes foram também processos que conduziram à análise das expressões humanas, no âmbito laboral, familiar, religioso e de autoridade ou poder, como uma manifestação singular ou total. A este método Clifford Geertz designou «descrição densa». Por ser um método mais original, mais subjectivo, esteticamente bem escrito, mas principalmente por abordar a totalidade do social num contexto temporal alargado, recebeu a empatia dos historiadores.

Todo o ritual é um processo complexo e difícil para as categorias do entendimento. Contudo, os historiadores conseguiriam perceber o seu significado, ou significados, desde que se envolvessem física e emocionalmente na manifestação em causa “ (…) suando, dançando, cantando ou rezando [nota 11]. Com sentido e sentindo as formas da sociedade em estudo, o historiador consegue elaborar a sua história.

Para alguns autores como Foucault, ou correntes sociais como o feminismo e o antropo-sociocentrismo, o ritual constitui uma «cola social», que merece reservas. Sobre este assunto, Rubin evoca alguns exemplos, como o conflito de Romans, no século XVI em que dois grupos sociais se digladiaram resultando mortos, ou o conflito numa missa, ou ainda a confusão com a imitação da coroação de Eduardo VI.

A complexidade de um ritual pode ter leituras diferentes em contextos temporais e espaciais diferentes, motivando até reacções negativas, como as que atrás foram descritas.

Na quarta parte, a historiadora aborda a década de 80 como sendo um período crítico e de reposicionamento para a antropologia, enquanto área disciplinar inspiradora para muitos historiadores que a aplaudiram desde os anos 60, como Natalie Davis e Keith Thomas. Miri Rubin foca as denúncias e criticas feitas à antropologia, como sendo uma área de estudo cuja epistemologia está fundada no colonialismo e servida por desiludidos com a vida moderna ocidental, que no terreno submetiam e persuadiam o outro ao seu poder «inquisitor». Denúncia esta feita por outros estudiosos, dentro mesmo da comunidade da antropologia, entre os quais Renato Rosaldo. Este refere ter encontrado aspectos inquisitoriais e de poder sobre os informantes, nas obras dos antropólogos James Clifford, George Marcus, Ladurie e Evans-Pritchard, em vários contextos geográficos, culturais e temporais.

Esta critica demolidora para a antropologia, que também afectou a história, surgiu sobretudo num contexto do fim dos impérios coloniais, caracterizado por uma corrente crítica pós-colonial, feminista e desconstrutivista.

Foi neste cenário, que os antropólogos regressados a casa, reformularam os seus objectos de estudo, debruçando-se sobre as realidades socioculturais do mundo desenvolvido. São exemplo, os estudos de Tanya Luhrmann, Ray Raphael e Claudine Fabre-Vassas sobre a psiquiatria e a maioridade nos Estados Unidos e o consumo de carne de porco numa região do sudoeste de França, respectivamente.

Depois de focar o regresso dos antropólogos ao mundo não colonial, a autora considera um erro que os historiadores não aproveitem os conhecimentos etnográficos, com a etnografia tribalista sul-americana, que melhorou a interpretação da Europa no século XVI.

Em jeito de retorno, a autora critica o excesso de confiança que etnógrafos e historiadores depositaram na ingenuidade dos informantes, sempre ávidos de falar com visitantes; informantes esses que desenvolviam mecanismos psicológicos e «patranhas», como forma de divertimento com a presença do ocidental. Para tais situações, aconselha Miri, devem os historiadores estar preparados para diferentes presunções dos sujeitos, que apenas são compreendidas após uma delicada e prolongada análise da linguagem e do contexto local [nota 12].

Para melhor ilustrar as suas ideias, Miri evoca Marshall Sahlins, um estudioso neutral que analisou as viagens e a morte de Cook no Pacifico, os dilemas morais de um soldado no Vietname e de um estudante universitário, interpretando e concluindo que a herança cultural herdada pelos sujeitos estudados, constituem documentos históricos em forma de património psicológico e emocional, que os historiadores também deviam acolher como objectos de estudo.

Na quinta parte, e última, Rubin referencia que nas duas últimas décadas, estudiosos das ciências sociais problematizaram e têm dado relevo às estruturas e aos significados da linguagem, da oralidade, da comunicação verbal e não verbal, como as imagens, a sinalética e outros elementos iconográficos de comunicação passiva. Estes estudos têm servido para fazer uma análise crítica e interpretativa do «sentido do real» que estes elementos têm para os sujeitos e para os historiadores, em estreita colaboração com os especialistas em hermenêutica literária. Existe uma reflexão sobre a linguagem nas ciências sociais.

Para os historiadores, como cientistas da acção e do passado humano, o agir e o inter-agir dos actores sociais com os outros actores fez-se e faz-se pela linguagem, como elemento incontornável do devir social, quer do passado, quer do presente. No universo textual está implícita a linguagem, como processo de conhecimento, onde opera uma dimensão carregada de significados. No texto «tudo é texto, nada está fora do texto, tudo é representação e significado», como de depreende da teoria desconstrutivista de Derrida.

Esta história cultural «colaborativa», acrescenta a autora, tem-se verificado em historiadores interessados na Idade Média e nos inícios da Idade Moderna.

Tendo sempre presente a etnografia e a antropologia, Miri Rubin recorre ainda a Clifford Geertz, antropólogo reflexivo e interpretativo, para dimensionar a importância e a influência deste autor na percepção, reflexão e interpretação dos fragmentos, artefactos e acervos culturais, materiais ou imateriais, os quais funcionam como linguagens textuais do passado, que dão voz às acções humanas. Estas formas textuais constituem autênticos documentos históricos que enriquecem o património da «história cultural», que embora híbrida no sentido metodológico, horizontal e transdisciplinar nas diferentes categorias, cruza a comunicação, as ideias e a acções do homem com significação.

A autora realça ainda a importância dos «contextos de uso», em que as várias categorias de tempo e as várias categorias de espaço permitem o “ (…) acesso ao mundo de significados de pessoas entre as quais jamais vivemos.” [nota 13]. Mas que os historiadores reconhecem em si como experiências culturais localizadas no espaço e no tempo, que não são universais.

Miri Rubin finaliza esta última parte, evidenciando a contribuição da «história cultural» para a compreensão e explicação das experiências humanas, sejam elas de índole laboral, económica ou política, postas em prática por singularidades pessoais ou manifestações colectivas.

Nota final:

O texto de Miri Rubin não foi fácil de entender apenas com uma leitura. Algumas abordagens e conteúdos das cinco partes, revelaram alguma complexidade que requereram da nossa parte não só várias leituras, como um entendimento das mesmas, próximo da epistemologia e teoria, quer da história, quer da antropologia.

Por outro lado, a não existência de títulos em cada uma das cinco partes, que a existir serviriam de fio condutor para a nossa compreensão, complexificou ainda mais o texto, em termos de apreensão, o que motivou também discussão e grande troca de ideias entre nós, o que foi positivo.

Realçamos ainda o facto de a autora ter referido cinco vezes Michel Foucault, quatro das quais na segunda parte do seu texto, evidenciando assim ser o autor mais referido de todos os autores, pressupondo que a autora tem uma certa empatia pela história do poder, da opressão e do corpo, dentro da sua «história cultural», decorrente de uma Europa cultural de matriz essencialmente judaico-cristã.

Finalmente, respondendo ao título do texto de Rubin «Que é a História Cultural Hoje?», diríamos que é uma história com novidades: há uma abordagem mais democrática do que a do passado, de Maquiavel, quando escreveu «O Príncipe». Por outro lado parece-nos existir a dicotomia: cultura de elite vs cultura popular, com a preocupação em afastar a erudição e de aproximar as figuras anónimas, praticamente afastadas da história até à década de 70.


NOTAS DO TEXTO:

[1] Carlo Ginzburg, O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição, São Paulo, Companhia das Letras, 1987.

[2] Maria Lúcia Pallares-Burke, As Muitas Faces da História. Nove Entrevistas. São Paulo, Editora UNESP, 2000.

[3] RUBIN, Miri, «Que é a História Cultural Hoje?» in Que É A História Hoje? David CANNADINE (coord), Lisboa, Gradiva, 2006, p 111.

[4] Ib, p. 112.

[5] Personagem central da obra «O Queijo e os Vermes», de Carlo Ginzburg.

[6] Ib, p. 112.

[7] Ib, p. 112.

[8] Método já adoptado pela «antropologia reflexiva» e «modernidade reflexiva» do antropólogo Clifford Geertz.

[9] Ib, p. 113.

[10] Também o antropo-sociólogo Marcel Mauss entendia que o homem devia ser analisado nas suas múltiplas dimensões, constituindo um «facto social total».

[11] Ib, p.118.

[12] Ib, p. 121. Informação de Miri confere com o trabalho iniciado pelo antropólogo britânico Bronislaw Malinowski, nas ilhas Trobriand, no Pacífico Sul, em 1914.

[13] Ib, 123.



Bibliografia:

RUBIN, Miri, «Que é a História Cultural Hoje?» in Que É A História Hoje? David CANNADINE (coord), Lisboa, Gradiva, 2006.

GINZBURG, Carlo, O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição, São Paulo, Companhia das Letras, 1987.

PALLARES-BURKE, Maria, As Muitas Faces da História. Nove Entrevistas. São Paulo, Editora UNESP, 2000.



Texto elaborado em colaboração com o meu grande amigo António Loureiro Bastos. Devo referir que a minha colaboração neste texto foi ínfima; resultado da divisão de tarefas que nos foram afectadas ao longo do semestre lectivo de 2009/2010.

Fundo da Santa Casa de Mesiricórdia de Lisboa


APRESENTAÇÃO DO FUNDO DA

SANTA CASA DE MESIRICÓRDIA DE LISBOA





1. História da Instituição [nota 1]

A primeira Misericórdia foi fundada em 15 de Agosto de 1498, em Lisboa, pela rainha D. Leonor, viúva de D. João II e irmã de D. Manuel, criando uma nova confraria orientada por princípios estabelecidos no Compromisso da Misericórdia.

A sede, instalada então numa das capelas da Sé de Lisboa (Capela de Nossa Senhora da Piedade ou da Terra Solta), passou em 1534 para a Igreja da Conceição Velha, mandada construir, para o efeito, por D. Manuel, ficando a irmandade e confraria sob título, nome e invocação da Virgem Maria da Misericórdia. Em 1499 fundaram-se as Misericórdias do Porto e de Évora. À data da morte de D. Leonor, em 1525, eram já sessenta e uma as Santas Casas da Misericórdia similares à de Lisboa, expandindo-se rapidamente por todo o território português, incluindo ilhas, bem como em todo o ultramar.

Inicialmente, os objectivos desta irmandade, aprovados pelo Rei D. Manuel I e depois confirmados pelo Papa Alexandre VI, visavam ajudar os doentes, alimentar os pobres e reabilitar os presos, e ainda, impulsionar a religião, estando “presente nas orações e na celebração de missas e procissões, nas cerimónias dos enterros, no acompanhamento de condenados à morte e na promoção da penitência” [nota 2].

Com o passar dos anos tiveram lugar várias reformas na estrutura da Misericórdia, com sucessivas atribuições e restrições de poderes, e após os anos oitenta, os estatutos da Misericórdia foram reformulados, produzindo efeitos na maior importância dada à família, na maternidade, na infância, aos menores desprotegidos, aos idosos, a situações sociais de carência e por fim aos cuidados de saúde primários e diferenciados.

Em Portugal há uma Misericórdia em praticamente cada sede concelhia. De assinalar o labor assistencial desenvolvido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), que tem a seu cargo a Lotaria Nacional, o Totobola e o Totoloto, legado concedido pela D. Maria I, em 1783 [nota 3].



2. História do Fundo da SCML

2.1. História do Fundo e História Custodial

Na sequência do terramoto de 1755, em Lisboa, e do incêndio que se seguiu, a SCML sofreu uma irremediável perda de património e documentação; motivo pela qual os documentos existentes no fundo, são na sua maioria datados de 1755 até ao momento [nota 4]. Após este flagelo iniciou-se a recuperação da documentação que não foi destruída [nota 5], e copiou-se fontes de elevado interesse e valor localizadas na Torre do Tombo; o que permitiu reorganizar o Cartório [nota 6].

Em 3 de Janeiro de 1842, devido à dificuldade em organizar e descrever toda a documentação do arquivo, foi aprovado em sessão da Comissão Administrativa, a nomeação de um responsável para monitorizar este trabalho (que já decorria há 87 anos), e resultou na publicação de dois “volumes de índices dos documentos avulsos do Cartório”. [nota 7].

Em 1852, evidenciando muitas carências de recursos financeiros e humanos, foi reforçado o investimento e as exigências pela administração da SCML, demonstrando um evidente interesse em preservar o seu património [nota 8]. No âmbito desta politica de preservação de documentação em risco de se perder para sempre, em 1890, por determinação da Mesa e com vista a salvar documentos mais antigos, foi agraciado o Dr. António Augusto de Carvalho Monteiro, pelo restauro e encadernação do compromisso manuscrito em pergaminho, datado de 1520 [nota 9]. Era uma forma de suprimir as dificuldades encontradas pela SCML em fazer face a tantas carências. Posteriormente a SCML adquiriu alguma documentação de elevado revelo para a instituição, através de oferta ou compra, de que são exemplo: o Compromisso impresso em 1516 e o Compromisso impresso em 1818 [nota 10].

Em 6 de Agosto de 1931, através do Inspector-geral das Bibliotecas Eruditas e Arquivos, foi referido o bom trabalho dos arquivistas da SCML, indicando porém, a necessidade de proceder a uma melhor e regular arrumação e catalogação de todo o recheio do arquivo [nota 11].

Actualmente, o arquivo da SCML está envolvido num processo de transferência de instalações, trabalha no sentido de melhorar a prestação de informação acerca dos documentos que possui no seu arquivo, documentação acondicionada em cerca de 3,5 Km de prateleiras [nota 12], composta, maioritariamente, por documentação do tipo “pergaminho, fotografia e registos sonoros.” [nota 13].

O fundo da SMCL, actualmente, localiza-se no Largo Trindade Coelho, em Lisboa (código postal 1200-470). Está dotado de um conjunto de acessibilidades facilitadores à sua visita e está disponível a todos os cidadãos, nacionais ou estrangeiros, desde que se façam acompanhar, aquando da visita ao fundo da SCML, do bilhete de identidade e sejam maiores de idade, pela lei portuguesa (= ou » 18 anos) [nota 14].

Ao analisar o «site» da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, verifica-se que esta está dotada de dois fundos [nota 15]. Um primeiro fundo, organizado por documentos produzidos através da actividade SCML, e um segundo fundo, constituído por documentação proveniente de instituições ou equipamentos que foram integrados na SCML. Porém, após uma reunião com o Director do Arquivo Histórico da SCML, Francisco D´Orey Manoel, concluiu-se que, os documentos provenientes de instituições anexadas constituem, formalmente, sub-fundos documentais do fundo da SCML, separados de forma propositada da documentação produzida pela SCML, e devem ser entendidos como um, de dois grandes núcleos, pertencentes ao fundo da SCML, ou seja, a SCML tem um fundo que se subdivide em dois núcleos: um primeiro, constituído por documentação interna da actividade da SCML, e um segundo, composto pela documentação de proveniência externa.

Segundo Francisco Manoel, dependendo das situações que levavam à anexação da documentação, quer por encerramento ou por transferência de competências de instituições ou entidades em favor da SCML, toda a documentação produzida pela SCML no âmbito das anexações é introduzida no seu núcleo interno e não no núcleo formado pela documentação externa à SCML. A razão deste modelo é somente o de não complexificar o núcleo da SCML.

Neste seguimento, o presente trabalho incide somente sobre o núcleo da informação interna da SCML, acto justificado por dois motivos: (i) o fundo é de grande dimensão e as limitações de espaço não o permitem descrever na totalidade; (ii) o segundo núcleo, constituído por informação proveniente de entidades e instituições que foram anexas, não tem informação nova, pode-se definir como um “arquivo morto”, pelo que o primeiro núcleo é o mais completo.


2.2. Organização do Núcleo da SCML

O núcleo da documentação interna da SCML obedece a uma hierarquização descendente: Secções (SC), Subsecções (SSC), Subsubsecções (SSSC), Séries (SR), e por fim, as Subséries (SSR), conforme imagem n.º 1. Não obstante, existem particularismos, tais como, a não existência de todos os “degraus” possíveis dentro de cada SC, por falta de informação adequada, de que é exemplo a SC, Constituição, organização e regulamentação (CR), que está fraccionada, exclusivamente, em SR e SSR.



Imagem n.º 1 – Estrutura Hierárquica do Núcleo da SCML [nota 16]



Devido à dimensão do núcleo da SCML, somente se trabalhará, especificamente, as SC, enumeradas a seguir [nota 17].

SC: Constituição, organização e regulamentação (CR)
SC: Órgãos da Administração (OA)
SC: Gestão Administrativa (GA)
SC: Gestão Financeira (GF)
SC: Gestão Patrimonial (GP)
SC: Gestão de Recursos Humanos (GRH)
SC: Igreja (IG)
SC: Assistência Pecuniária (AP)
SC: Assistência Médica (AM)
SC: Assistência Social (AS)
SC: Criação dos Expostos (CE)
SC: Recolhimento das Órfãs / Instituto de São Pedro de Alcântara (RO)
SC: Lar do Amparo (LA)
SC: Lotaria (LOT)


3. Análise das Secções pertencentes ao Núcleo da SCML [nota 18]

Para cada secção analisada pretende-se responder a cinco perguntas: (1) Tipologia Documental; (2) Datas Extremas; (3) Unidades de Instalação (caixas, maços, gavetas, livros, pastas e capilhas); (4) Dimensão do Fundo (em metros lineares – m.l.); (5) Língua dos Documentos [nota 19]. A informação que a seguinte se apresenta por secção possuir um elevado grau de pormenor o que a torna complexa. Assim, para facilitar a leitura das características do Fundo Histórico da SCML, colocou-se em anexo n.º 2, em forma de síntese, a mesma informação.


3.1. Constituição, Organização e Regulamentação (CR)

Nesta secção encontram-se:
Registos de privilégios e mercês, de documentos originais que concediam privilégios à Irmandade da Misericórdia, Hospital Real de Todos-os-Santos e Mesa dos Enjeitados, datados de 12-10-1500 a 25-10-1731.
Colecção de decretos, Avisos e Ordens, registos de diplomas originais e certidões, de 06-09-1528 a 19-07-1803.
Registo de Decretos, Avisos e Ordens, registos de diplomas emanados da chancelaria régia, de 19-07-1756 a 30-01-1828.
Registo de Avisos, Decretos e Consultas, de 28-04-1812 a 26-10-1835.
Registo de Portarias e mais Diplomas, de 11-11-1835 a 05-11-1930.
Registo de Consultas e representações, de 10-11-1835 a 31-10-1925.
A secção é constituída por 14 caixas, a que correspondem a 1,82 m.l., e 27 livros, a que correspondem a 1,42 m.l. Todos os documentos foram redigidos na língua portuguesa.


3.2. Órgãos da Administração (OA)

Na SSC Junta Grande (JG), da Assembleia, encontram-se:
Actas da Junta Grande, de 20-08-1756 a 09-02-1832; Admissão de Irmãos, de 11-04-1756 a 31-03-1833; Admissão de Irmãos, de 11-04-1756 a 31-03-1833; Livro do Segredo, de 09-04-1757 a 09-10-1777; Assento dos Irmãos, de 1708 a 15-04-1832; Termos e Eleições de Posse, de 03-07-1756 a 11-07-1831.
Na SSC Junta Pequena (JP), dos definidores, encontram-se:
Actas, de 06-05-1756 a 01-06-1801.
Na SSC Mesa/Administração (MS), encontram-se:
Assentos de mesa, de 16-11-1757 a 17-10-1837; Actas de comissão Administrativas, de 07-10-1840 a 17-12-1851; Actas da Mesa, de 30-12-1851 a 30-12-1991; Registo de Ordens de Mesa, 08-10-1760 a 18-08-1922; Resoluções transmitidas às Repartições (1ª, 2ª, 3ª e 4ª) e Director do Hospital dos Expostos e Recolhimento, de 1877 a 1911.
A secção é constituída por 459 livros, a que correspondem a 19,49 m.l., e 14 caixas, a que correspondem a 1,82 m.l. Todos os documentos foram redigidos em língua portuguesa.


3.3. Gestão Administrativa (GA)

Nesta secção encontram-se:
Registo de cartas, de 1754 a 1896; Registo de ofícios, de 1852 a 1922; Registo de correspondência com o Governo Civil, de 1846 a 1911; Copiadores de correspondência enviada, de 1860 a 1943; Correspondência reservada com o Ministro, de 1849 a 1853; Correspondência recebida, de 1754 a 1908; Livros de porta, de 1757 a 1966.
A secção é constituída por 20 caixas, a que correspondem a 3,4 m.l., e 324 livros, a que correspondem a 16,96 m.l. Todos os documentos foram redigidos em português.


3.4. Gestão Financeira (GF)

Nesta secção encontram-se:
Livros da Administração da Casa (em que são lançadas diversas despesas como ordenados, mesadas, cera, vestuário, esmolas, obras, etc.), de 21-10-1766 a 28-02-1914; Livros Caixa, de 1755 a 1963; Livros diário, de 1766 a 1950; Receita Interina, de 1766 a 1908; Auxiliar de despesa, de 1864 a 1908; Auxiliar de Caixa (papeis de crédito), de 1862 a 1934; Balanços, de 1804 a 1863; Resumo da receita e despesa, de 1861 a 1915; Receita e despesa dos géneros, de 1775 a 1884; Despesa de obras, de 1770 a 1911; Receita diversa, de séc. XVII (ainda em apuramento) a 1931; Documentos de despesa / Ordens de pagamento, de 1766 a 1975; Documentos de receita, de 1794 a 1975; Documentos de receita e despesa, séc. XVII (ainda em apuramento) a 1860; Consignações, de 1757 a 1929; Juros, de 1757 a 1939; Livros / Folhas de ordenados, de 1756 a 1968.
A secção é constituída por 1776 caixas, a que correspondem 269,58 m.l., 32 maços, a que correspondem 8,98 m.l., e 803 livros, a que correspondem 45,41 m.l. Todos os documentos estão redigidos em língua portuguesa.


3.5. Gestão Patrimonial (GP)

Nesta secção encontram-se:
Tombos das propriedades rústicas e prédios; Escrituras (registo de escrituras e originais ou certidões de escrituras celebradas entre a SCML e terceiros, de 1756 a 1865); Testamentos (registos de testamentos, certidões dos testamentos, verbas de testamento a favor da Santa Casa, livros de contas correntes das testamentarias, inventários, livros de despesas de legados, legados de novo aplicados, legados não cumpridos, legados de capelas e dotes); Sentenças; Posses; Assentos das Sepulturas na Igreja; Autos Civis, Arrematações, Desamortizações dos bens da Misericórdia e Expostos, de 1868 a 1904.
A secção é constituída por 171 livros, a que correspondem 5,81 m.l. Todos os documentos estão redigidos em língua portuguesa.


3.6. Gestão de Recursos Humanos (GRH)

Em termos macro, existe nesta secção:
Registos de provisões, de 10-10-1766 a 27-06-1912; Registo de provisões e licenças dos homens dos tumbas, de 20-02-1776 a 19-02-1827; Cartas régias / Nomeações, de 1850 a 1907; Livros de Ponto, de 1795 a 1988; Processos de funcionários (reformados ou que deixaram de exercer funções, finais do séc. XIX (ainda em apuramento) a 1996.
Esta SC tem um SSC, denominada Caixa de Aposentações do Pessoal da Misericórdia de Lisboa, que possui documentos relativos a Processos de contribuintes, de 1918 a 1943; Processos de pensionistas, de 1924 a 1927; Documentos de despesa, de 1938 a 1941; Guias de receita, de 1925 a 1926; Documentos de despesa e receita, de 1918 a 1948; Capitações, de 1920 a 1947; Livros caixa, de 1918 a 1944; Livro-diário, de 1918 a 1934; Livros Razão, de 1918 a 1936; Livros de registo de papeis de crédito, de 1925 a 1945.
A secção é constituída por 220 livros, a que correspondem 3,56 m.l. Todos os documentos estão redigidos em língua portuguesa.


3.7. Igreja (IG)

Na secção da Igreja (IG) existem os seguintes documentos:
Livros de Capela, de 1756 a 1908; Livros de Casamentos, de 1760 a 1870; Processos de Casamentos, de 1791 a 1911; Livros de Óbitos, de 1755 a 1882; pautas mensais dos Reverendos padre que dizem missa, de 1780 a 1799; Inventários da Igreja e capelas, de 1586 a 1932; Autênticas de relíquias, de 1560 a 1846.
A secção é constituída por 85 caixas, a que correspondem 11,13 m.l., 85 livos, a que correspondem 2,73 m.l., e 9 capilhas, a que correspondem 0,09 m.l. Todos os documentos estão redigidos em português.


3.8. Assistência Pecuniária (AP)

Esta secção é constituída pelos seguintes documentos, com registos de:
Subsídios de lactação, de 1870 a 1915; Subsídios de renda de casa, de 1876 a 1911; Termos das subvenções e auxílios concedidos aos expostos e tutelados, de 1890 a 1924; Subvenções, de expediente e diplomas; Esmolas Mensais, de 1898 a 1920; Livros de subsídios a estudantes e Instituições; Dotes a Órfãs do Recolhimento, de 1754 a 1799; Dotes a órfãs de Fora, de 1750 a 1753; Dotes às órfãs do Recolhimento e do Concurso, de 1800 a 1941; Dotes sem reformação, de 1755 a 1775; Dotes com reformação, de 1754 a 1799; Dotes de testamentarias, de 1734 a 1890; Despesa dos dotes, de 1755 a 1769; Subsídios às Puérperas do Hospital de S. José, de 1853 a 1862; Relação de subsídios concedidos, de 1902 a 1904; Relação de subsídios concedidos – subsídios diversos, de 1910 a 1913; Subsídios pagos indirectamente, de 1911 a 1922; Concursos de dotes a órfãs (processos), de 1756 a 1928; Pautas de Dotes, de 1761 a 1894; Pareceres das órfãs que requerem dote, de 1786 a 1924.
A secção é constituída por 125 caixas, a que correspondem 16, 25 m.l., e 488 livros, a que correspondem 30,01 m.l. [nota 20]. Todos os documentos estão redigidos em português.


3.9. Assistência Médica (AM)

Esta secção é constituída pelos seguintes documentos, com registos de:
Assentamentos das visitas, de 1744 a 1873; Herdeiras de visitadas, de 1851 a 1891; Antigos visitados, de 1876 a 1912; Livro dos visitados (visita de Santa Catarina, de 1756 a 1820; visita de Santa Cruz, de 1764 a 1813; visita de Nossa Senhora, de 1769 a 1811; outras visitadas, de 1664 a 1876); Registo de pagamento às visitadas: visitadas do Souto, de 1767 a 1921; visita de Nossa Senhora, de 1837 a 1876; visita de Santa Catarina, de 1837 a 1876; visita de Santa Cruz, de 1854 a 1876.
A secção é constituída por 12 caixas, a que correspondem 2 m.l., e 44 livros, a que correspondem 1,63 m.l. [nota 21]. Todos os documentos estão redigidos em português.


3.10. Assistência Social (AS)

Esta secção é constituída por uma subsecção, isolada, denominada Gestão Administrativa.
Á semelhança das duas secções anteriores (3.8 e 3.9) esta secção é pouco conhecida, ainda não foi inventariada na totalidade, e possui documentos que ainda não foram transferidos para as novas instalações. É constituída por documentos relativos aos apoios sociais, aos vários níveis, prestados pela SCML no período entre 1905 até 1975.
A secção é constituída por 6 caixas, a que correspondem 0,78 m.l., e 128 livros, a que correspondem 9,97 m.l. Todos os documentos estão redigidos em português.


3.11. Criação dos Expostos (CE)

Esta SC é a mais extensa de todo o fundo da SCML. Foi a SC menos afectada pelo incêndio, é a mais procurada pelas massas e por académicos, e constitui-se como a mais completa em termos de informação continua.
Em termos macro, esta SC tem um conjunto de documentos variados, tais como: Entrada dos Expostos, de 1657 a 1775; Entrada e Baptismo, de 1775 a 1992; Sinais de Entrada, de 1790 a 1926 [nota 22]; Matriculas das entradas dos expostos, de 1775 a 1789; Mapas dos expostos de aleitação, de 1865 a 1935; Exposições de Filhos de Mulheres Encobertas, de 1871 a 1924; Papeletas de matrícula, de 1870 a 1927; Livro de Pagamentos das amas, de 1751 a 1771; Conhecimento das Amas, de 1670 a 1775; Criação com Privilégio, de 1787 a 1804; Matrícula de Desamparados, de 1850-1942; Criação de Leite, de 1751 a 1775; Criação de Seco, de 1775 a 1786; Entregas a fidalgas, de 1778 a 1851; Matrícula das Crianças em Depósito, de 1877 a 1878; Matrículas dos Expostos dos Extintos Concelhos de Belém e Olivais, em 1886; Matrícula dos Expostos que se Entregam com Carta de Guia, de 1775 a 1777; Óbitos dos expostos, de 1854 a 1873; Admissão de Crianças, de 1907 a 1941; Registo de Amas da Casa da Roda, de 1713 a 1768; Inspecção às amas dos expostos, de 1875 a 1920; Registo de Exposições e Despachos, de 1882 a 1919; Registo de Exposições da Direcção dos Expostos, de 1915 a 1924; Registo de Ofícios da Direcção dos Expostos, de 1915-1924; Registo de Ofícios, de 1865 a 1915; Despesa das Amas, de 1636 a 1764; Despesa e Receita dos Expostos, de 1659 a 1663; Rendimentos dos Expostos, de 1639 a 1732.
A secção é constituída por 422 caixas, a que correspondem 59,52 m.l., 3 maços, a que correspondem 2,03 m.l., 71 gavetas, a que correspondem 14,2 m.l., e 1608 livros, a que correspondem 114,17 m.l. Todos os documentos estão redigidos em português.


3.12. Recolhimento das Órfãs / Instituto de São Pedro de Alcântara (RO)

Esta secção é constituída por vários géneros textuais:
Pedidos de recolhimento, 1757-1891; Órfãs recolhidas, de 1756 a 1916; Registo de entradas de órfãs, de 1824 a 1869; Conhecimento dos órfãs, de 1755 a 1768; Requerimento para dotes, 1893 a 1923; Registo de dotes concedidos, de 1750 a 1941; Concessão de Dotes (processos dos concursos), de 1755 a 1932; Recolhimento / Entrada de órfãs da testamentária de Manuel Rodrigues da Costa, de 1745 a 1827; Documentos de despesa do Recolhimento das órfãs, de 1791 a 1836; Livros de receita e despesa do Recolhimento, de 1664 a 1836. Ainda por organizar estão, entradas e saídas do recolhimento, notas semanais de educandas, notas de aplicação, concursos para admissão de crianças e certidões de exame. Documentação datada de 1965 a 1941.
A secção é constituída por 69 caixas, a que correspondem 9, 73 m.l., e 112 livros, a que correspondem, 3,02 m.l. Toda a documentação está redigida em português.


3.13. Lar do Amparo (LA)

Esta secção ainda não foi tratada e inventariada. Contudo aparenta ter bastante informação.


3.14. Lotaria (LOT)

Nesta secção podem se encontrar os seguintes documentos:
Correspondência, de 1935 a 1964; Copiadores de correspondência enviada, correspondência recebida, Registo de correspondência, de 1906 a 1966; Registo de ofícios da Comissão Administrativa das Lotarias, de 1893 a 1906; Extracções, de 1785 a 1962; Actas das extracções, de 1855 a 1955; Colecção de bilhetes, de 1900 a 1970; Registo de bilhetes subdivididos em cautelas, de 1871 a 1919; Índice de bilhetes, de 1944 a 1960; Colecção de listas, de 1839 a 1981; Colecção de planos, de 1851 a 1976, Expediente / planos, de 1787 a 1840; resumos dos planos das extracções, de 1939 a 1981; Pagamentos dos prémios, de 1785 a 1796; Prémios, de 1913 a 1971; Documentos de despesa e receita / Ordens de abono e pagamento, de 1807 a 1979, Guias de receita, Diário, Razão, Orçamentos, de 1910 a 1977; Caixa, de 1791 a 1974; Boletins de encomendas á tipografia, de 1811 a 1943; Diversos documentos antigos, ainda não listados, datados de 1798 a 1854.
A secção é constituída por 150 caixas, a que correspondem 25,5 m.l., 237 pastas, a que correspondem 13,83 m.l., e 1002 livros, a que correspondem 27,28 m.l. Toda a documentação está redigida em português.


NOTAS:
[1] Salvo informação em contrário, este tópico foi elaborado com recurso à informação consultada na página: http://www.scml.pt/default.asp?site=historia&sub=&layout, em 10NOV09.

[2] Acedido em: http://www.scml.pt/default.asp?site=historia&sub=&layout, consultado em 14NOV09.

[3] Maria Romão, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: 500 anos a fazer o bem (online).

[4] Inventário da Criação dos Expostos do Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia, Lisboa, SCML, 1998, p.XXIII.

[5] Quando se deu o incêndio, a documentação agora localizada na secção de Criação de Expostos (CE), não estava nas instalações da Misericórdia de Lisboa, mas antes, no Hospital dos Expostos, localizado nas instalações do Hospital de Todos-os-Santos, numa ala que não foi afectada, pelo que se preservou documentação desde 1657.

[6] Ib, p. XXIII.

[7] Ib, pp. XXIII-XXIV.

[8] Ib, p. XXIV.

[9] Ib, p. XXIV.

[10] Ib, pp. XXIV.XXV.

[11] Ib, pp. XXVI-XXVII.

[12] SCML em: http://www.scml.pt/default.asp?site=cultura&sub=arquivo&layout=pda, consultado em 14NOV09.

[13] SCML em: http://www.scml.pt/default.asp?site=cultura&sub=arquivo&id=1&mnu=1&layout, consultado em 11NOV09.

[14] SCML em http://www.scml.pt/default.asp?site=scml&sub=&ACT=24&id=0&dir=fXJnFjyXqYPE&cat=eFrV8q2R3gnr&mnu=&layout=, consultado em 13NOV09.

[15] SCML em: http://www.scml.pt/default.asp?site=cultura&sub=arquivo&id=1&mnu=1&layout, consultado em 11NOV09.

[16] Estrutura sintése elaborada com base na informação da obra, Inventário da Criação dos Expostos do Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia, op. cit, pp. 7-15.

[17] O anexo n.º1 descreve a estrutura do fundo da SCML e o anexo n.º 2 pormenoriza as suas características.

[18] Este ponto foi elaborado com base nas informações fornecidas pela Doutora Maria Luísa Guterres Barbosa Cólen (e-mail: Luísa.colen@scml.pt, tel: 213235738 (S. Roque) / 213901749 (S. Bento)), uma das responsáveis pelo fundo da SCML, a quem deixo um grande obrigado pela disponibilidade que demonstrou, nomeadamente em relação ao levantamento dos metros lineares (m.l.) por secção, algo que ainda não estava feito, e pela celeridade na resposta às questões que lhe foram colocadas. Anteriormente referiu-se que o Arquivo da SCML estava envolvido num processo de transferência de instalações. Como consequência o presente trabalho não está completo; só será enumerada a seguir a documentação que já transitou para as novas instalações, e dessa a que já foi tratada e inventariada (o que representa quase a totalidade). Neste ponto do trabalho foi adoptada uma metodologia pragmática: através do diálogo com responsáveis do fundo histórico, do contacto visual com a documentação (que resultou na recolha directa de informação), e da leitura de documentos que gentilmente foram cedidos enquanto permanência nas instalações do SCML. As normais citações de obras, nesta dinâmica de pragmatismo, deram lugar à recolha directa de informação no terreno, o que se julga ser uma mais-valia para o trabalho.

[19] Não obstante, existem secções que dispõem de poucas informações e outras que dispõem de muita informação, o que, segundo Francisco D´Orey Manoel, Director do Arquivo Histórico, isso depende da consulta a que cada secção está sujeita, já que por falta de tempo, os elementos da SCML vão trabalhando os documentos do arquivo pela ordem que são mais procurados para efeitos pessoais, profissionais ou académicos.

[20] Esta é uma das secções que ainda está a ser inventariada, perspectivando-se alterações de futuro.

[21] Em igual situação da secção anterior.

[22] Neste ponto, com carácter especial, teremos que adicionar outras formas de tipologia de documentação. A obra Expostos da Roda da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, pp. 9-12, refere que quando se procedia a entregas incógnitas de crianças na roda, geralmente estas eram acompanhadas de pequenos objectos que permitiam uma posterior identificação das crianças, por quem as entregava na roda á SCML. Assim, julga-se necessário referir todos os “sinais” que permitiam recuperar as crianças: um pequeno texto, uma medalha, uma fita de um tecido, uma carta de jogar, um desenho, uma foto, uma imagem e muitos fragmentos que eram completados quando tentassem recuperar a criança, como forma de provar a sua legitimidade.


4. Bibliografia

Expostos da Roda da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Lisboa, Museu de São Roque e Arquivo Histórico / Biblioteca da SCML, 2001.

Inventário da Criação dos Expostos do Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia, Lisboa, Fundação Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 1998.

Webgrafia

http://www.scml.pt/default.asp?site=cultura&sub=arquivo&id=1&mnu=1&layout, consultado em 11NOV09.

http://www.scml.pt/default.asp?site=cultura&sub=arquivo&layout=pda, consultado em 14NOV09.

http://www.scml.pt/default.asp?site=historia&sub=&layout, consultado em 10NOV09.

http://www.scml.pt/default.asp?site=scml&sub=&ACT=24&id=0&dir=fXJnFjyXqYPE&cat=eFrV8q2R3gnr&mnu=&layout=, consultado em 13NOV09.

ROMÃO, Maria, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: 500 anos a fazer o bem, Revista Acta Medica Misericordiæ [online], Vol. II, N.º II, acedido em: http://www.actamedica.org.br/noticia.asp?codigo=137&COD_MENU=86, consultado em 09NOV09.




5. Anexos

5.1. Anexo n.º 1 – Estrutura do Fundo da SCML

Núcleo: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
(documentação proveniente da actividade da SCML)


SC: Constituição, Organização e Regulamentação (CR)
SC: Órgãos da Administração (OA)
SSC: Junta Grande (JG)
SSC: Junta Pequena (JP)
SSC: Mesa / Administração (MS)
SC: Gestão Administrativa (GA)
SC: Gestão Financeira (GF)
SSC: Administração da Casa (AC)
SSC: Cofres (CO)
SSC: Despesa e Receita (DR)
SSC: Despesa (DP)
SSC: Receita (DC)
SSC: Rendimentos – casas e fazendas (RD)
SSC: Receita e Despesa de Legados (LG)
SSC: Empréstimos a Juros (EJ)
SC: Gestão Patrimonial (GP)
SC: Gestão de Recursos Humanos (GRH)
SSC: Caixa de Aposentações do Pessoal da Misericórdia de Lisboa
SC: Igreja (IG)
SSC: Casamentos e Óbitos (CO)
SSC: Missas e Sermões (MS)
SSC: Gestão Financeira da Igreja (FI)
SC: Assistência Pecuniária (AP)
SSC: Visitadas (VS)
SSC: Subvenções a Expostos e Tutelados (se)
SSC: Atribuição de Subsídios às mães para criação dos filhos (SM)
SSC: Esmolas Mensais (EM)
SSC: Subsídios a Estudantes (SES)
SSC: Subsídios para Rendas de Casas (SRC)
SSC: Subsídios a Instituições (SI)
SSC: Dotes a Órfãs (DO)
SSC: Contas de Subsídios Pagos (SP)
SC: Assistência Médica (AM)
SC: Assistência Social (AS)
SC: Criação dos Expostos (CE)
SSC: Mesa / Administração dos Enjeitados (ME)
SSC: Assuntos Jurídicos (AJ)
SSC: Entrada dos Expostos (EE)
SSC: Exposições (EX)
SSC: Entrega de Expostos a Amas (EA)
SSC: Entrega de Expostos aos Pais (EP)
SSC: Emancipação dos Expostos (EM)
SSC: Óbitos dos Expostos (O)
SSC: Movimento do Hospital dos Expostos (MH)
SSC: Registo de Amas (RA)
SSC: Inspecção às Amas dos Expostos (IA)
SSC: Gestão Administrativa (GA)
SSC: Gestão Financeira (GF)
SSC: Gestão Patrimonial (GP)
SC: Recolhimento das Órfãs / Instituto de São Pedro de Alcântara (RO)
SSC: Administração do Recolhimento (AR)
SSC: Entrada de Órfãs no Recolhimento (EO)
SSC: Gestão Financeira do Recolhimento
SSC: Ensino no Recolhimento (ER)
SC: Lar do Amparo (LA)
SC: Lotaria (LOT)


Outros Núcleos
(documentação proveniente de outras instituições, que foram anexadas à SCML)




SF: Associação das Creches - Asilos de Lisboa (ACAL)
SF: Colégio Araújo (CA)
SF: Comissão da Acção Social dos Bairros Municipais (CASBM)
SF: Cozinhas Económicas e Sopa dos Pobres (CESP)
SF: Creche Vítor Manuel (CVM)
SF: Escola Maternal da Ajuda (EMA)
SF: Escola Maternal do Alto do Pina (EMAP)
SF: Internato Infantil Dr. Afonso Costa (IIAC)
SF: Internato Infantil da Parede (IFP)
SF: Primeiro Semi-Internato (PSI)
SF: Provedoria dos Recolhimentos da Capital (PRC)
SF: Recolhimento da Rua da Rosa (RRR)
SF: Recolhimento do Calvário (RC)



5.2. Anexo n.º 2 – Análise sintética das Secções pertencentes ao Núcleo da SCML


SC: Constituição, organização e regulamentação (CR)
14 Caixas; 1,82 m.l.; 1767 - 1866
27 livros; 1,42 m.l.; 1528 - 1925

SC: Órgãos da Administração (OA)
SSC: JUNTA GRANDE
1 livro; 0,07 m.l.; 1756 – 1832

SSC: JUNTA PEQUENA
1 livro; 0,07 m.l.; 1756 – 1801

SSC: COMISSÃO ADMINISTRATIVA E MESA DA SCML
167 livros; 8,37 m.l.; 1757 – 1991
14 caixas; 1,82 m.l.; 1834-1959


SSC: ORDENS DE SERVIÇO e DELIBERAÇÕES DE MESA
290 livros; 10,98 m.l.; 1901 – 1987
SC: Gestão Administrativa (GA)
20 caixas; 3,4 m.l.; 1755 - 1917
324 livros; 16,96 m.l.; 1757 - 1979

SC: Gestão Financeira (GF)
SSC: ADMINISTRAÇÃO DA CASA
18 livros; 0,96 m.l.; 1781 – 1896

SSC: AQUISIÇÕES
68 caixas; 8,84 m.l.; 1927-1964
9 livros; 0,34 m.l.;1929-1942

SSC: COFRES
39 livros; 2,84 m.l.; 1750 – 1766

SSC: DESPESA E RECEITA
1708 caixas; 260,74 m.l.; 1766 - 1949
31 maços; 8,97 m.l.; 1894-1929
574 livros; 32,23 m.l.; 1756 - 1953

SSC: DESPESA
38 livros; 1,9 m.l.; 1769 - 1914

SSC: RECEITA
42 livros; 2,36 m.l.; 1745 – 1939

SSC: RENDIMENTOS – CASAS E FAZENDAS
60 livros; 3,55 m.l.; 1756 - 1853
1 maço; 0,01 m.l.; 1852


SSC: RECEITA E DESPESA DE LEGADOS
15 livros; 0,93 m.l.; 1762 - 1834

SSC: EMPRÉSTIMOS A JUROS
8 livros; 0,3 m.l.; 1769 - 1929

SC: Gestão Patrimonial (GP)
SSC: INVENTÁRIOS E CADASTROS
47 livros; 0,38 m.l.; 1601 – 1932

SSC: GESTÃO ADMINISTRATIVA
124 livros; 5,43 m.l.; 1930 - 1973

SC: Gestão de Recursos Humanos (GRH)
220 livros; 3,56 m.l.; 1766 - 1970
SC: Igreja (IG)
SSC: CASAMENTOS E ÓBITOS
83 caixas; 10,79 m.l.; 1791 – 1911
57 livros; 2,08 m.l.; 1755 - 1882

SSC: MISSAS E SERMÕES
2 caixas; 0,34 m.l.; 1864 – 1876
11 livros; 0,19 m.l.; 1756 - 1883

SSC: GESTÃO FINANCEIRA DA IGREJA
11 livros; 0,35 m.l.; 1600-1932
9 capilhas; 0,09 m.l.; 1698-1900

SSC: CAPELA DE S. JOÃO BAPTISTA
6 livros; 0,11 m.l.; 1761-1917
SC: Assistência Pecuniária (AP)
SSC: VISITADAS
62 livros; 2,25 m.l.; 1664-1921

SSC: SUBVENÇÕES A EXPOSTOS E TUTELADOS
1 caixa; 0,13 m.l.;
3 livros; 0,22 m.l.; 1896-1924

SSC: ATRIBUIÇÃO DE SUBSÍDIOS ÀS MÃES PARA CRIAÇÃO DOS FILHOS
349 livros; 23,3 m.l.; 1853-1926

SSC: ESMOLAS MENSAIS
3 livros; 0,13 m.l.; 1898-1920

SSC: SUBSÍDIOS PARA RENDAS DE CASAS
15 livros; 1,19 m.l.; 1876-1911

SSC: DOTES A ÓRFÃS
36 livros; 2,32 m.l.; 1734-1941
124 caixas; 16,12 m.l.; 1756-1932

SSC: CONTAS DE SUBSÍDIOS PAGOS
20 livros; 0,6 m.l.; 1855-1922


SC: Assistência Médica (AM)
SSC: POSTO DE SOCORROS MÉDICOS
12 caixas; 2 m.l.; 1907-1935
22 livros; 0,68 m.l.; 1907-1943

SSC: INSTITUTO MÉDICO CENTRAL
10 livros; 0,52 m.l.; 1935-1947

SSC: HOSPITAL INFANTIL DE S. ROQUE
1 livro; 0,02 m.l.; 1944-1956

SSC: DISPENSÁRIO POLICLÍNICO CENTRAL
4 livros; 0,15 m.l.; 1935-1965

SSC: GESTÃO ADMINISTRATIVA
1 livro; 0,03 m.l.; 1907-1922

SSC: GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS
6 livros; 0,23 m.l.; 1895-1935


SC: Assistência Social (AS)
SSC: GESTÃO ADMINISTRATIVA
6 caixas; 0,78 m.l.; 1905-1925
182 livros; 9,97 m.l.; 1943-1975

SC: Criação dos Expostos (CE)
SSC: MESA / ADMINISTRAÇÃO DOS ENJEITADOS
6 caixas; 0,78 m.l.;
1 livro; 0,04 m.l.; 1718-1767

SSC: ASSUNTOS JURÍDICOS
1 livro; 0,02 m.l.; 1731-1761

SSC: ENTRADA DOS EXPOSTOS
207 caixas; 32,01 m.l.; 1790-1912
243 livros; 18,83 m.l.; 1657-1992
3 maços; 2,03 m.l.; 1901-1935

SSC: EXPOSIÇÕES
53 caixas; 5,69 m.l.; 1870-1927
57 livros; 1,36 m.l.; 1870-1927

SSC: ENTREGA DE EXPOSTOS A AMAS
988 livros; 76,63 m.l.; 1670-1943

SSC: ENTREGA DE EXPOSTOS AOS PAIS
29 caixas; 3,77 m.l.; 1814-1933
15 livros; 0,81 m.l.; 1775-1941

SSC: EMANCIPAÇÃO DOS EXPOSTOS
4 livros; 0,18 m.l.; 1854-1895

SSC: ÓBITOS DOS EXPOSTOS
3 livros; 0,19 m.l.; 1854-1882

SSC: MOVIMENTO DO HOSPITAL DOS EXPOSTOS
50 caixas; 6,50 m.l.; 1778-1959
6 livros; 0,2 m.l.; 1785-1941

SSC: REGISTO DE AMAS
12 livros; 0,39 m.l.; 1713-1948
71 gavetas; 14,2 m.l.; 1851-1935

SSC: INSPECÇÃO ÀS AMAS DOS EXPOSTOS
12 caixas; 1,56 m.l.; 1874-1920

SSC: GESTÃO ADMINISTRATIVA
43 caixas; 5,59 m.l.; 1870-1924
100 livros; 2,95 m.l.; 1852-1924

SSC: GESTÃO FINANCEIRA
22 caixas; 3,62 m.l.;1824 -1851
181 livros; 12,66 m.l.; 1636-1938

SSC: GESTÃO PATRIMONIAL
7 livros; 0,27 m.l.; 1637-1934

SC: Recolhimento das Órfãs / Instituto de São Pedro de Alcântara (RO)
SSC: ADMINISTRAÇÃO DO RECOLHIMENTO
2 livros; 0,12 m.l.; 1587-1790

SSC: ENTRADA DE ÓRFÃS NO RECOLHIMENTO
44 caixas; 5,72 m.l.; 1796-1994
15 livros; 0,85 m.l.; 1618-1952


SSC: GESTÃO FINANCEIRA DO RECOLHIMENTO

19 caixas; 3,23 m.l.; 1791-1851
87 livros; 1,86 m.l.; 1609-1836

SSC: ENSINO NO RECOLHIMENTO
6 caixas; 0,78 m.l.; 1929-1943
8 livros; 0,19 m.l.;

SC: Lotaria (LOT)
SSC: EXTRACÇÕES E PAGAMENTO DE PRÉMIOS
800 livros; 14,53 m.l.; 1784-1955

SSC: GESTÃO FINANCEIRA
150 caixas; 25,5 m.l.; 1816-1932
131 livros; 9,68 m.l.; 1785-1978

SSC: PLANO DE JOGO
71 livros; 3,07 m.l.; 1784-1969

SSC: TIPOGRAFIA
237 pastas; 13,83 m.l.; 1863-1944

Juramento de Paris - reeditado

Trabalho realizado para a disciplina de Metodologia da História

ANÁLISE DE UMA FONTE


“Juramento de Paris” de D. Afonso, conde de Bolonha


O Juramento de Paris é um documento que, como o próprio nome indica, foi redigido na cidade de Paris, na casa do Cancelário Parisiense, no dia 6 de Setembro de 1245 [nota 1]. As razões pelas quais este “plenário” tão importante para o futuro de reino de Portugal não se realizou em Portugal mas sim em França, foram: no reino de Portugal não existia tanta liberdade para a realização da reunião porque existiam muitos apoiantes do governo de Sanches II, e também, pelo facto de o Conde de Bolonha (futuro Afonso III), casado com D. Matilde de Bolonha, residir em França [nota 2].


Os intervenientes foram muitos e dos mais variados sectores da sociedade, designadamente: Mestre João, Capelão do Papa e Deão da Igreja Carnotense (de Alenquer), Mestre Lucas, Deão e Mestre Pedro, Cancelário Parisiense, Pedro Garcia, Tesoureiro Bracarense, Sugério de Sugério, Cantor da cidade (cidade Rodrigo), Irmão Henrique Teutónico, Irmão Martinho de Valentim e Irmão Pedro Afonso Espanhol, da Ordem de São Domingos, Irmão Domingos Bracarense, da Ordem dos Menores, Rodrigo Gomes de Briteiros e Gomes Egeu, cavaleiros, Pedro Honório e Estêvão João, homens nobres, Camarários de Afonso e o Conde de Bolonha como principal protagonista desta reunião [nota 3].

Este documento surgiu na sequência de um mau estar generalizado no reino de Portugal, altura em que reinava Sancho II , considerado por A. H. de Oliveira Marques, “rei de fraca personalidade, acaso doente de espírito e impotente, mas, pelo menos, irresoluto e inconstante, contribuiu para o agravamento das tensões, o descalabro da autoridade central e a queda última do monarca.” [nota 4].

Contextualizando, D. Sancho II subiu ao poder muito novo e foi absorvido nas “teias” dos ricos-homens da antiga nobreza, que se aproveitaram da situação para alcançar poderes que até então lhe eram vedados, criando injustiça e instabilidade no reino, usando e abusando dos recursos da coroa, o que conduziu a confrontos com a pequena nobreza, com o clero, e com o povo [nota 5]. As relações entre o poder régio e a igreja foram enfraquecidas, e o Bispo português solicitou a destituição de D. Sancho II junto do Papa Inocêncio IV [nota 6]. Três meses depois após retirar o poder a Sancho II e realizou o supramencionado, Juramento de Paris [nota 7].

Este notável documento apresenta três grandes momentos. Primeiro, começa por descrever as pessoas presentes neste juramento, e afirma a legalidade do encontro através da participação do Arcebispo de Braga e representante do bispo de Coimbra, os representantes legais portugueses, enviados para o efeito e levando consigo o selo próprio que permitisse a validação do ponto de vista da lei [nota 8].

Com o terceiro parágrafo inicia-se um segundo momento em que o Conde de Bolonha vai fazer as suas “juras”; situação que se vai manter assim até ao antepenúltimo parágrafo, altura em que o papa procede às últimas palavras para finalizar o testamento [nota 9].

Durante todo o segundo momento, respeitante aos parágrafos de autoria do Conde de Bolonha, verifica-se a utilização frequentemente de três palavras: Juro, justiça e corrigir, que conferem uma submissão muito grande à igreja por parte do Conde Bolonha [nota 10]. O Conde de Bolonha prontifica-se a nomear juízes justos, sobre a sua responsabilidade, e a fazer inquirições anuais para apurar se estão a ser justos, punindo os que não respeitarem a lei; a punir quem aprisionar, açoitar, espoliar ou matar um clérigo; jura defender e preservar os locais de religião, de clérigos ou quaisquer religiosos bem como os seus direitos; jura defender as igrejas e mosteiros contra aqueles que perderam o direito de patronato; jura que expulsará do reino os excomungados que os bispos indicarem; jura retirar as honras e casas feitas de novo durante o reinado de Sancho II a quem as tenha adquirido em prejuízo para Igrejas, Mosteiros e outros Religiosos; jura ouvir o conselho de prelados antes de decidir a aplicação de punições a quem tenhas acções contra a igreja; jura não cobrar mais colectas do que recebia o seu irmão Sancho II; jura que fará justiça através da aplicação da lei sem discriminação e jura analisar e corrigir os erros cometidos contra o papado [nota 11].

A parte final deste segundo momento é o ponto alto do Conde de Bolonha em termos de submissão às ordens da igreja: submissão ao Papa ao jurar que será sempre obediente e dedicado à igreja de Roma e submissão/dependência aos Bispos portugueses, ao assumir que todos os assuntos respeitantes ao reino seriam tratados em conjunto com o conselho de Prelados [nota 12].

O terceiro momento [nota 13], de reduzida dimensão, começa com o conde D. Afonso a jurar que será leal ao documento e que cumprirá todas as suas promessas, salvaguardando os seus direitos e os direitos do reino português. Termina com a intervenção do Papa como forma de conclusão da redacção, colocando o seu selo, aceitando e legalizando o documento [nota 14].

O documento termina com a redacção com a data completa [nota 15].


NOTAS:

[1] Frei António Brandão, Quarta Parte da Monarquia Lusitana, Introdução de A. Da Silva Rego e Notas de A. Dias Farinha e Eduardo dos Santos, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1974, p. 177 (ed. facsimilada da edição de 1632).

[2] Simão Soriano, História da Guerra Civil e do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal: comprehendendo a história diplomática militar e política d'este reino desde 1777 até 1834, 1ª época, Tomo I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1866, p. 93.

[3] Frei António Brandão, op. cit., p. 175.

[4] A. H. de Oliveira Marques, História de Portugal, vol. I: Das origens ao renascimento, 12.ª edição, Lisboa, Palas, 1985, p. 88.

[5] Ibidem, pp. 88-89.

[6] Simão Soriano, op. cit., p. 93. O que viria a acontecer no Concílio de Lyon em Julho de 1245 através da bula papal Grandi Nom Immerito e sob a acusação de Rex Inutilis.

[7] Leontina Domingos Ventura, «Afonso III e o Desenvolvimento da Autoridade Régia» in Nova História de Portugal, dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, vol. III: Portugal em Definição de Fronteiras. Do Condado Portucalense à Crise do Século XIV, Lisboa, Presença, 1996, p. 123.

[8] Frei António Brandão, op. cit., p. 175.

[9] Ibidem, pp. 175-176.

[10] Ibidem, pp. 175-176.

[11] Ibidem, pp. 175-176.

[12] Ibidem, p. 176.

[13] Ibidem, p. 177.

[14] Ibidem, p. 177.

[15] Ibidem, p. 177.




FONTES E BIBLIOGRAFIA

Fontes Impressas

BRANDÃO, Frei António, Quarta Parte da Monarquia Lusitana, Introdução de A. Da Silva Rego e Notas de A. Dias Farinha e Eduardo dos Santos, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1974, pp. 175-177 (ed. facsimilada da edição de 1632).


Bibliografia Citada
MARQUES, A. H. de Oliveira, História de Portugal, vol. I: Das origens ao renascimento, 12.ª edição, Lisboa, Palas, 1985, pp. 88-89.

SORIANO, Simão, História da Guerra Civil e do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal: comprehendendo a história diplomática militar e política d'este reino desde 1777 até 1834, 1ª época, Tomo I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1866.

VENTURA, Leontina, «Afonso III e o Desenvolvimento da Autoridade Régia» in Nova História de Portugal, dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, vol. III: Portugal em Definição de Fronteiras. Do Condado Portucalense à Crise do Século XIV, Lisboa, Presença, 1996, pp. 123-144.

19/11/09

(1.ª Parte) RELATÓRIO DE UMA PEÇA EGIPCIA EM EXPOSIÇÃO NO MUSEU CALOUSTE GULBENKIAN

Trabalho realizado no âmbito da disciplina de História do Egipto Antigo leccionada pelo Sr.º Doutor Francisco Caramelo. Colocar um trabalho online dirigido por este professor é sempre um prazer. De facto, é um professor que exige muito mas está sempre, sempre, sempre, disponível para os seus alunos; o que nem sempre acontece na Universidade. É, de facto, um grande professor.
A seguir está a fotografia da capa do trabalho, seguida da citação da antecapa.
A seguir, numa nova entrada, está o resto do trabalho sob a forma de imagens porque tinha imensas formatações e demorava imenso tempo para colocar em texto online.







“ (…) tant de beauté, de civilisation.” *



* Registo de Calouste Sarkis Gulbenkian aquando da viagem que fez ao Egipto, em 1934. (ASSAM, 1991:27).




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(2.ª Parte) RELATÓRIO DE UMA PEÇA EGIPCIA EM EXPOSIÇÃO NO MUSEU CALOUSTE GULBENKIAN

Com referido na entrada anterior, o relatório vai ser inserido a seguir sob a forma de imagem. Não obstante, está inserido na totalidade.



































29/10/09

História de Portugal Contemporâneo (séc. XIX) - CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1822 Vs CARTA CONSTITUCIONAL DE 1826



*Fonte: Imagens retiradas do site do Parlamento Português http://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/AMonarquiaConstitucional.aspx, em 19DEZ09.

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“Lembrando-se os portugueses que são de raça francesa como descendentes que conquistaram este belo país aos mouros em 1147, e que devem à França sua mãe pátria o benefício da independência, que recobraram como Nação em 1640, solícitos recorrem, cheios de respeito, à paternal protecção, que o maior dos monarcas há por bem outorgar-lhes (…).”

Fonte: Introdução da súplica dirigida a Napoleão pela Junta dos Três Estados em 24.05.1807 (Hespanha, 2008:85)


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Índice

1. Introdução
2. Período Temporal de Vigência e Afinidades
3. Análise da Estrutura Formal dos dois textos Constitucionais (1822 e 1826)
4. Constituição de 1822 Versus Carta Constitucional de 1826
5. Deputada Maria Helena Carvalho dos Santos: Análise dos textos constitucionais
5.1. O Território
5.2. A Separação de Poderes
5.3. O Rei
-5.4. A Religião de Estado
5.5. A Questão da Propriedade
5.6. A Independência do Brasil
5.7. A Questão das Duas Câmaras
5.8. Dos Cidadãos
6. Síntese Final
7. Bibliografia


1. Introdução

O primeiro momento em que se levantou a ideia de uma reforma constitucional, em Portugal, foi em 1786, através do discurso promovido em torno do Projecto do Novo Código e do livro que resultou deste projecto, intitulado, Livro do Direito Público de Portugal. (Hespana, 2008:81).

No inicio do século XIX, através das invasões francesas, implanta-se em Portugal uma crescente apologia que defende à força a existência de uma assembleia parlamentar, como órgão de representação nacional, em detrimento das cortes tradicionais, que representavam as três Ordens do Reino: Nobreza, Clero e Povo. (Neves, 2008). Neste conturbado ambiente emerge a primeira referência a umas cortes constitucionais, através do tanoeiro José Abreu Campos (representante do povo à Junta dos Três Estados), que apresenta a Napoleão um pedido para outorgar uma constituição, através da chamada súplica de Constituição de 1808. (Praça, 1894; Hespana, 2004).

Podia pensar-se que a chegada dos franceses e a partida do Rei D. João VI para o Brasil poderia estagnar os ideais políticos. Porém, um conjunto de portugueses apoiantes da Revolução francesa, claramente inclinados para princípios liberais, fizeram das circunstâncias uma arma contra o absolutismo monárquico, como se observa em Hespana (2008:80):
“A partida do rei e da corte para o Brasil não congelou os assuntos políticos em Portugal. Pelo contrário, a ausência do rei, a entrega do governo a uma Junta menos legitimada, as invasões francesas e a influência das ideias liberais vindas da Europa, veiculadas, nomeadamente pelas lojas maçónicas, provocaram uma efervescência política de que Junot [general líder da revolução] se deu conta e que tentou explorar a favor dos interesses da França, apesar de tudo portadora do facho da Revolução. É neste ambiente que se insere o pedido a Napoleão de uma constituição para Portugal, bem como as movimentações, autónomas ou promovidas pelos ocupantes, de elites politicas como a do envio de uma embaixada “representativa” ao Imperador, que aqui se descreve (…)”.

Após Portugal se libertar das tropas francesas [nota 1], iniciou-se um movimento liderado pelo General Gomes Freire de Andrade [nota 2], com vista a afastar os ingleses do controlo militar de Portugal [nota 3]; mas sem sucesso, pois seria preso, julgado e enforcado como traidor da pátria, e o poder da Regência foi entregue a Lord Beresford, comandante-chefe britânico do aparelho militar português.

Em 1820, face à situação conjuntural portuguesa (crise comercial e domínio inglês) inicia-se a denominada Revolução Liberal do Porto que rapidamente se expande a todo o território português, inclusive a Lisboa.

O quadro das rebeliões foi fundamental para as aspirações liberais. Nesta sequência foram criadas as Cortes Gerais e extraordinárias da Nação Portuguesa, para elaborar e aprovar uma constituição. Os trabalhos para atingir esse fim decorreram entre 24 de Janeiro de 1821 e 4 de Novembro de 1822 e culminaram com a Constituição Portuguesa de 1822. Enquanto os trabalhos estavam a decorrer foi adoptada uma Constituição provisória, que seguia o modelo espanhol e muito inovadora para o que se conhecia em Portugal até esse momento. (Hespana, 2008). A corte portuguesa em prol da nova constituição teve de retornar a Portugal, à excepção de D. Pedro, futuro D. Pedro IV, que ficou como Príncipe Regente do Brasil. (Marques e Serrão, 1991).

O Rei D. João VI jurou a nova Constituição de 1822, e após a sua morte, em 1826, D. Pedro IV, outorgou a Carta Constitucional, em tudo igual à constituição brasileira de 1824, que ele mesmo tinha redigido. (Marques e Serrão, 1991).
É sobre estes dois documentos que recairá o trabalho que a seguir se apresenta, com uma estrutura muito simples, que visa estabelecer comparações e indagar possibilidades de análise fundamentadas em bibliografia cuidadosamente seleccionada.

Para a realização do trabalho adoptaram-se metodologias qualitativas e quantitativas, numa perspectiva avaliativa e crítica. (Vala, 1986). Do ponto de vista quantitativo, foi considerado o volume de trabalho produzido por nomes que se destacam no estudo da História Politica Contemporânea, e documentado na diversa bibliografia. Do ponto de vista qualitativo, foi dado primazia ao diálogo, particularmente com colegas de curso, o que permitiu coordenar ideias, estabelecer relações e colocar interrogações à informação recolhida na diversa bibliografia.

2. Período Temporal de Vigência e Afinidades

A Constituição de 1822 foi elaborada e votada por uma assembleia constituinte em 23 de Setembro de 1822. Contudo, para se perceber o tema é necessário recuar até às Cortes Geraes e extraordinárias da Nação Portuguesa, também designadas de Soberano Congresso, conhecidas vulgarmente por Cortes Constituintes de 1820, que representam as raízes históricas do primeiro parlamento português, criado na sequência da revolução Liberal do Porto [nota 4], para elaborar e aprovar uma constituição liberal para Portugal (Canotilho, 1998), trabalhando no texto da Constituição de 1822 entre 24 de Janeiro de 1821 e 4 de Novembro de 1822, altura em que são encerrados os trabalhos constituintes. (AR, 2009:online).

A 4 de Março de 1821 foram aprovadas as Bases da que viria a ser a Constituição Liberal portuguesa de 1822, divididas em duas secções: a primeira secção [nota 5] abordava questões no âmbito dos direitos humanos e a segunda secção definia as bases políticas e constitucionais da futura organização do estado liberal. (Canotilho, 1993 e 1998).

As bases da Constituição de 1821, apesar de não serem uma constituição propriamente dita, foram provisoriamente utilizadas como tal e serviu de guia ao trabalho dos constituintes. Tem algumas características que merecem destaque: Paralelismo com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; primeiro limite do poder constituinte; as leis do País seriam substituídas por um novo pacto social e procura conferir legitimidade ao regime revolucionário da Monarquia Constitucional.

Este percurso leva-nos ao dia 23 de Setembro de 1822 e à aprovação da Constituição portuguesa de 1822, muito mais extensa (mais de 200 capítulos) do que as bases que lhe estiveram subjacentes e que foram referidas anteriormente. (Marques, 1991).

Para fazer frente a rebeliões, em reunião de cortes ordinárias, no final de 1822 e início de 1823, aprovou-se a constituição de uma Guarda Nacional, que viriam a ser criadas em Março de 1823 [nota 6].

Em 2 de Junho de 1823 reúnem-se as Cortes do vintismo, pela última vez, e dois dias depois é assinada pelo Rei uma carta de lei que apela à reforma da constituição, ou seja, decreta o fim da vigência da constituição por ocasião da Vilafrancada [nota 7]. Posteriormente as cortes são realizadas de forma tradicional, como o haviam sendo feitas antes da constituição de 1822. (Pimentel, 1893; AR, 2009:online).

A Constituição de 1822 teria ainda, na sequência da revolução do Setembrismo, em 1836, uma curta e quase simbólica segunda vigência, de 10 de Setembro de 1836 a 4 de Abril de 1838, data do juramento da Constituição de 1838. (Marques, 1991).

Segundo Alexandre Herculano foram os dois períodos mais ricos em produção de legislação para liquidar o Portugal Velho, ainda que efémeros, revogando inúmeros velhos privilégios feudais característicos do regime absolutista.

A sua elaboração foi inspirada na Constituição Espanhola de Cádis, datada de 1812, bem como nas Constituições Francesas de 1791, 1793 e 1795, e fez seus os ideais da Revolução Francesa. (UI, 2007:online).

A Carta Constitucional de 1826, outorgada por D. Pedro IV, em 29 de Abril de 1826, enquanto este ainda estava no Brasil, aproveita o texto da Constituição Brasileira de 1824. (AR, 2009:online).
Foi a segunda Constituição Portuguesa e teve o nome de Carta Constitucional por ter sido outorgada pelo rei D. Pedro IV (D. Pedro I do Brasil), ao contrário do que sucederá com a Constituição de 1822, que foi elaborada e votada por Cortes constituintes eleitas pelos Portugueses. (UI, 2007:online). Segundo Ribeiro (2006:online), a Carta Constitucional vigorou durante três períodos temporais distintos:
a) “O primeiro entre Julho de 1826 e Maio de 1828, data em que D. Miguel convocou os três Estados do Reino, que o aclamaram rei e decretaram nula a Carta Constitucional;
b) O segundo iniciou-se em Agosto de 1834, com a vitória do Partido Liberal na Guerra Civil e a saída do país de D. Miguel, e termina com a revolução de Setembro de 1836, que proclama de novo a Constituição de 1822 até se elaborar nova Constituição, o que sucedeu em 1838;
c) O terceiro período começa com o golpe de Estado de Costa Cabral, em Janeiro de 1842, e só termina em 1910, com a República. Durante este último período sofreu três revisões profundas, em 1852, 1885 e 1896”.

A Carta Constitucional foi elaborada com base na Constituição de 1822, na Constituição Brasileira de 1824, na Carta Constitucional outorgada por Luís XVIII de França em 1814 e nas ideias de Benjamim Constant. (Santos, 1988; Santos, 1989; Ribeiro, 2006). Esta integra-se na corrente europeia decorrente da derrota napoleónica a favor da monarquia limitada, segundo o paradigma britânico de duas câmaras. O Rei, considerado por direito próprio representante da nação, outorgara a Carta, reservando-se poder supremo, o chamado poder moderador. (Santos, 1988).

3. Análise da Estrutura Formal dos dois textos Constitucionais (1822 e 1826)

Para iniciar este ponto do trabalho devo fazer referência ao trabalho da actual Deputada Socialista, Maria Helena Carvalho dos Santos, no volume II da sua tese de doutoramento, intitulada, A 2º Experiência Constitucional Portuguesa, 1826 — 1828, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL), em 1988. Nesse trabalho, a autora estuda a constituição portuguesa de 1822, a brasileira de 1824 e a Carta Constitucional de 1826. Demonstra uma excelente visão crítica e ilustra bem as valências, semelhanças e diferenças dos documentos referidos, nomeadamente no aspecto estrutural/formal que é o que se pretende neste ponto do trabalho.

Embora para o texto que agora se está a produzir as directrizes não envolvessem a constituição brasileira de 1824, procedeu-se a uma análise cuidada, mas ligeira da mesma, uma vez que se relaciona directamente e apresenta muitas semelhanças do ponto de vista formal com os documentos alvo de estudo, principalmente com a Constituição Brasileira, que se pode considerar a “mãe” da Carta Constitucional portuguesa de 1826, como se pode observar na citação a seguir extraída de Santos (1988:268-269):
No aspecto formal, quase se correspondem os grandes títulos das três Constituições – a portuguesa de 1822, a brasileira de 1824 e a Carta Constitucional de 1826 – e é semelhante a sequência da sua articulação temática, embora neste aspecto se verifiquem algumas diferenças significativas.
A grande diferença verifica-se entre a Constituição de 1822 e as outras duas no TITULO I daquela, cujos conceitos encontraram correspondência no TITULO II tanto da Constituição brasileira como da Carta de 1826. Isto é, os artigos 1 a 19 da primeira constituição portuguesa correspondem aos Artigos 139 a 145 da Carta Constitucional e aos Artigos 173 a 179 (com 35 parágrafos) da Constituição brasileira.
Trata-se “Dos Direitos e Deveres Individuais dos Portugueses” na Constituição de 1822, e “Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos”, portugueses ou brasileiros nos outros textos.
Poderemos dizer que todos os outros preceitos apresentam a ordem da Constituição de 1822, com pequenos arranjos que houve a necessidade ou o propósito de alterar, como que criando uma diferente interdependência entre eles.”


Segundo a autora é no conteúdo informativo e na intenção dos artigos que não existe coincidência, já que, “ (…) apesar de versarem as mesmas matérias, se afastam nas propostas políticas e isto especialmente se cotejarmos a Constituição de 1822 com as duas Constituições outorgadas”. (Santos, 1988:269).

Estruturalmente a Constituição de 1822 aproxima-se do esquema da Constituição de Cádis, foi subscrita por 141 deputados (da ideologia vintista), entre os quais por Manuel Fernandes Tomás, e está dividida em seis títulos e 240 artigos. Segundo (Amaral, 2000-2009a:online), os seis títulos têm os seguintes conteúdos:
“Título I contêm uma autêntica declaração de direitos. No Título II afirma-se que a soberania reside essencialmente na Nação. Aparece também consignado o princípio de separação dos poderes. O Título III que trata do poder legislativo, faz a consagração do princípio de uma única câmara, eleita bienalmente por sufrágio directo e universal, com exclusão das mulheres, dos analfabetos e dos frades. O Título IV dedica um capítulo ao Reino Unido (o Brasil), que haverá uma declaração do poder executivo, no Brasil. Consagrava-se o princípio de larga autonomia política e administrativa para o Brasil, com o qual se estabelecia uma União Real. O Título V trata do poder judicial. O Título VI e último ocupa-se do governo administrativo e económico”.

A Carta Constitucional apesar de ser um documento de génese liberal afastou-se muito do espírito democrático da Constituição de 1822, que realmente provocou uma ruptura com o antecedente; não errando se disser que era demasiado evoluída para a mentalidade de Portugal naquele período histórico. A Carta é constituída por oito títulos e 145 artigos (AR, 2009:online), julga-se que o seu autor tenha sido José Joaquim Carneiro de Campos, e é constituída por oito títulos, que segundo Amaral (2000-2009b:online) são:
“Titulo I, do reino de Portugal, Algarves e seus domínios; Titulo II, Dos cidadãos portugueses; Titulo III, Dos poderes e representação nacional; Titulo IV, do Poder Legislativo; Titulo V, do Rei; Titulo VI, do Poder Judicial; Titulo VII, da Administração e economia das províncias; Titulo VIII, das disposições gerais, e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos portugueses”.

A Carta Constitucional ao longo do tempo foi alvo de acrescentos que resultavam de conflitos políticos, quase sempre entre os opostos do arco político: esquerda e a direita. O primeiro Acto Adicional foi em 5 de Julho de 1852, seguiu-se o segundo Acto Adicional em 24 de Julho de 1885, o terceiro Acto Adicional de 1895-1896, e por fim, quarto e último Acto Adicional, de 23 de Dezembro de 1907. (Santos, 1988; Amaral, 2000-2009b:online). As alterações que a Carta Constitucional sofreu através dos designados Actos Adicionais implicaram mudanças ao nível parlamentar. (AR, 2009:online).

4. Constituição de 1822 Versus Carta Constitucional de 1826

Inicio este ponto com uma citação da página da internet da Universidade Internacional: “Kant dizia que a monarquia favorece as guerras porque as decisões são tomadas independentemente de afectarem o povo ou não. (…) Para Carlos XII (no fim do séc. XVII) a guerra era o “desporto preferido de qualquer rei” já que não o afectava directamente”, continua o autor, “com a ideia de estado representativo surge uma nova forma de encarar a relação entre poder político e súbditos cidadãos”. (UI, 2007:online).

De facto, a Constituição de 1822 consagrou os direitos e deveres individuais de todos os cidadãos portugueses, dando ênfase aos direitos humanos, nomeadamente, a garantia de liberdade, de igualdade perante a lei, de segurança e de propriedade. Outra grande novidade, é a consagração da Nação, união de todos os portugueses, como base na soberania nacional, a ser exercida pelos representantes legalmente eleitos, os deputados, responsáveis pela actividade legislativa do país e pela autoridade da nação, em detrimento da autoridade régia e da representação de todos os portugueses pela figura do monarca. Ao clero e à nobreza, esta Constituição fica marcada pelo não reconhecimento de qualquer prerrogativa.

O aspecto mais marcante deste documento será, porventura, a existência como forma de Governo de uma Monarquia Constitucional com os poderes do Rei reduzidos, bem como a independência total dos três poderes políticos: legislativo, executivo e judicial, o que contrariava os princípios básicos do absolutismo que concentrava os três poderes na figura do rei.

O poder legislativo passou a ser da competência das Cortes, formadas por uma só câmara, eleita por um período de dois anos, por sufrágio directo, secreto e sem carácter universal. Os deputados eram eleitos de dois em dois anos pela Nação. (AR, 2009:online). A iniciativa de lei pertencia em exclusivo aos deputados, através de projectos de lei, podendo, no entanto, os Secretários de Estado apresentar propostas de lei que, depois de examinadas por uma comissão das Cortes, poderiam ser convertidas em projectos de lei. (AR, 2009:online).

O poder executivo era exercido pelo Rei, competindo-lhe a chefia do Governo (secretários de Estado), a execução das leis e a nomeação e demissão dos funcionários do Estado, capacidade de nomear os chefes das Forças Armadas, dirigir conversações diplomáticas com potências estrangeiras e declarar a paz ou a guerra. No entanto, o Rei tinha apenas veto suspensivo sobre as Cortes, podendo suspender a promulgação das leis de que discordava, mas sendo obrigado a promulgá-las desde que as Cortes assim o voltassem a deliberar. Na sua relação com o poder legislativo não era concedido ao rei o poder de suspender ou dissolver as Cortes (parlamento). (AR, 2009:online).

Ao nível do poder executivo e por criação da Constituição de 1822, o rei disponha de um Conselho de Estado que o aconselhava em negócios considerados graves para a Nação, cujos membros eram eleitos pelas Cortes. O Conselho de Estado era constituído por treze conselheiros, e o rei somente podia escolher directamente um conselheiro. O cargo não é permanente e podia ser alterada quando necessário. Apesar de tudo, a sua pessoa do rei era considerada inviolável. (AR, 2009:online).

O poder judicial pertencia, exclusivamente, aos juízes, que o exerciam nos Tribunais. Nem o Rei, nem os Secretários de Estado, nem os Deputados, podiam interferir nas decisões dos magistrados. (Amaral, 2000-2009a:online).

Quanto ao corpo eleitoral, e de acordo com o artigo 34.º da Constituição, podiam votar, para eleger os representantes da Nação (deputados), os cidadãos portugueses maiores de 25 anos, que soubessem ler e escrever, e os maiores de 20 anos sendo casados, oficiais militares, bacharéis formados ou clérigos de ordens sacras com domicílio ou pelo menos um ano de residência no concelho onde se fizer a eleição. Tratava-se, pois, de um sufrágio universal e directo, de que, no entanto, estavam excluídos de votar os “ (...) filhos de famílias que estiveram em poder e companhia de seus pais, os criados de servir, os vadios e os regulares, entre os quais não se compreendem os das ordens militares nem os secularizados” (Santos, 1989:127), bem como as mulheres, os analfabetos e os frades. (AR, 2009:online).

O Brasil era muito importante para D. João VI; nunca deixou de acreditar numa União Real entre o Reino de Portugal e o Reino do Brasil. Assim, a definição do território da Nação comportava: o Continente, Ilhas Adjacentes, Reino do Brasil e Colónias na África, Ásia e Oceânia. (Amaral, 2000-2009a:online).

A Carta Constitucional de 1826 é uma concessão régia, que não só não afirma o princípio da soberania popular ao contrário da Constituição de 1822, como concede ao rei um importante papel na ordenação constitucional. (Amaral, 2000-2009b:online).

À semelhança da Constituição de 1822 a Carta enumera os direitos dos cidadãos, destacando-se o direito de liberdade de expressão, oral e escrita, o direito de segurança pelo qual ninguém pode ser preso sem culpa formada, e o direito de propriedade. Mas não indica quaisquer deveres, o que é bastante significativo. (AR, 2009:online).

O argumento mais significativo deste documento é a criação de mais um poder, o moderador, que se junta aos já existentes: ao poder legislativo, executivo e judicial.

O poder moderador, o mais importante, pertence exclusivamente ao rei, que zela pelo equilíbrio dos outros três poderes e não está sujeito a responsabilidade alguma. No exercício do poder moderador, o rei passa a ter o poder de dissolver a Câmara dos Deputados. O poder executivo continua a pertencer ao rei, que o exercita através dos seus ministros.
Ao nível do poder judicial a situação mantém-se em relação à Constituição de 1822. Este continua independente e assenta no sistema de juízes e jurados.

No poder legislativo reside a maior perda dos liberais. Este poder continua a pertencer às Cortes mas a Carta Constitucional atribui ao Rei um poder de veto efectivo, de sanção real, com efeito absoluto. Isto é uma consequência da adopção, pela Carta Constitucional da Teoria dos quatros poderes, já que o poder moderador, neutro, pertencia ao rei enquanto “Chefe Supremo da Nação”. (AR, 2009:online; Amaral, 2000-2009b:online). É criado um sistema bicameralista para as Cortes gerais: a câmara dos Deputados, como segunda câmara, passa a ser eleita por sufrágio indirecto e censitário [nota 8], e a Câmara dos Pares, como primeira câmara, é constituída por membros vitalícios, nomeados pelo rei e sem número fixo, sendo os lugares hereditários. Podiam acrescer Pares por direito próprio, em virtude do nascimento ou do cargo. (AR, 2009:online). Agravando a perda dos liberais, verifica-se que a iniciativa legislativa, o direito a fazer propostas, pertencia indiferentemente às duas Câmaras ou ao poder executivo, ainda que indirectamente, ou seja, caso a Câmara dos Deputados fizesse uma Lei que o Rei rejeitasse, essa podia ser reformulada de acordo com os interesses régios na outra câmara, a Câmara dos Pares.

O período da legislatura passou para quatro anos, tendo a sessão legislativa a duração de três meses prorrogáveis pelo Rei. (AR, 2009:online).

Ao nível das eleições a Carta Constitucional é muito mais restritiva. Para se poder ser deputado era necessário ser um cidadão com uma renda mínima de quatrocentos mil réis, e para ser Eleitor de Província era necessária uma renda mínima de duzentos mil réis. (Amaral, 2000-2009b:online).

5. Deputada Maria Helena Carvalho dos Santos: Análise dos textos constitucionais


Já anteriormente se tinha referido o trabalho da actual Deputada Socialista, Maria Helena Carvalho dos Santos, no âmbito da comparação da forma e da estrutura da Constituição de 1822 e da Carta Constitucional de 1826, tendo ainda sido analisada por arrasto a Constituição Brasileira de 1824, em prol dessa ser trabalhada pela autora no mesmo trabalho, e por ter sido a base da constituição portuguesa de 1826. Agora, com base nesse trabalho, faz-se a seguir a análise das divergências que a autora encontrou entre os três documentos institucionais.
Optou-se por esta metodologia porque a autora com base em informação proveniente da época, faz uma análise que não é muito comum em história; passa a ideia que tenta indagar razões, motivos, condicionantes, perspectiva de resultados com base em argumentos que considera válidos. É verdade que a história é feita de testemunhos, mas parece muito bem a visão da Deputada Maria Carvalho Helena dos Santos. Não obstante, introduzir-se-á informação proveniente de outros autores no sentido de acreditar o trabalho agora desenvolvido e dotá-lo da maior consistência possível.
As grandes questões seleccionadas para esta análise comparativa são: Território, Separação de Poderes, Rei, religião de Estado, Questão da Propriedade, Independência do Brasil, Questão das Duas Câmaras, e os Cidadãos.


5.1. O Território

Neste tópico destaca-se a alteração em relação à constituição do território:

A Nação portuguesa era “a união de todos os portugueses de ambos os hemisférios” no art.º 20 da Constituição de 1822 e o seu território era formado pelo “reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves”.

Em 1826, a Lei Fundamental apenas deveria consignar: “O seu território forma o Reino de Portugal e Algarves” porque no dia 29 de Agosto de 1825, através do Tratado de Paz e Aliança, Portugal oficializou o reconhecimento da Independência do Brasil. Todavia, existia uma ideia estática de sociedade e de Império, que é claramente visível no art.º 3 da Carta constitucional quando se diz: “A Nação não renuncia o direito, que tenha a qualquer porção de Território nestas três partes, não compreendida no antecedente Artigo”. Está a referir-se directamente à Europa, Ásia e África, e indirectamente ao Brasil, deixando em aberto a possibilidade da tão desejada União Real, entre a coroa do Brasil e a coroa de Portugal.
São várias as situações onde é perceptível o desejo da união das coroas por D. João VI. Destaco, a título de exemplo, quando D. João VI definiu um valor para reconhecer a Independência ao Brasil, tinha como principal condição a conservação do Título de Imperador do Brasil. Terá perecido a pensar que a União Real era exequível.

5.2. A Separação de Poderes

O art.º 4 da Carta de 1826 consigna: “O seu Governo é Monárquico, Hereditário e Representativo” o que corresponde ao art.º 29 da Constituição de 1822 que tinha a seguinte redacção: “O Governo da Nação Portuguesa é a Monarquia Constitucional hereditária, com leis fundamentais, que regulam o exercício dos três poderes políticos.”

A Constituição de 1822 afirmava-se pela doutrina rígida da separação dos poderes, enquanto a Carta Constitucional tomava uma opção dupla, entre a separação dos Corpos Políticos e o PODER MODERADOR, que introduzia no seu art.º 71, consignando: “O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e compete privativamente ao Rei, como Chefe supremo da Nação, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos.”

5.3. O Rei

Era apenas no art.º 27 que pela primeira vez a Constituição de 1822 fazia referência ao Rei, lembrando-o pela negativa, quando consignava: “A Nação é livre e independente, e não pode ser património de ninguém. A ela somente pertence fazer pelos seus Deputados juntos em Cortes a sua Constituição, ou Lei Fundamental, sem dependência da sanção do Rei.”

Este artigo condenaria só por si, toda a estrutura jurídico-constitucional da Carta, já que, na vigência da Constituição nunca o Rei poderia outorgar uma outra Lei Fundamental. Esse direito pertenceria apenas aos Deputados “juntos em Cortes”.

Na Carta Constitucional, o Rei, detinha o “veto” absoluto, e disponha de um mês para sancionar ou não as leis saídas do Poder legislativo (arts. 57,58,59). Comparando com a Constituição de 1822, lembremos que, através do seu articulado, o Rei apenas detinha “veto” suspensivo (arts. 103,110,112), e mesmo assim, ouvido o Conselho de Estado, devendo ser fundamentada a recusa de sanção. Ainda mais grave, haviam conteúdos da exclusiva competência das Cortes, que não necessitavam da sanção régia, tais como as “ (...) leis constitucionais e as referentes às principais decisões de política interna e externa (arts. 27, 103 e 112) ” (Santos, 1989:376), que tornavam o rei, somente, numa imagem de marca do reino de Portugal.

A constituição de 1822 introduzira várias rupturas epistemológicas e não seria sem significado o distanciamento que se acentuava entre o profano e o sagrado. O Rei não era mais o representante de Deus, e o juramento não era prestado a um representante da Igreja, mas a um representante do povo.

Segundo Santos (1988:275), “D. João VI havia jurado a Constituição de 1822 só para salvar a coroa ou talvez salvar a cabeça.”

Após morrer D. João VI, D. Pedro não podia deixar ressuscitar aquela Constituição e por vários motivos: o primeiro dos quais tinha a ver com a origem da soberania, mas logo a seguir viria a necessidade de manter uma coerência e uma coesão, harmonia e similitude política entre os seus dois reinos. Por isso, a Carta reintroduz e garante poderes ao Rei e assegura, através da Câmara dos Pares, uma responsável vitalidade aos “corpos intermédios”, já que a par do PODER MODERADOR era a existência das duas Câmaras.

Em suma, neste tópico cito Santos (1988:276): “A História foi o que foi, mas será interessante não esquecer que a Carta foi imposta pela lei das armas, apesar da sua moderação, e que esse “argumento” poderá sempre impor qualquer regime político”.

5.4. A Religião de Estado

O art. 6 da Carta consigna: “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Reino. Todas as outras religiões serão permitidas aos ESTRANGEIROS com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma exterior de templo”. Correspondia ao art.º 25 da Constituição de 1822 que dizia: “A Religião da Nação Portuguesa é a Católica Apostólica Romana. Permita-se aos ESTRANGEIROS o exercício particular de seus respectivos cultos.”

Estes dois artigos completam-se com o n.º 4 do art.º 145 da Carta que dizia: “Ninguém pode ser perseguido por motivos de Religião, uma vez que respeite a do estado, e não ofenda a Moral Pública” sem esquecer que para a constituição fazia parte dos deveres individuais “venerar a religião” (art.º 19).

5.5. A Questão da Propriedade

O art.º 145 da Carta consigna: “A inviolabilidade dos Direitos Civis e políticos dos Cidadãos portugueses, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a PROPRIEDADE, é garantida pela Constituição do Reino (…)”, completando pelo n.º 19 do mesmo art.º que explicava: “Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Portanto, não haverá em caso algum confiscação de bens” e no n.º 21 do mesmo art.º, “é garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude.”

Em 1822 essa preocupação era evidenciada logo no primeiro artigo, dizendo: “A constituição política da Nação Portuguesa tem por objecto manter a liberdade, segurança, e PROPRIEDADE de todos os Portugueses.”

A questão que se coloca é: apesar de os artigos serem absolutamente iguais, ignoram realidades distintas e denotam que a Carta foi feita à semelhança da Constituição brasileira sem demais cuidados, isto porque; de um lado o Brasil, um país novo e rico, com escassíssima densidade de população, em paralelo com uma terra velha, gasta, tradicionalmente explorada e reduzida mesmo para os três milhões de portugueses da época”. (Santos, 1988: 281).

5.6. A Independência do Brasil

O Brasil era um problema central da sociedade portuguesa e não deveria ser menosprezado. Todavia, a questão do Brasil não se revestia, APARENTEMENTE, de grande importância uma vez que na Carta Constitucional não se constituiu como elemento de peso e foi “esquecido”.

Certo é que o Brasil tinha sido durante gerações uma solução: soldados, missionários, aventureiros e funcionários tinham-se transformado em senhores de engenho, donatários ou garimpeiros, consoante as épocas, a fortuna e a sorte de cada um, ou seja, o Brasil tinha sido a esperança que se desfazia em 1822.

A carta de 1826 vinha remexer a ferida e não se podia, por então, vislumbrar a corrente migratória que surgia mais tarde e que representaria de novo uma solução para as tradicionais dificuldades portuguesas. Logo, D. Pedro, não podia deixar de ser responsabilizado pela sua decisão de se tornar Imperador de um país novo em desfavor da Pátria portuguesa.

5.7. A Questão das Duas Câmaras

A existência de duas Câmaras introduziu em Portugal um sistema político que suscitou imensos debates, não só neste período da história, mas também ao longo da vida política portuguesa, e este manteve-se, podemos dizê-lo, até 1976, pois tanto a República como o Estado Novo mantiveram essa instituição da Monarquia, chamando-lhe Senado ou Câmara Corporativa, tendo sido segunda Câmara que caracterizava o regime. (Santos, 1988).

A sua ausência, em 1822 ou em 1838, foram esporádicas (o que pode revelar a importância politica dessa classe ou desse grupo que permanecia junto do Poder).

5.8. Dos Cidadãos

Neste último grande tema é pertinente evidenciar as condições que a Carta Constitucional impunha para ser “cidadão activo”, introduzindo a obrigação de uma “renda líquida anual cem mil réis, por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos”, conforme o n.º 5, do art.º 65, para exercer o seu direito de voto.

Ainda, com fundamento jurídico no n.º1, do art.º 67 do mesmo texto constitucional a “taxa” a pagar é agravada, se estiver em causa votar para eleger Deputados: “Os que não tiverem de renda líquida anual duzentos mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego”.

Estas medidas de bloqueio, à luz da compressão desse período temporal, certamente visavam ajudar a definir a ideia de participação e responsabilização nos negócios públicos. Estou certo que o pensamento era: se os “marginais” emitirem opinião pública não trazem qualquer bem público ou utilidade social. Não obstante, da Constituição de 1822 para a Carta Constitucional de 1826 denota-se um acentuar de restrições, tais como a já enumerada.

6. Síntese Final

Antes das revoltas liberais e da criação da primeira constituição liberal, a Nação era igualmente constituída por todos os portugueses, e o exercício do poder era feito apenas pelo monarca. Por outro lado, o exercício directo do poder por todo o povo era impossível. A Constituição Liberal de 1822 encontrou um meio-termo, e o povo passou a poder eleger representantes para exercerem o poder em seu nome. Parece algo justo e natural aos olhos das sociedades actuais, mas nesse período tratava-se da uma legislação muito ambiciosa que rompia com tudo o que já tinha sido criado em Portugal, e até no resto da Europa.

Em Portugal, até à revolução liberal de 1820, o rei exercia o poder supremo, pertencendo-lhe a última decisão em todos os assuntos de governo. Livre de limitações jurídicas provenientes de outro poder, estava limitado em consciência pela religião, pela moral e por certas leis fundamentais, apenas respeitantes à forma monárquica de governar e à sucessão no trono.

A Constituição de 1822 estabeleceu a representação parlamentar em Portugal, e a organização política passava pela obediência a três princípios básicos: princípio da Soberania Nacional, um dos princípios revolucionários, pois a soberania residia “em a Nação”, ou seja, na união de todos os portugueses de ambos os hemisférios (tinham a esperança que o Brasil não se tornasse independente). Tal remete para um apagamento da própria figura do rei, sendo que o que era importante eram os súbditos. Características da Nação consagradas na Constituição: a soberania da Nação é única, indivisível e inalienável; a Soberania somente poderia ser exercida pelos representantes da Nação, legalmente eleitos em eleições que a própria Constituição determina as regras; e separação e independência dos poderes, baseado nas ideias de Montesquieu. A Constituição determinava a existência de três poderes, cada um de tal forma independente que não pode concentrar em si outros poderes. O que a Constituição fez foi proibir a concentração de poderes numa só autoridade, determinando a sua distribuição por várias instâncias.

Segundo a Doutora Cristina Leston-Bandeira (2002:67), que lecciona actualmente no Departamento de Politica da Universidade de Hull (Inglaterra), a constituição de 1822 “ (…) apresentava princípios políticos extremamente modernos para a época (…) e rapidamente foi substituída por uma outra, a Carta Constitucional de 1826 (…). A Carta surgiu como uma contraposição à Constituição de 1822, a qual introduziu o princípio da separação de poderes entre o legislativo, o executivo e o judicial. Nesse contexto, o Parlamento tinha uma competência legislativa exclusiva (assim como iniciativa legislativa) e desempenhava um papel fundamental no sistema político em detrimento do rei”.

É notória a perda de poderes por parte da pessoa do rei com a constituição de 1822. Este mantinha um poder de veto suspensivo, empiricamente significava a possibilidade de solicitar uma segunda apreciação pelo Parlamento. Todavia, este veto perdia ou fracassava caso fosse rejeitado por uma maioria no Parlamento, ou seja, não tinha consistência. Na prática nem poderes o rei tinha para dissolver o Parlamento. Oliveira Martins (1972:530 [1879]), citado por Santos (1989:374), faz o seguinte comentário: “As cortes (...) convidaram D. João VI a voltar ao reino onde formalmente lhe negavam o exercício da realeza: na constituição, o rei sem veto era uma simples imagem. Para que o queriam? Porque não proclamavam de uma vez a república? Porque a maioria era ainda sincera e ingenuamente monárquica...”.

A Carta Constitucional de 1826 conferiu mais poderes à pessoa do rei, no sentido de acalmar os descontentamentos entre os monárquicos absolutistas; isto em detrimento dos preceitos constantes na Constituição de 1822, que era claramente favorável ao poder parlamentar. Neste âmbito, Leston-Bandeira (2002:68) escreve de forma inequívoca e no sentido do já afirmado, que “ (…) para além dos poderes, legislativo, executivo e judicial, a Carta criou um quarto poder: o poder moderador, o qual deveria ter um efeito harmonizador sobre o sistema político. Contudo, na prática, tratou-se de uma forma de conferir ao rei um poder incondicional sobre os três restantes poderes”.

Ainda citando a autora, em jeito de conclusão, o facto mais observável e consistente é: “ (…) ao longo do século XIX e XX o papel do Parlamento oscilou entre várias formas e níveis de representação e de competências”. (Leston-Bandeira, 2002:66).

NOTAS:

[1]
Segundo José Acúrsio Neves, uma figura destacada pelo denso conhecimento que possui como político, magistrado, historiador, e até economista de destaque, foi no verão, entre 1810-1811, que se deu a terceira invasão francesa, sob o comando militar do General Messena. Este ordenou a entrada das tropas francesas pela Beira Alta fazendo cair uma série de praças portuguesas. O exército britânico liderado por Wellington assumiu uma nova estratégia: ir para sul dando a impressão aos franceses de estarem a conseguir avanços militares, altura em que se estava a formar a Linha de Torres, onde se reuniu o grosso do exército britânico. No Buçaco o exército francês teve já uma perda significativa de militares, sofrendo o golpe final em Torres. Em Espanha a guerra só terminou em 1813, dois anos depois. Portugal, em 1811, foi o primeiro país europeu a libertar-se do domínio imperial francês. (Mesquita, 2006; Neves, 2008).

[2]
Em 1817 este movimento liderado pelo General Gomes Ferreira de Andrade falhou por não ter apoio civil significativo. Acabou por não passar de uma conspiração militar fracassada, pesar de estarem lançadas as bases para a revolta, e para o triunfo do liberalismo, que aconteceria com o Vintismo. (Neves, 2008).

[3]
Neste período Portugal era um protectorado britânico muito contestado pelos portugueses. Estes reivindicavam, aliás, exigiam, o regresso do rei e da corte a Lisboa.

[4]
Em 15 de Setembro de 1820 adere ao movimento nortenho da guarnição militar de Lisboa representando o triunfo do pronunciamento militar de 24 de Agosto. Tal como no Porto, em Lisboa os revoltosos tentaram captar o apoio das classes populares, contexto em que foi importante a adesão do Juiz do Povo da Casa dos Vinte e Quatro. Paralelamente, nessa data, comemorava-se o aniversário da expulsão das tropas francesas de Junot (Diplomata e General); foi numa parada militar que o exército de Lisboa manifestou a sua adesão. Perante esta adesão formou-se um governo paralelo ao do Porto, também ele liderado por militares. Esta posição dúplice criou alguma instabilidade política num primeiro momento entre os dois pólos, o que veio a terminar a 27 de Outubro quando os dois governos se fundiram num só pelo Acordo de Alcobaça. Foi dessa reunião que saíram as principais directrizes do movimento liberal nacional, tendo-se este fraccionado em dois: Junta Provisional Supremo Governo do reino (tratava da administração pública) e a Junta Provisional Preparatória das Cortes (tratava da reunião das Cortes Constituintes). (Marques, 1991; Canotilho, 1998).

[5]
A primeira secção apresenta uma Declaração de Direitos, que é inspirada na Lei dos Direitos, em inglês Bill of Rights, da constituição dos Estados Unidos de 1787 e na Declaração dos Direitos do homem e do cidadão, de 26 de Agosto de 1789.


[6]
Para além da necessidade de abafar as vozes revolucionárias, existia o perigo de uma invasão por parte de Espanha ou França, já que por esta altura França invade Espanha para instalar um regime absolutista, abolindo o regime liberal que estava em funções.


[7]
Em 27 de Maio de 1823 um novo episódio militar mudou a História Politica de Portugal: A Vilafrancada; por ocasião de uma revolução de cariz anti-revolucionário que rebentou na Beira. O governo convocou o Regimento de Infantaria para sufocar a rebelião. Saído de Lisboa, quando chegou a vila Franca de Xira os oficiais superiores declararam que não iam cumprir as indicações que tinham recebido. Mal se soube da notícia, o infante D. Miguel, a pedido da mãe, D. Carlota Joaquina, foi a Vila Franca e declarou o seu apoio aos revoltosos, promovendo um golpe de estado com o objectivo de derrubar D. João VI, e substituir o rei pela rainha. Perante a situação o rei reagiu com surpresa e a pedido de alguns conselheiros, foi pessoalmente a Vila Franca de Xira falar com os revolucionários. Nesta região acabou por mudar de opinião, passando a apoiar o filho e os revoltosos, e assim demitiu o governo, e determinou a substituição da Constituição de 1822 por uma Carta Constitucional, tendo até nomeado uma comissão para tal efeito, liderada pelo Duque de Palmela. Em suma, D. João VI promoveu um golpe anti-constitucional, utilizando os poderes que pertenciam ao parlamento. (Marques, 1986 e 1991).

[8]
“Nas eleições primárias, em que se elegiam os Eleitores de Província, não se atribuía direito de voto, entre outros, aos menores de 25 anos (idade que poderia baixar para 21 anos, em casos pontuais) e aos "que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis", mantendo-se as incapacidades eleitorais activas previstas na Constituição de 1822.” (AR: 2009:online).


7. Bibliografia

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