25/11/08

Relações entre a nobreza e a realeza no reinado de D. Dinis

Contextualização temporal: D. Dinis nasceu em Lisboa (09-10-1261) e faleceu em Santarém (01-01-1325), filho de D. Afonso III e de D. Beatriz de Castela, subiu ao Trono por morte de seu pai em 16-02-1279. Faleceu com 64 anos, dos quais reinou 46.

Ao analisar a duração dos reinados da primeira dinastia poderemos depreender, pelos menos aparentemente, que estes se caracterizam por uma grande estabilidade. No entanto, a primeira dinastia foi alvo de vários conflitos, opondo o poder régio, ora ao clero, ora aos senhores feudais, existindo ainda alguns conflitos no interior da própria realeza. O reinado de D. Dinis, que durou 46 anos, foi o mais extenso e um dos mais conflituosos dos reinados da primeira dinastia.

Quando subiu ao trono D. Dinis herdou do seu pai um grave conflito com o alto clero e com a Santa Sé, em virtude do qual foi lançado sobre Portugal um interdito geral. Apesar da pesada herança D. Dinis mostrou-se à altura das necessidades e imprimiu durante o seu reinado paz, prosperidade e equidade social, e implementou medidas de protecção das fronteiras, de defesa da ideia de Nação (adopção do português para a Chancelaria Régia) e fez aplicar a justiça.

Todavia, apesar de tanto ter lutado pelo progresso e desenvolvimento do País, D. Dinis não pode evitar três grandes conflitos: a guerra com Castela, que desistiu depois de obter as vilas de Moura e Serpa, a guerra com o reino mouro de Granada, como forma de prolongamento das lutas pela reconquista para a afirmação do poder real português, e a guerra civil, primeiro com o seu irmão D. Afonso, depois com o seu filho e herdeiro, também chamado Infante D. Afonso. É sobre esta última, a guerra civil, que vai incidir a minha resposta em virtude de ser o conflito mais marcante entre a nobreza e a realeza (Serrão, 1978).

D. Dinis durante todo o seu reinado nunca escondeu o seu voraz apetite pelas delícias do género feminino. Esta postura galante originou várias amantes, e consequentemente vários filhos bastardos. De todos os filhos bastardos três estavam muitos próximos do monarca: Afonso Sanches, João Afonso e Fernão Sanches, e constituíam uma ameaça real ao Infante D. Afonso, pretendente ao trono.

O Infante D. Afonso ao sentir-se ameaçado ostenta posturas de desagrado e desobediência (situação que dura cerca de 5 anos) e declara guerra ao seu pai em 1320. Conta com o apoio de sua mãe, rainha D. Isabel, “…pouco afecta ao marido, até devido à inconsistência conjugal deste e às numerosas amantes e filhos derivados… ” (Marques, 1987:491), e também, “…com o apoio da maioria dos grandes senhores do Norte e do Centro do País…” (Marques, 1987:491).

D. Dinis tem pelo seu partido os três filhos bastardos, “…os burocratas da Corte, alguns nobres de segunda plana e linhagem duvidosa, boa parte dos grandes concelhos do Sul, os mestres das ordens militares e uma fracção dos bispos…” (Marques, 1987:491).

Em prol da avançada idade do Rei e da possível subida ao trono do Infante, num futuro próximo, uma grande parte da Nobreza e do Clero ficou numa posição de neutralidade. Todavia, em torno desta guerra civil estava a generalidade da nobreza feudal e a totalidade do poder régio. É de facto a presença maciça destes elementos que vai equilibrar os dois partidos, tornando a guerra mais demorada e sem grandes vitórias.

Ambas as fracções tinham motivos diferentes para fazer a guerra: o Infante D. Afonso baseava-se em argumentos económicos (ambição e necessidades financeiras para fazer valer a sua condição social) e pessoais (ciúme, inveja, e até receio da perda do trono, em particular para Afonso Sanches), enquanto D. Dinis procurava insinuar que combatia o exército do Infante porque estava repleto de criminosos de delito comum.

É evidente que todo o suporte desta guerra está na Nobreza Feudal cansada de perder privilégios e de se submeter às ordens de D. Dinis. A política do monarca tinha como objectivo o reforço do poder real através da centralização, e todas as medidas implementadas eram em detrimento da Nobreza, não para acabar com os senhores, mas para controlar os seus poderes fazendo prevalecer os poderes da coroa independentemente do Nobre. Exemplo disso foi o conflito de 1281, em que o seu irmão D. Afonso criou um domínio senhorial muito grande na zona de Marvão, encarado por D. Dinis como perigo que se mostrava aquele potentado laico; entram em conflito aramado, resolvido com Escambo (trocas), para desarticular os territórios do infante e deixar de ter aquele potentado na fronteira.

Entre 1320 e 1325 D. Dinis executou uma serie de medidas contra a nobreza feudal: várias inquirições: 1321, 1322 e 1324, proibição de se constituírem novas honras (1321), lei contra os abusos da jurisdição feudal (1324), proibição ao Clero de interferir nos testamentos (1323), protecção ao clero minhoto contra abusos da Nobreza, etc. É com base nesta conjuntura que “…a nobreza feudal, ameaçada nos seus privilégios [e] centralismo régio (…) cansados de protestar e de se submeter os senhores feudais viam nas ambições do herdeiro da Coroa um meio excelente de obterem a revanche por que esperavam havido tanto tempo.” (Marques, 1987:492). O apoio ao Infante feito pela Nobreza Feudal é decisivo para o desenrolar do conflito armado porque permite o equilíbrio entre as duas forças.

Apesar de existirem interesses da Nobreza Feudal igualmente existiam interesses camuflados de Castela e Aragão, que sempre tentaram fomentar conflitos visando criar divisões internas para enfraquecer a monarquia portuguesa face aos restantes reinos peninsulares; o que é visível no facto Castela se colocar ao lado dos dois partidos ao mesmo tempo, e na citação de Marques (1987:492): “ (…) havia (…) interesses disfarçados de Castela e de Aragão, sempre conducentes a fomentar divisões internas na monarquia portuguesa (…)”.

Após vários encontros, em que numa primeira fase (1322) por actuação do papa existe um acordo, depois numa segunda fase (1323), que por actuação da própria Rainha D. Isabel em conjunto com o Bispo da Cidade de Lisboa, D. Gonçalo Gonçalves de Pereira, alcançaram-se novas tréguas, surge a terceira e última fase (1324), data em que o Infante D. Afonso conseguiu a destituição de Afonso Sanches e o seu afastamento da Corte, o que acontece pouco tempo antes de morrer D. Dinis. Contudo, se D. Dinis não tivesse morrido, a guerra ter-se-ia reacendido.

Apesar de todos estes confrontos os conflitos da realeza e da nobreza continuaram, mesmo no reinado de D. Afonso IV (este contra os seus irmãos bastardos).

D. Dinis morre e o sobe ao poder D. Afonso IV (1325). Este cheio de vingança e ressentimentos apressa-se em condenar e mandar executar os dois meios-irmãos filhos de D. Dinis. Porém, só consegue executar o infante João Afonso porque Afonso Sanches refugiou-se em Albuquerque, Espanha, e morre em 1328.

Em traços gerais, D. Afonso IV inicialmente foi ao encontro das pretensões da Nobreza, que reclamavam o seu pagamento pela ajuda prestada, mas após o reino estar sólido redefiniu a sua politica e retomou a centralização do poder na coroa.


BIBLIOGRAFIA

SERRÃO, Joaquim Veríssimo, História de Portugal (1978), Volume I: Estado, Pátria e Nação (1080-1415), 2.ª ed., Editora Verbo, Lisboa.

MARQUES, A. H. Oliveira (1987), Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV, Editora Presença, Lisboa.


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