O trabalho em assunto saiu
com algumas incorreções ao nível da ortografia, que corrigido pelo presente. O
original está disponível no Portal da Revista, disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/viewFile/6108/4098.
Doi: 10.5212/Rev.Hist.Reg.v.19i1.0011 - Publicação em 07/08/2014.
Doi: 10.5212/Rev.Hist.Reg.v.19i1.0011 - Publicação em 07/08/2014.
A identidade nacional: inseparável da própria perceção
coletiva, mas mutável consoante os grupos humanos e a época
MATTOSO,
José. A identidade Nacional. Lisboa:
Gradiva Publicações, 1998. 114p. Coleção da Fundação Mário Soares. ISBN:
978-9726626046.
____________________________________________________
Marco Pais Neves dos Santos*[1]
José Mattoso aborda a problemática da identidade nacional, e procura
demonstrar o desenvolvimento da consciência de pertença a um coletivo nacional,
particularizando o caso português. Antes de mais, refere que uma nação é uma
determinada população humana, que partilha um território histórico, mitos e
memórias comuns, uma economia comum, uma cultura de massas comum, politicamente
é soberana, e possuí um conjunto de códigos legais que regulam a ação de todos
os membros[2].
José Mattoso começa por definir identidade nacional como o resultado da
noção que os cidadãos possuem de constituírem uma coletividade humana, mutável
consoante os grupos humanos e a época. Refere que a melhor forma de abordar
esta questão é considerar que as condições para a compreender são as mesmas de
qualquer outro objeto, seja ele individual ou coletivo. Paralelamente, esboçou
alguns temas que serão tratados de forma mais aprofundada e apresentou a
organização da obra, dividindo-a em duas partes: a primeira parte consiste nos
capítulos 1-3 e a segunda parte nos capítulos 4-8. Esta será também a divisão a
ter em conta nesta análise, para que o resultado seja um comentário crítico,
lógico e coerente.
A primeira divisão consiste na perceção das diferentes etapas da
manifestação da identidade nacional, desde a fundação do Estado até à atualidade.
Deste modo, o primeiro capítulo, denominado “O processo de categorização da
identidade nacional”, refere que a consciência de pertença a um país se pode
refletir na expressão: “nós somos portugueses; os outros são estrangeiros”[3],
embora este facto outrora não fosse evidente para todos os sectores sociais.
Estabelecendo uma relação com Orvar Löfgren[4], e
partindo do princípio que o culto dos sentimentos de pertença nacional no seio
de um determinado país é da máxima importância nos modos de construção da
nação, a comunicação externa ocupa também aí um lugar decisivo. Entende-se,
nesse sentido, que a prova de uma identidade nacional é inócua se restringida
às próprias fronteiras e que uma nação só se consegue afirmar, se for aceite
enquanto tal pelas restantes comunidades internacionais. É a necessidade de tal
reconhecimento que explica, por sua vez, a relevância de eventos como as
exposições universais, para a afirmação da nação[5].
De acordo com José Mattoso[6], foi
lentamente que “os nacionais” se foram consciencializando da sua pertença à
categoria de portugueses através de fenómenos históricos, normalmente,
confrontações militares com estrangeiros ou civilizações distantes, explicados
cronológica e pormenorizadamente pelo autor. Tal como refere Tilly, “a guerra
faz o Estado e o Estado faz a guerra”[7]. Contudo,
este refere que a generalização da noção de identidade nacional só se deu após
o desenvolvimento da escrita, da imprensa e da participação dos indivíduos na
vida política. Neste seguimento, não parece de todo correto extrapolar este
conceito para toda a população no estudo de um período ancestral, por oposição
ao que ocorre na atualidade.
O capítulo “Atribuição de significado” procura constituir um conjunto de
noções que atribuem sentido à identidade nacional. Para tal foram tidos em
conta e explicitados os seguintes conceitos: reino, naturalidade, pátria,
fronteira, sucessão régia e o poder sagrado do rei. A seleção destes últimos
prende-se com o facto de se terem constituído na Idade Média e influenciado de
forma significativa o fortalecimento da consciência da identidade nacional.
É de ressaltar a associação destes conceitos ao poder político, tido como
o mais relevante para a formação da identidade nacional.
Os itens enunciados anteriormente foram influenciando lentamente a
população: inicialmente, apenas os mais próximos da corte, do poder
administrativo e clérigos; sendo que, possivelmente, os restantes habitantes
foram mais influenciados pelo uso de “símbolos de referência colectiva”[8], tais
como: “o escudo de armas do rei, a bandeira nacional e a moeda”[9].
Em concordância com Mattoso[10] está
Löfgren[11], que
definiu o nacionalismo num período mais contemporâneo como um gigantesco “Do it
Yourself Kit” (faça você mesmo), acrescentando que as ideias circulam
primeiramente pelas elites intelectuais e resultam numa espécie de “check
list”, fundamentada em: todas as nações têm que ter uma linguagem comum, um
passado e destino comuns, uma cultura popular, valores de nacionalismo de
mentalidade e carácter, galeria de mitos e heróis nacionais e respetivos vilões,
e um conjunto de símbolos que incluem bandeiras, brasões, textos e imagens sagradas.
No último capítulo (do conjunto a que inicialmente designámos de primeira
parte), denominado “Atribuição de valor”, o autor afirma que o “valor”
concedido à identidade nacional é superior caso se procure defendê-la em
virtude do benefício dos sujeitos que nela interferem, podendo mesmo tornar-se
supremo, quando tidos em consideração os interesses da coletividade.
Estas noções são indissociáveis do conceito de “pátria”, problemática
desenvolvida neste capítulo, que apresenta a sua evolução ao longo do tempo,
até atingir a sua expressão atual. O autor salienta ainda que a atribuição de
valor à identidade nacional foi um fenómeno lento, procurando reconstituir
alguns pontos da sua formação com base em testemunhos históricos. Em suma, a
análise da identidade nacional por meio de uma visão histórica é indissociável da
noção coletiva. Deu-se um longo caminho na formação da consciência de pertença
a um coletivo nacional, partindo de um fator político (apropriação do poder por
um chefe com autoridade própria sobre os vassalos), que se expandiu para
sectores não só do mesmo domínio, mas também sociológicos e psicológicos.
A segunda delimitação da obra, de uma forma geral, baseia-se na análise
profunda dos elementos que caracterizam a identidade nacional, através do
estudo de caracteres: geográficos, políticos, sociológicos e comportamentais.
Do ponto de vista geográfico e como referido por A. H. de Oliveira Marques,
“não faz hoje sentido falar de uma unidade do território português (…) ou de
uma individualidade geográfica de Portugal dentro do conjunto da Península
Ibérica”[12]. Efetivamente a
identidade geográfica de base física é muito ténue, uma vez que a originalidade
morfológica é praticamente insignificante.
Portugal localiza-se no extremo sudoeste da Península Ibérica partilhando
da morfologia da mesma, relativamente ao resto do continente europeu, formando
deste modo, uma unidade geográfica bem individualizada. Assim, Portugal
integra-se na morfologia peninsular, integração tanto mais evidente quanto é certo
que, como mostra qualquer mapa físico, as grandes linhas de relevo de Portugal
não são mais do que a continuação das linhas de relevo de Espanha, as
superfícies planálticas constituem a bordadura ocidental dos grandes planaltos
ibéricos e os grandes rios que desaguam na nossa costa têm a maior parte do seu
percurso em território espanhol. Deste modo, é de todo pertinente afirmar que o
País foi uma construção dos homens e não da natureza.
Todavia, e apesar de Portugal apresentar uma certa homogeneidade em
termos físicos, como constata, e bem, o autor, é possível observar contrastes
regionais, não só entre as áreas a norte e a sul, mas também entre as do
litoral e as do interior. Assim, importa individualizar as condições
geográficas, que muito embora não sendo suficientes para conferir ou não
identidade nacional, acabam por influenciar, dar suporte e impulsionar as transformações
socioeconómicas que moldaram a evolução regional do País, uma vez que, em
conjunto, determinam o grau de atração ou repulsão que a terra exerce sobre as
comunidades humanas, evidenciando certas especificidades regionais.
Observando as diferentes regiões de Portugal Continental em termos de
relevo, verifica-se que o Minho interior apresenta relevos acentuados com topos
aplanados entre os 1300 m e os 1600 m. É o caso das serras da Peneda, Gerês,
Soajo e Amarela, cortados pelos rios Minho, Lima, Cávado, Homem e Ave. O Minho
litoral é mais plano, cortado por rios que se espraiam em planícies aluviais
largas para em seguida desaguarem no oceano. Trás-os-Montes apresenta áreas
planálticas separadas por vales e depressões. As serras mais importantes são a
de Alvão e Padrela, sendo entre elas que corre o rio Corgo. O rio Douro
constitui como que uma fronteira para as Beiras. O relevo das Beiras é
influenciado pelos diversos deslocamentos tectónicos e entre eles encontramos a
cordilheira central, que separa a Meseta norte da Meseta sul. Esta superfície
vai-se prolongando pelo sul, onde se encontram as serras de S. Mamede, Marvão e
Ossa, estabelecendo-se a separação com o Baixo Alentejo. No Algarve
encontram-se as serras de Monchique, Caldeirão e Espinhaço de Cão. De facto,
cerca de 60% das terras baixas, ou seja, com menos de 200m de altitude,
situam-se a sul do Tejo. Em contrapartida, cerca de 95% das terras altas
localizam-se a norte do rio Tejo[13].
Tal como o relevo, também o clima de Portugal é marcado pelo contraste
entre o norte e o sul, e o litoral e o interior, divisões afloradas e aceites
pelo autor, ainda que com base noutros autores. Assim, o norte caracteriza-se
pela ocorrência de invernos frios e chuvosos, com queda de neve, durando o
período chuvoso e nebuloso cerca de seis meses. O sul apresenta temperaturas mais elevadas ao longo de todo o ano,
durando o período chuvoso e nebuloso cerca de três meses.
Sendo Portugal, como refere o autor, um país cuja atividade económica
predominante foi sempre, até há pouco tempo, a agricultura, facilmente se
depreende que as condições naturais não favorecem esta prática, já que um dos
maiores problemas para o desenvolvimento das espécies vegetais é a
irregularidade da precipitação. Outro aspeto de grande importância é o relevo,
uma vez que a altitude é um fator que condiciona a agricultura. Os declives
acentuados das encostas contribuem para uma maior erosão dos solos, fazendo com
que os detritos minerais e vegetais, que os compõem, sejam arrastados pelas
vertentes e levando a que os solos se apresentem pouco espessos e pobres em húmus. Outro fator
muito importante é a natureza do solo
arável, pois o clima mediterrâneo não permite a formação de solos
profundos. Os baixos totais pluviométricos e a distribuição irregular da
precipitação ao longo do ano, coincidindo a estação mais seca com a de
temperaturas mais elevadas, não favorecem a alteração química da rocha-mãe. Por
isso, uma das regiões que reúne melhores condições naturais, e que por isso
sempre atraiu os cultivadores, é o norte litoral, mais concretamente o Minho,
como refere o autor. Todavia, como já ficou demonstrado a favor da tese do autor,
a proporção de terras com pouco rendimento é muito superior às terras com
grande rendimento. Assim, verificaram-se, na história portuguesa, várias
tentativas para aproveitar melhor os recursos agrícolas, nomeadamente por
desbravamento de terras desocupadas, aproveitamento de solos incultos e secagem
de terrenos pantanosos, nos séculos XI, XII e XIII respetivamente, como menciona
o autor. No entanto, a crise demográfica e a crise económica dos séculos XIV e
XV promoveram o abandono de muitos terrenos pouco produtivos.
Assim, o clima, o relevo, a fertilidade dos solos ou os recursos hídricos
são alguns exemplos de fatores naturais que condicionam a distribuição espacial
da população portuguesa, uma vez que era nos locais que reuniam melhores
condições que as pessoas se fixavam, para além da fixação em pontos elevados, por motivos defensivos, e na
região fronteiriça, nomeadamente entre Castelo de Vide e Serpa.
Por outro lado, os fatores humanos ganharam importância, e a existência
de recursos naturais, a acessibilidade e o desenvolvimento industrial deram
origem à concentração de um elevado número de centros urbanos na faixa litoral,
exceto ao longo da costa alentejana, sendo responsáveis pela desigual
distribuição espacial da população no nosso país.
Na segunda metade do século XX, verificou-se uma nova dinâmica: a
suburbanização, originando o crescimento de novos centros urbanos. Este
processo gera um conjunto de problemas nas áreas metropolitanas, cujas
estruturas não estão preparadas para tanta população, entrando em rutura. Por
outro lado, contribuem para o despovoamento do interior do país. A última
década tem, no entanto, evidenciado uma nova dinâmica na concentração
populacional, resultante do desenvolvimento da rede rodoviária no interior do país,
do dinamismo económico de certas regiões, e da fixação de jovens pela
existência de Universidades e Politécnicos, nomeadamente nas capitais de
distrito, o que de acordo com o autor vem confirmar a influência das funções
administrativas, mas que, na verdade, os fatores justificativos são bem mais
abrangentes, como já se evidenciou.
Assim, aglomerações urbanas como Castelo Branco, Viseu, Covilhã ou Évora
conheceram um dinamismo muito significativo, contrariando a tendência de perda
populacional que se mantinha há alguns anos.
O capítulo “O factor político” coloca o político como o elemento em
análise mais importante na construção da identidade nacional. José Mattoso vai
explicitar as repercussões do poder político, analisando o próprio nome de
“Portugal”. Deste modo, problematiza o porquê da extensão do nome “Porto” a
todo o país, refere a importância deste centro urbano em épocas ancestrais, e
apresenta acontecimentos históricos, percorrendo superficialmente um hiato
temporal que vai desde a ocupação dos povos bárbaros até ao conde D. Henrique. Salienta
que a origem de Portugal reside em factos político-administrativos e não na
etnia, e que o Estado português nunca procurou fazer prevalecer nenhuma das etnias ancestrais, sobrepondo-se “a elas como uma
entidade política”[14]. Aborda teorias de outros autores que
procuraram as origens nacionais em povos cujos principais representantes são
atualmente os minhotos, beirões ou alentejanos, o que contraria a ideia
que formulou no trabalho, e por isso refere que essas teorizações são
consideradas pouco credíveis, uma vez que este é um fenómeno do domínio
administrativo, político e estatal, e não do plano cultural ou étnico.
No sexto capítulo “O poder político e as regiões”, o autor indica que as teorias
referidas no parágrafo anterior, relacionadas com os nomes que designam as
províncias nacionais, permitem constatar a vertente política da construção
portuguesa. Considerando que as designações não estão associadas a antepassados
étnicos, pressupõe-se a existência de uma administração central. O autor
explora ainda os contrastes das diversas regiões do território nacional e
retoma as duas dicotomias (norte-sul e litoral-interior), remetendo para
exemplos históricos e concretos que materializam as afirmações que enuncia. Em
suma, “o que cria e sustenta a identidade nacional é, de facto, o Estado” [15], justificando
o lento desenvolvimento da consciência nacional e a sua manifestação tardia em
termos populares.
O capítulo “Configuração do poder político e a sua
relação com as forças sociais” procura associar, tal como o próprio título
indica, o poder político ao domínio social. Esta temática é, principalmente,
desenvolvida segundo as tentativas de determinados reis portugueses para
consolidarem o seu poder, pelo que o autor apresenta as medidas políticas
tomadas, que permitiram o desenvolvimento de instrumentos de centralização da
monarquia. Mais tarde, a superioridade do Estado continuou a aumentar e os
poderes públicos e administrativos foram, progressivamente, passando para o
monopólio do Estado. José Mattoso explora a situação de diversos estratos
sociais, tais como: os que usufruem de regalias régias e estão associados à
corte (nobreza e clero), os camponeses, a burguesia mercantil e citadina e os
fidalgos.
No capítulo final da obra “Identidade Sociológica”, o autor refere,
citando uma afirmação de Boaventura Sousa Santos, que: “o excesso mítico de
interpretação [do processo da identidade nacional] é um mecanismo de
compensação do défice da realidade”[16],
criando na mente dos autores, características ilusórias dos nacionais.
Estabelecendo um paralelo com Benedict Anderson[17],
pode complementar-se a informação incontestável de José Mattoso[18].
Anderson, no seu trabalho, definiu a nação como uma comunidade política
imaginada; imaginada inerentemente quer como limitada quer como soberana. Isto
porquê? De facto, nem os membros da mais pequena nação se conhecem todos, mesmo
que na mente de cada um deles viva a imagem da sua comunhão, o que significa
que todas as comunidades são imaginadas e que a distinção se faz pela forma
como são imaginadas; a forma que cada indivíduo utiliza para interpretar e
idealizar a sua comunidade e constituir um sentimento nacional. A nação é igualmente limitada (tem
fronteiras físicas que a delimitam de outras nações), e soberana, apesar
de este termo somente ter surgido a partir das luzes e da revolução de 1789,
porque foi destruída a legitimidade da ordem divina, do domínio dinástico
hierárquico. Contudo, é percetível que o ponto fulcral do último capítulo de
Mattoso[19] reside
na imutabilidade da identidade nacional dos portugueses, por comparação à
constante modificação dos caracteres sociais. Revela-se necessária a existência
de uma consciência coletiva, baseada numa compreensão das diferenças nacionais
relativamente aos “estrangeiros” e na perceção da existência de um passado
comum. Deste modo, a História revela um dos elementos mais importantes na
consolidação da memória coletiva e, consequentemente, da consciência de
identidade, fortalecendo também sentimentos patrióticos.
Para finalizar, fazendo uma apreciação metodológica sumária, importa
referir que: (1) a obra foi organizada de forma hierarquizada desde a
introdução até ao último capítulo, e toda a massa argumentativa está bem inserida
dentro de cada capítulo; (2) a forma como o autor se expressou é relevante em
termos científicos, mas não tanto em termos pedagógicos, uma vez que a
informação não deve estar somente acessível à comunidade científica, a quem é
claramente destinado este trabalho, mas também à população em geral. Assim ,
julga-se que será um importante argumento para motivar uma ligeira alteração
textual a ter lugar numa próxima reedição.
No âmbito da análise do conteúdo, tal como referido anteriormente, esta
obra pretende explicar a evolução da consciência de identidade nacional, nos
seus vários domínios. Para tal, José Mattoso recorre, sistematicamente, a
referências históricas que ilustram as teorias por ele apresentadas e,
paralelamente, apresenta opiniões e citações de muitos outros autores, por vezes,
problematizando-as.
A consciência de pertença a uma coletividade
nacional em períodos ancestrais era muito menos abrangente, comparativamente à atualidade.
Contudo, tal não significa que não existam antecedentes históricos da
consciência nacional. Este foi um processo que se desenvolveu de forma gradual,
impulsionado por determinados acontecimentos históricos.
Tal como José Mattoso procurou demonstrar nesta
obra, estes fenómenos de carácter histórico encontram-se, maioritariamente,
associados a uma coletividade humana unificada e sujeita a um mesmo poder
político soberano, embora influenciado, principalmente, por aqueles que estão
associados ao poder central. No entanto, a realidade é que são estas minorias
“que contam a história e a transformam em epopeia colectivas”[20]. Concretiza
que o poder político é crucial na construção da identidade nacional. A origem de Portugal e, com ele da
consciência de pertença a um país, advém em fenómenos político-administrativos. Só posteriormente este conceito se difunde a
outros domínios, atingindo a sua plenitude atual.
São várias as questões em aberto ao longo do texto. Primeiramente, o
autor indica que os linguistas têm um longo caminho a percorrer, para
documentarem de forma precisa as diversidades dialetais e as suas expressões
históricas[21]. Outra questão que se
encontra em aberto, e que certamente levará à escrita de várias monografias não
só por sociólogos, mas por todas as ciências sociais (sociólogos, psicólogos,
filósofos, antropólogos, entre outros), é a evidente mutação do sentimento de
identidade nacional, por força de um sentimento de exclusão – quebra de
receitas financeiras, levando à desagregação dos grupos sociais e inerentemente
à adoção de outros valores identitários. Esta questão que o autor colocou é muito
pertinente e deve ser complementada em relação às novas dinâmicas culturais,
que surgem enraizadas no fenómeno da globalização, e que, efetivamente, também
estão ligadas com a questão anterior, forçando a seguinte questão: tendo por
base que o sentimento de pertença a um coletivo é feito com base num conjunto
de valores[22], a atual “mentalidade”
mundial baseada no processo da globalização, será favorável a esta manutenção?
Será que os valores que caracterizam a identidade nacional, sobretudo aqueles
mais ligados às questões culturais, como a língua e os costumes, permaneceram
inalterados ao longo tempo? Ou será que podem desaparecer levando consigo o
sentimento nacionalista?
É também uma questão pertinente na análise política da atualidade, para a
concretização do sonho europeu, que não poderíamos deixar de referir: a
identidade supranacional que decorre do federalismo. Numa situação de
federalismo, questão que há muito tempo excita os políticos europeus[23],
será possível a salvaguarda do valor intrínseco da diversidade cultural e
política[24]? Será que os Portugueses
vão identificar-se como cidadãos europeus, em primeiro, e como cidadãos portugueses,
em segundo? Ou seja, vão primeiro apelar à sua identidade supranacional, e só
depois à sua identidade nacional (é que sem a emergência de um povo europeu não
haverá estado federal europeu[25])?
Será que a mutação para uma identidade supranacional, a efetivar-se, é o
resultado da salvaguarda da diversidade cultural e política dos países membros?
Lembra-nos, desde logo, o efeito que esta decisão pode produzir nos doze países
europeus com monarquias, com símbolos de referência coletiva, por extensão da
ideia de José Mattoso (ex. o escudo de armas do rei)[26], e
com uma linguagem e um passado comuns, valores de nacionalismo de mentalidade e
carácter, galeria de mitos e heróis, e um conjunto de símbolos que incluem
brasão, textos e imagens sagradas, por extensão do pensamento de Orvar Löfgren[27]. O
federalismo é um modelo governativo que, a bem da identidade nacional e da
vontade individual, deve representar o último recurso da salvação do projeto
europeu. A sua materialização só deve ocorrer após referendada a população de
todos os Estados-Membros só deve
ocorrer após referendado pela população de todos os Estados-Membros, com
aprovação mínima da maioria de cada um dos Estados (e da maioria dentro das
minorias), e a sua manutenção deverá depender de objetivos, segundo o princípio
de Dusan Sidjanski, “garantindo o desenvolvimento das riquezas culturais e das
identidades nacionais e regionais num conjunto susceptível de criar uma
comunidade de destino e unir os Europeus numa grande aventura ao serviço do
homem”[28].
Serão estas as questões a ter em conta num futuro próximo e que certamente irão
dinamizar a questão da identidade nacional.
Todavia, nesta matéria existem algumas respostas. Segundo Inda e Rosaldo[29], o
que se verifica atualmente é a desterritorialização da cultura, ou seja, a
globalização transportou os elementos culturais para fora do limite territorial
da nação, provocando uma alteração profunda desses valores culturais, bem como o significado que tem para os
cidadãos de um determinado lugar a identidade nacional. Isto explica-se
por uma constante absorção e reinterpretação de valores em todo o mundo,
resultando numa reteritorialização final, que no fundo é um composto de várias
culturas que se traduzem em formas diferentes de abordar as questões de
identidade nacional, apesar de estas não se extinguirem nem se alterarem na totalidade, senso apenas alvo de uma
mutação.
Tal como José Mattoso afirmou em outra obra, por si coordenada e
dirigida, “o fenómeno da consciência nacional é um problema importante da
história de um país e tem de ser estudado também como um fenómeno que se
desenvolve através de um processo lento e complexo, de cuja interpretação é
necessário excluir preconceitos ideológicos ou a projeção no passado de conceções
peculiares da época moderna”[30].
É uma obra que provoca o intemporal, apesar de publicada há alguns anos,
motivo suficiente desta Nota de Leitura.
[1] * Doutorando em Desenvolvimento Social e
Sustentabilidade pela Universidade Aberta de Portugal. Técnico Superior no
Instituto da Construção e do Imobiliário (InCI), Av. Júlio Dinis, n.º 11 - 1069
– 010, Lisboa, Portugal. Email: marco.santos@inci.pt.
[2] MATTOSO, José. A
identidade Nacional. Lisboa: Gradiva Publicações, 1998. O mesmo
enquadramento, quanto à determinação da nação, é apresentado por SMITH, Anthony. Identidade Nacional. Lisboa: Gradiva Publicações, 1997 [1991].
[3] MATTOSO, José, op. cit, p.13.
[4] LÖFGREN, Orvar. The Great Christmas Quarrel and Other
Swedish Traditions. MILLER, D. (ed.), Unwrapping
Christmas. Oxford: Clarendon Press, 1993, p. 217-234.
[5] Idem.
[6] MATTOSO,
José, op. cit.
[7] TILLY, Charles. The formation of National States in Western
Europe. United States: Princeton,
University Press, 1975, p. 42.
[8]
MATTOSO, José, op. cit., p. 15.
[9] Ibidem, p. 28.
[10] Idem.
[12] MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal. Das Origens ao Renascimento. Vol. I. Lisboa:
Editora Presença, 1997, p. 17.
[13] RIBEIRO, Orlando. Portugal,
o Mediterrâneo e o Atlântico. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1998.
[14] MATTOSO, José, op. cit, p. 67.
[15] Ibidem, p. 83.
[16] Ibidem, p. 98.
[17] ANDERSON, Benedict.
Imagined communities. Reflections on the
Origin and Spread of Nathionalism. New
York: Editora Gopal Balakrishnan, 1991 [1983].
[18]
MATTOSO, José, op. cit.
[19]
MATTOSO, José, op. cit.
[20] MATTOSO, José (dir.). História de Portugal, Vol. I – Antes de Portugal. Lisboa: Círculo
de Leitora, 1992, p. 15.
[21]
MATTOSO, José. A identidade Nacional.
Lisboa: Gradiva Publicações, 1998.
[22] LÖFGREN, Orvar. The Nationalization of
Culture. In: Ethnologia Europaea, N.º
XIX, p. 5-24, 1989; ANDERSON, Benedict. Imagined
communities. Reflections on the Origin and Spread of Nathionalism. New
York: Editora Gopal Balakrishnan, 1991 [1983]; SMITH, Anthony. Identidade
Nacional. Lisboa: Gradiva Publicações, 1997 [1991]; MATTOSO, José. A identidade Nacional. Lisboa: Gradiva
Publicações, 1998.
[23] SIDJANSKI,
Dusan. Para um Federalismo Europeu - Uma
perspetiva inédita sobre a União Europeia. Cascais: Principia, Publicações
Universitárias e Cientificas, 2001, p. 7. Título Original: L' Approche
fédérative de l' Union Européenne ou la quête
d'un fédéralisme europeen inédit. In: Etudes
et recherches, n.º 14. Tradução de Teresa Braga.
[24] Como
é natural, no debate do federalismo há que ter em conta as questões latentes da
equidade na retribuição e redistribuição de recursos entre os Estados membros,
e nos esforços orçamentais, salvaguardando a não germanização da Europa.
Portanto, assuntos muito importantes, mas que não são centrais a este ensaio.
[25] De
alguma forma, os europeus já se vêm a si próprios enquanto europeus, o que
resulta, desde logo, da Europa ser uma criação com vista à harmonia política,
num continente com uma longa história de guerras entre os Estados.
[26] MATTOSO, José, op. cit., p. 15; 28.
[29] INDA, Jonathan;
ROSALDO, Renato. Introduction. In: INDA, Jonathan; ROSALDO, Renato (Eds.), The Anthropology of Globalization. A Reader.
MA-Oxford: Blackwell Publishers, 2002.
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