29/10/09

História de Portugal Contemporâneo (séc. XIX) - CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1822 Vs CARTA CONSTITUCIONAL DE 1826



*Fonte: Imagens retiradas do site do Parlamento Português http://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/AMonarquiaConstitucional.aspx, em 19DEZ09.

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“Lembrando-se os portugueses que são de raça francesa como descendentes que conquistaram este belo país aos mouros em 1147, e que devem à França sua mãe pátria o benefício da independência, que recobraram como Nação em 1640, solícitos recorrem, cheios de respeito, à paternal protecção, que o maior dos monarcas há por bem outorgar-lhes (…).”

Fonte: Introdução da súplica dirigida a Napoleão pela Junta dos Três Estados em 24.05.1807 (Hespanha, 2008:85)


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Índice

1. Introdução
2. Período Temporal de Vigência e Afinidades
3. Análise da Estrutura Formal dos dois textos Constitucionais (1822 e 1826)
4. Constituição de 1822 Versus Carta Constitucional de 1826
5. Deputada Maria Helena Carvalho dos Santos: Análise dos textos constitucionais
5.1. O Território
5.2. A Separação de Poderes
5.3. O Rei
-5.4. A Religião de Estado
5.5. A Questão da Propriedade
5.6. A Independência do Brasil
5.7. A Questão das Duas Câmaras
5.8. Dos Cidadãos
6. Síntese Final
7. Bibliografia


1. Introdução

O primeiro momento em que se levantou a ideia de uma reforma constitucional, em Portugal, foi em 1786, através do discurso promovido em torno do Projecto do Novo Código e do livro que resultou deste projecto, intitulado, Livro do Direito Público de Portugal. (Hespana, 2008:81).

No inicio do século XIX, através das invasões francesas, implanta-se em Portugal uma crescente apologia que defende à força a existência de uma assembleia parlamentar, como órgão de representação nacional, em detrimento das cortes tradicionais, que representavam as três Ordens do Reino: Nobreza, Clero e Povo. (Neves, 2008). Neste conturbado ambiente emerge a primeira referência a umas cortes constitucionais, através do tanoeiro José Abreu Campos (representante do povo à Junta dos Três Estados), que apresenta a Napoleão um pedido para outorgar uma constituição, através da chamada súplica de Constituição de 1808. (Praça, 1894; Hespana, 2004).

Podia pensar-se que a chegada dos franceses e a partida do Rei D. João VI para o Brasil poderia estagnar os ideais políticos. Porém, um conjunto de portugueses apoiantes da Revolução francesa, claramente inclinados para princípios liberais, fizeram das circunstâncias uma arma contra o absolutismo monárquico, como se observa em Hespana (2008:80):
“A partida do rei e da corte para o Brasil não congelou os assuntos políticos em Portugal. Pelo contrário, a ausência do rei, a entrega do governo a uma Junta menos legitimada, as invasões francesas e a influência das ideias liberais vindas da Europa, veiculadas, nomeadamente pelas lojas maçónicas, provocaram uma efervescência política de que Junot [general líder da revolução] se deu conta e que tentou explorar a favor dos interesses da França, apesar de tudo portadora do facho da Revolução. É neste ambiente que se insere o pedido a Napoleão de uma constituição para Portugal, bem como as movimentações, autónomas ou promovidas pelos ocupantes, de elites politicas como a do envio de uma embaixada “representativa” ao Imperador, que aqui se descreve (…)”.

Após Portugal se libertar das tropas francesas [nota 1], iniciou-se um movimento liderado pelo General Gomes Freire de Andrade [nota 2], com vista a afastar os ingleses do controlo militar de Portugal [nota 3]; mas sem sucesso, pois seria preso, julgado e enforcado como traidor da pátria, e o poder da Regência foi entregue a Lord Beresford, comandante-chefe britânico do aparelho militar português.

Em 1820, face à situação conjuntural portuguesa (crise comercial e domínio inglês) inicia-se a denominada Revolução Liberal do Porto que rapidamente se expande a todo o território português, inclusive a Lisboa.

O quadro das rebeliões foi fundamental para as aspirações liberais. Nesta sequência foram criadas as Cortes Gerais e extraordinárias da Nação Portuguesa, para elaborar e aprovar uma constituição. Os trabalhos para atingir esse fim decorreram entre 24 de Janeiro de 1821 e 4 de Novembro de 1822 e culminaram com a Constituição Portuguesa de 1822. Enquanto os trabalhos estavam a decorrer foi adoptada uma Constituição provisória, que seguia o modelo espanhol e muito inovadora para o que se conhecia em Portugal até esse momento. (Hespana, 2008). A corte portuguesa em prol da nova constituição teve de retornar a Portugal, à excepção de D. Pedro, futuro D. Pedro IV, que ficou como Príncipe Regente do Brasil. (Marques e Serrão, 1991).

O Rei D. João VI jurou a nova Constituição de 1822, e após a sua morte, em 1826, D. Pedro IV, outorgou a Carta Constitucional, em tudo igual à constituição brasileira de 1824, que ele mesmo tinha redigido. (Marques e Serrão, 1991).
É sobre estes dois documentos que recairá o trabalho que a seguir se apresenta, com uma estrutura muito simples, que visa estabelecer comparações e indagar possibilidades de análise fundamentadas em bibliografia cuidadosamente seleccionada.

Para a realização do trabalho adoptaram-se metodologias qualitativas e quantitativas, numa perspectiva avaliativa e crítica. (Vala, 1986). Do ponto de vista quantitativo, foi considerado o volume de trabalho produzido por nomes que se destacam no estudo da História Politica Contemporânea, e documentado na diversa bibliografia. Do ponto de vista qualitativo, foi dado primazia ao diálogo, particularmente com colegas de curso, o que permitiu coordenar ideias, estabelecer relações e colocar interrogações à informação recolhida na diversa bibliografia.

2. Período Temporal de Vigência e Afinidades

A Constituição de 1822 foi elaborada e votada por uma assembleia constituinte em 23 de Setembro de 1822. Contudo, para se perceber o tema é necessário recuar até às Cortes Geraes e extraordinárias da Nação Portuguesa, também designadas de Soberano Congresso, conhecidas vulgarmente por Cortes Constituintes de 1820, que representam as raízes históricas do primeiro parlamento português, criado na sequência da revolução Liberal do Porto [nota 4], para elaborar e aprovar uma constituição liberal para Portugal (Canotilho, 1998), trabalhando no texto da Constituição de 1822 entre 24 de Janeiro de 1821 e 4 de Novembro de 1822, altura em que são encerrados os trabalhos constituintes. (AR, 2009:online).

A 4 de Março de 1821 foram aprovadas as Bases da que viria a ser a Constituição Liberal portuguesa de 1822, divididas em duas secções: a primeira secção [nota 5] abordava questões no âmbito dos direitos humanos e a segunda secção definia as bases políticas e constitucionais da futura organização do estado liberal. (Canotilho, 1993 e 1998).

As bases da Constituição de 1821, apesar de não serem uma constituição propriamente dita, foram provisoriamente utilizadas como tal e serviu de guia ao trabalho dos constituintes. Tem algumas características que merecem destaque: Paralelismo com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; primeiro limite do poder constituinte; as leis do País seriam substituídas por um novo pacto social e procura conferir legitimidade ao regime revolucionário da Monarquia Constitucional.

Este percurso leva-nos ao dia 23 de Setembro de 1822 e à aprovação da Constituição portuguesa de 1822, muito mais extensa (mais de 200 capítulos) do que as bases que lhe estiveram subjacentes e que foram referidas anteriormente. (Marques, 1991).

Para fazer frente a rebeliões, em reunião de cortes ordinárias, no final de 1822 e início de 1823, aprovou-se a constituição de uma Guarda Nacional, que viriam a ser criadas em Março de 1823 [nota 6].

Em 2 de Junho de 1823 reúnem-se as Cortes do vintismo, pela última vez, e dois dias depois é assinada pelo Rei uma carta de lei que apela à reforma da constituição, ou seja, decreta o fim da vigência da constituição por ocasião da Vilafrancada [nota 7]. Posteriormente as cortes são realizadas de forma tradicional, como o haviam sendo feitas antes da constituição de 1822. (Pimentel, 1893; AR, 2009:online).

A Constituição de 1822 teria ainda, na sequência da revolução do Setembrismo, em 1836, uma curta e quase simbólica segunda vigência, de 10 de Setembro de 1836 a 4 de Abril de 1838, data do juramento da Constituição de 1838. (Marques, 1991).

Segundo Alexandre Herculano foram os dois períodos mais ricos em produção de legislação para liquidar o Portugal Velho, ainda que efémeros, revogando inúmeros velhos privilégios feudais característicos do regime absolutista.

A sua elaboração foi inspirada na Constituição Espanhola de Cádis, datada de 1812, bem como nas Constituições Francesas de 1791, 1793 e 1795, e fez seus os ideais da Revolução Francesa. (UI, 2007:online).

A Carta Constitucional de 1826, outorgada por D. Pedro IV, em 29 de Abril de 1826, enquanto este ainda estava no Brasil, aproveita o texto da Constituição Brasileira de 1824. (AR, 2009:online).
Foi a segunda Constituição Portuguesa e teve o nome de Carta Constitucional por ter sido outorgada pelo rei D. Pedro IV (D. Pedro I do Brasil), ao contrário do que sucederá com a Constituição de 1822, que foi elaborada e votada por Cortes constituintes eleitas pelos Portugueses. (UI, 2007:online). Segundo Ribeiro (2006:online), a Carta Constitucional vigorou durante três períodos temporais distintos:
a) “O primeiro entre Julho de 1826 e Maio de 1828, data em que D. Miguel convocou os três Estados do Reino, que o aclamaram rei e decretaram nula a Carta Constitucional;
b) O segundo iniciou-se em Agosto de 1834, com a vitória do Partido Liberal na Guerra Civil e a saída do país de D. Miguel, e termina com a revolução de Setembro de 1836, que proclama de novo a Constituição de 1822 até se elaborar nova Constituição, o que sucedeu em 1838;
c) O terceiro período começa com o golpe de Estado de Costa Cabral, em Janeiro de 1842, e só termina em 1910, com a República. Durante este último período sofreu três revisões profundas, em 1852, 1885 e 1896”.

A Carta Constitucional foi elaborada com base na Constituição de 1822, na Constituição Brasileira de 1824, na Carta Constitucional outorgada por Luís XVIII de França em 1814 e nas ideias de Benjamim Constant. (Santos, 1988; Santos, 1989; Ribeiro, 2006). Esta integra-se na corrente europeia decorrente da derrota napoleónica a favor da monarquia limitada, segundo o paradigma britânico de duas câmaras. O Rei, considerado por direito próprio representante da nação, outorgara a Carta, reservando-se poder supremo, o chamado poder moderador. (Santos, 1988).

3. Análise da Estrutura Formal dos dois textos Constitucionais (1822 e 1826)

Para iniciar este ponto do trabalho devo fazer referência ao trabalho da actual Deputada Socialista, Maria Helena Carvalho dos Santos, no volume II da sua tese de doutoramento, intitulada, A 2º Experiência Constitucional Portuguesa, 1826 — 1828, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL), em 1988. Nesse trabalho, a autora estuda a constituição portuguesa de 1822, a brasileira de 1824 e a Carta Constitucional de 1826. Demonstra uma excelente visão crítica e ilustra bem as valências, semelhanças e diferenças dos documentos referidos, nomeadamente no aspecto estrutural/formal que é o que se pretende neste ponto do trabalho.

Embora para o texto que agora se está a produzir as directrizes não envolvessem a constituição brasileira de 1824, procedeu-se a uma análise cuidada, mas ligeira da mesma, uma vez que se relaciona directamente e apresenta muitas semelhanças do ponto de vista formal com os documentos alvo de estudo, principalmente com a Constituição Brasileira, que se pode considerar a “mãe” da Carta Constitucional portuguesa de 1826, como se pode observar na citação a seguir extraída de Santos (1988:268-269):
No aspecto formal, quase se correspondem os grandes títulos das três Constituições – a portuguesa de 1822, a brasileira de 1824 e a Carta Constitucional de 1826 – e é semelhante a sequência da sua articulação temática, embora neste aspecto se verifiquem algumas diferenças significativas.
A grande diferença verifica-se entre a Constituição de 1822 e as outras duas no TITULO I daquela, cujos conceitos encontraram correspondência no TITULO II tanto da Constituição brasileira como da Carta de 1826. Isto é, os artigos 1 a 19 da primeira constituição portuguesa correspondem aos Artigos 139 a 145 da Carta Constitucional e aos Artigos 173 a 179 (com 35 parágrafos) da Constituição brasileira.
Trata-se “Dos Direitos e Deveres Individuais dos Portugueses” na Constituição de 1822, e “Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos”, portugueses ou brasileiros nos outros textos.
Poderemos dizer que todos os outros preceitos apresentam a ordem da Constituição de 1822, com pequenos arranjos que houve a necessidade ou o propósito de alterar, como que criando uma diferente interdependência entre eles.”


Segundo a autora é no conteúdo informativo e na intenção dos artigos que não existe coincidência, já que, “ (…) apesar de versarem as mesmas matérias, se afastam nas propostas políticas e isto especialmente se cotejarmos a Constituição de 1822 com as duas Constituições outorgadas”. (Santos, 1988:269).

Estruturalmente a Constituição de 1822 aproxima-se do esquema da Constituição de Cádis, foi subscrita por 141 deputados (da ideologia vintista), entre os quais por Manuel Fernandes Tomás, e está dividida em seis títulos e 240 artigos. Segundo (Amaral, 2000-2009a:online), os seis títulos têm os seguintes conteúdos:
“Título I contêm uma autêntica declaração de direitos. No Título II afirma-se que a soberania reside essencialmente na Nação. Aparece também consignado o princípio de separação dos poderes. O Título III que trata do poder legislativo, faz a consagração do princípio de uma única câmara, eleita bienalmente por sufrágio directo e universal, com exclusão das mulheres, dos analfabetos e dos frades. O Título IV dedica um capítulo ao Reino Unido (o Brasil), que haverá uma declaração do poder executivo, no Brasil. Consagrava-se o princípio de larga autonomia política e administrativa para o Brasil, com o qual se estabelecia uma União Real. O Título V trata do poder judicial. O Título VI e último ocupa-se do governo administrativo e económico”.

A Carta Constitucional apesar de ser um documento de génese liberal afastou-se muito do espírito democrático da Constituição de 1822, que realmente provocou uma ruptura com o antecedente; não errando se disser que era demasiado evoluída para a mentalidade de Portugal naquele período histórico. A Carta é constituída por oito títulos e 145 artigos (AR, 2009:online), julga-se que o seu autor tenha sido José Joaquim Carneiro de Campos, e é constituída por oito títulos, que segundo Amaral (2000-2009b:online) são:
“Titulo I, do reino de Portugal, Algarves e seus domínios; Titulo II, Dos cidadãos portugueses; Titulo III, Dos poderes e representação nacional; Titulo IV, do Poder Legislativo; Titulo V, do Rei; Titulo VI, do Poder Judicial; Titulo VII, da Administração e economia das províncias; Titulo VIII, das disposições gerais, e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos portugueses”.

A Carta Constitucional ao longo do tempo foi alvo de acrescentos que resultavam de conflitos políticos, quase sempre entre os opostos do arco político: esquerda e a direita. O primeiro Acto Adicional foi em 5 de Julho de 1852, seguiu-se o segundo Acto Adicional em 24 de Julho de 1885, o terceiro Acto Adicional de 1895-1896, e por fim, quarto e último Acto Adicional, de 23 de Dezembro de 1907. (Santos, 1988; Amaral, 2000-2009b:online). As alterações que a Carta Constitucional sofreu através dos designados Actos Adicionais implicaram mudanças ao nível parlamentar. (AR, 2009:online).

4. Constituição de 1822 Versus Carta Constitucional de 1826

Inicio este ponto com uma citação da página da internet da Universidade Internacional: “Kant dizia que a monarquia favorece as guerras porque as decisões são tomadas independentemente de afectarem o povo ou não. (…) Para Carlos XII (no fim do séc. XVII) a guerra era o “desporto preferido de qualquer rei” já que não o afectava directamente”, continua o autor, “com a ideia de estado representativo surge uma nova forma de encarar a relação entre poder político e súbditos cidadãos”. (UI, 2007:online).

De facto, a Constituição de 1822 consagrou os direitos e deveres individuais de todos os cidadãos portugueses, dando ênfase aos direitos humanos, nomeadamente, a garantia de liberdade, de igualdade perante a lei, de segurança e de propriedade. Outra grande novidade, é a consagração da Nação, união de todos os portugueses, como base na soberania nacional, a ser exercida pelos representantes legalmente eleitos, os deputados, responsáveis pela actividade legislativa do país e pela autoridade da nação, em detrimento da autoridade régia e da representação de todos os portugueses pela figura do monarca. Ao clero e à nobreza, esta Constituição fica marcada pelo não reconhecimento de qualquer prerrogativa.

O aspecto mais marcante deste documento será, porventura, a existência como forma de Governo de uma Monarquia Constitucional com os poderes do Rei reduzidos, bem como a independência total dos três poderes políticos: legislativo, executivo e judicial, o que contrariava os princípios básicos do absolutismo que concentrava os três poderes na figura do rei.

O poder legislativo passou a ser da competência das Cortes, formadas por uma só câmara, eleita por um período de dois anos, por sufrágio directo, secreto e sem carácter universal. Os deputados eram eleitos de dois em dois anos pela Nação. (AR, 2009:online). A iniciativa de lei pertencia em exclusivo aos deputados, através de projectos de lei, podendo, no entanto, os Secretários de Estado apresentar propostas de lei que, depois de examinadas por uma comissão das Cortes, poderiam ser convertidas em projectos de lei. (AR, 2009:online).

O poder executivo era exercido pelo Rei, competindo-lhe a chefia do Governo (secretários de Estado), a execução das leis e a nomeação e demissão dos funcionários do Estado, capacidade de nomear os chefes das Forças Armadas, dirigir conversações diplomáticas com potências estrangeiras e declarar a paz ou a guerra. No entanto, o Rei tinha apenas veto suspensivo sobre as Cortes, podendo suspender a promulgação das leis de que discordava, mas sendo obrigado a promulgá-las desde que as Cortes assim o voltassem a deliberar. Na sua relação com o poder legislativo não era concedido ao rei o poder de suspender ou dissolver as Cortes (parlamento). (AR, 2009:online).

Ao nível do poder executivo e por criação da Constituição de 1822, o rei disponha de um Conselho de Estado que o aconselhava em negócios considerados graves para a Nação, cujos membros eram eleitos pelas Cortes. O Conselho de Estado era constituído por treze conselheiros, e o rei somente podia escolher directamente um conselheiro. O cargo não é permanente e podia ser alterada quando necessário. Apesar de tudo, a sua pessoa do rei era considerada inviolável. (AR, 2009:online).

O poder judicial pertencia, exclusivamente, aos juízes, que o exerciam nos Tribunais. Nem o Rei, nem os Secretários de Estado, nem os Deputados, podiam interferir nas decisões dos magistrados. (Amaral, 2000-2009a:online).

Quanto ao corpo eleitoral, e de acordo com o artigo 34.º da Constituição, podiam votar, para eleger os representantes da Nação (deputados), os cidadãos portugueses maiores de 25 anos, que soubessem ler e escrever, e os maiores de 20 anos sendo casados, oficiais militares, bacharéis formados ou clérigos de ordens sacras com domicílio ou pelo menos um ano de residência no concelho onde se fizer a eleição. Tratava-se, pois, de um sufrágio universal e directo, de que, no entanto, estavam excluídos de votar os “ (...) filhos de famílias que estiveram em poder e companhia de seus pais, os criados de servir, os vadios e os regulares, entre os quais não se compreendem os das ordens militares nem os secularizados” (Santos, 1989:127), bem como as mulheres, os analfabetos e os frades. (AR, 2009:online).

O Brasil era muito importante para D. João VI; nunca deixou de acreditar numa União Real entre o Reino de Portugal e o Reino do Brasil. Assim, a definição do território da Nação comportava: o Continente, Ilhas Adjacentes, Reino do Brasil e Colónias na África, Ásia e Oceânia. (Amaral, 2000-2009a:online).

A Carta Constitucional de 1826 é uma concessão régia, que não só não afirma o princípio da soberania popular ao contrário da Constituição de 1822, como concede ao rei um importante papel na ordenação constitucional. (Amaral, 2000-2009b:online).

À semelhança da Constituição de 1822 a Carta enumera os direitos dos cidadãos, destacando-se o direito de liberdade de expressão, oral e escrita, o direito de segurança pelo qual ninguém pode ser preso sem culpa formada, e o direito de propriedade. Mas não indica quaisquer deveres, o que é bastante significativo. (AR, 2009:online).

O argumento mais significativo deste documento é a criação de mais um poder, o moderador, que se junta aos já existentes: ao poder legislativo, executivo e judicial.

O poder moderador, o mais importante, pertence exclusivamente ao rei, que zela pelo equilíbrio dos outros três poderes e não está sujeito a responsabilidade alguma. No exercício do poder moderador, o rei passa a ter o poder de dissolver a Câmara dos Deputados. O poder executivo continua a pertencer ao rei, que o exercita através dos seus ministros.
Ao nível do poder judicial a situação mantém-se em relação à Constituição de 1822. Este continua independente e assenta no sistema de juízes e jurados.

No poder legislativo reside a maior perda dos liberais. Este poder continua a pertencer às Cortes mas a Carta Constitucional atribui ao Rei um poder de veto efectivo, de sanção real, com efeito absoluto. Isto é uma consequência da adopção, pela Carta Constitucional da Teoria dos quatros poderes, já que o poder moderador, neutro, pertencia ao rei enquanto “Chefe Supremo da Nação”. (AR, 2009:online; Amaral, 2000-2009b:online). É criado um sistema bicameralista para as Cortes gerais: a câmara dos Deputados, como segunda câmara, passa a ser eleita por sufrágio indirecto e censitário [nota 8], e a Câmara dos Pares, como primeira câmara, é constituída por membros vitalícios, nomeados pelo rei e sem número fixo, sendo os lugares hereditários. Podiam acrescer Pares por direito próprio, em virtude do nascimento ou do cargo. (AR, 2009:online). Agravando a perda dos liberais, verifica-se que a iniciativa legislativa, o direito a fazer propostas, pertencia indiferentemente às duas Câmaras ou ao poder executivo, ainda que indirectamente, ou seja, caso a Câmara dos Deputados fizesse uma Lei que o Rei rejeitasse, essa podia ser reformulada de acordo com os interesses régios na outra câmara, a Câmara dos Pares.

O período da legislatura passou para quatro anos, tendo a sessão legislativa a duração de três meses prorrogáveis pelo Rei. (AR, 2009:online).

Ao nível das eleições a Carta Constitucional é muito mais restritiva. Para se poder ser deputado era necessário ser um cidadão com uma renda mínima de quatrocentos mil réis, e para ser Eleitor de Província era necessária uma renda mínima de duzentos mil réis. (Amaral, 2000-2009b:online).

5. Deputada Maria Helena Carvalho dos Santos: Análise dos textos constitucionais


Já anteriormente se tinha referido o trabalho da actual Deputada Socialista, Maria Helena Carvalho dos Santos, no âmbito da comparação da forma e da estrutura da Constituição de 1822 e da Carta Constitucional de 1826, tendo ainda sido analisada por arrasto a Constituição Brasileira de 1824, em prol dessa ser trabalhada pela autora no mesmo trabalho, e por ter sido a base da constituição portuguesa de 1826. Agora, com base nesse trabalho, faz-se a seguir a análise das divergências que a autora encontrou entre os três documentos institucionais.
Optou-se por esta metodologia porque a autora com base em informação proveniente da época, faz uma análise que não é muito comum em história; passa a ideia que tenta indagar razões, motivos, condicionantes, perspectiva de resultados com base em argumentos que considera válidos. É verdade que a história é feita de testemunhos, mas parece muito bem a visão da Deputada Maria Carvalho Helena dos Santos. Não obstante, introduzir-se-á informação proveniente de outros autores no sentido de acreditar o trabalho agora desenvolvido e dotá-lo da maior consistência possível.
As grandes questões seleccionadas para esta análise comparativa são: Território, Separação de Poderes, Rei, religião de Estado, Questão da Propriedade, Independência do Brasil, Questão das Duas Câmaras, e os Cidadãos.


5.1. O Território

Neste tópico destaca-se a alteração em relação à constituição do território:

A Nação portuguesa era “a união de todos os portugueses de ambos os hemisférios” no art.º 20 da Constituição de 1822 e o seu território era formado pelo “reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves”.

Em 1826, a Lei Fundamental apenas deveria consignar: “O seu território forma o Reino de Portugal e Algarves” porque no dia 29 de Agosto de 1825, através do Tratado de Paz e Aliança, Portugal oficializou o reconhecimento da Independência do Brasil. Todavia, existia uma ideia estática de sociedade e de Império, que é claramente visível no art.º 3 da Carta constitucional quando se diz: “A Nação não renuncia o direito, que tenha a qualquer porção de Território nestas três partes, não compreendida no antecedente Artigo”. Está a referir-se directamente à Europa, Ásia e África, e indirectamente ao Brasil, deixando em aberto a possibilidade da tão desejada União Real, entre a coroa do Brasil e a coroa de Portugal.
São várias as situações onde é perceptível o desejo da união das coroas por D. João VI. Destaco, a título de exemplo, quando D. João VI definiu um valor para reconhecer a Independência ao Brasil, tinha como principal condição a conservação do Título de Imperador do Brasil. Terá perecido a pensar que a União Real era exequível.

5.2. A Separação de Poderes

O art.º 4 da Carta de 1826 consigna: “O seu Governo é Monárquico, Hereditário e Representativo” o que corresponde ao art.º 29 da Constituição de 1822 que tinha a seguinte redacção: “O Governo da Nação Portuguesa é a Monarquia Constitucional hereditária, com leis fundamentais, que regulam o exercício dos três poderes políticos.”

A Constituição de 1822 afirmava-se pela doutrina rígida da separação dos poderes, enquanto a Carta Constitucional tomava uma opção dupla, entre a separação dos Corpos Políticos e o PODER MODERADOR, que introduzia no seu art.º 71, consignando: “O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e compete privativamente ao Rei, como Chefe supremo da Nação, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos.”

5.3. O Rei

Era apenas no art.º 27 que pela primeira vez a Constituição de 1822 fazia referência ao Rei, lembrando-o pela negativa, quando consignava: “A Nação é livre e independente, e não pode ser património de ninguém. A ela somente pertence fazer pelos seus Deputados juntos em Cortes a sua Constituição, ou Lei Fundamental, sem dependência da sanção do Rei.”

Este artigo condenaria só por si, toda a estrutura jurídico-constitucional da Carta, já que, na vigência da Constituição nunca o Rei poderia outorgar uma outra Lei Fundamental. Esse direito pertenceria apenas aos Deputados “juntos em Cortes”.

Na Carta Constitucional, o Rei, detinha o “veto” absoluto, e disponha de um mês para sancionar ou não as leis saídas do Poder legislativo (arts. 57,58,59). Comparando com a Constituição de 1822, lembremos que, através do seu articulado, o Rei apenas detinha “veto” suspensivo (arts. 103,110,112), e mesmo assim, ouvido o Conselho de Estado, devendo ser fundamentada a recusa de sanção. Ainda mais grave, haviam conteúdos da exclusiva competência das Cortes, que não necessitavam da sanção régia, tais como as “ (...) leis constitucionais e as referentes às principais decisões de política interna e externa (arts. 27, 103 e 112) ” (Santos, 1989:376), que tornavam o rei, somente, numa imagem de marca do reino de Portugal.

A constituição de 1822 introduzira várias rupturas epistemológicas e não seria sem significado o distanciamento que se acentuava entre o profano e o sagrado. O Rei não era mais o representante de Deus, e o juramento não era prestado a um representante da Igreja, mas a um representante do povo.

Segundo Santos (1988:275), “D. João VI havia jurado a Constituição de 1822 só para salvar a coroa ou talvez salvar a cabeça.”

Após morrer D. João VI, D. Pedro não podia deixar ressuscitar aquela Constituição e por vários motivos: o primeiro dos quais tinha a ver com a origem da soberania, mas logo a seguir viria a necessidade de manter uma coerência e uma coesão, harmonia e similitude política entre os seus dois reinos. Por isso, a Carta reintroduz e garante poderes ao Rei e assegura, através da Câmara dos Pares, uma responsável vitalidade aos “corpos intermédios”, já que a par do PODER MODERADOR era a existência das duas Câmaras.

Em suma, neste tópico cito Santos (1988:276): “A História foi o que foi, mas será interessante não esquecer que a Carta foi imposta pela lei das armas, apesar da sua moderação, e que esse “argumento” poderá sempre impor qualquer regime político”.

5.4. A Religião de Estado

O art. 6 da Carta consigna: “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Reino. Todas as outras religiões serão permitidas aos ESTRANGEIROS com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma exterior de templo”. Correspondia ao art.º 25 da Constituição de 1822 que dizia: “A Religião da Nação Portuguesa é a Católica Apostólica Romana. Permita-se aos ESTRANGEIROS o exercício particular de seus respectivos cultos.”

Estes dois artigos completam-se com o n.º 4 do art.º 145 da Carta que dizia: “Ninguém pode ser perseguido por motivos de Religião, uma vez que respeite a do estado, e não ofenda a Moral Pública” sem esquecer que para a constituição fazia parte dos deveres individuais “venerar a religião” (art.º 19).

5.5. A Questão da Propriedade

O art.º 145 da Carta consigna: “A inviolabilidade dos Direitos Civis e políticos dos Cidadãos portugueses, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a PROPRIEDADE, é garantida pela Constituição do Reino (…)”, completando pelo n.º 19 do mesmo art.º que explicava: “Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Portanto, não haverá em caso algum confiscação de bens” e no n.º 21 do mesmo art.º, “é garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude.”

Em 1822 essa preocupação era evidenciada logo no primeiro artigo, dizendo: “A constituição política da Nação Portuguesa tem por objecto manter a liberdade, segurança, e PROPRIEDADE de todos os Portugueses.”

A questão que se coloca é: apesar de os artigos serem absolutamente iguais, ignoram realidades distintas e denotam que a Carta foi feita à semelhança da Constituição brasileira sem demais cuidados, isto porque; de um lado o Brasil, um país novo e rico, com escassíssima densidade de população, em paralelo com uma terra velha, gasta, tradicionalmente explorada e reduzida mesmo para os três milhões de portugueses da época”. (Santos, 1988: 281).

5.6. A Independência do Brasil

O Brasil era um problema central da sociedade portuguesa e não deveria ser menosprezado. Todavia, a questão do Brasil não se revestia, APARENTEMENTE, de grande importância uma vez que na Carta Constitucional não se constituiu como elemento de peso e foi “esquecido”.

Certo é que o Brasil tinha sido durante gerações uma solução: soldados, missionários, aventureiros e funcionários tinham-se transformado em senhores de engenho, donatários ou garimpeiros, consoante as épocas, a fortuna e a sorte de cada um, ou seja, o Brasil tinha sido a esperança que se desfazia em 1822.

A carta de 1826 vinha remexer a ferida e não se podia, por então, vislumbrar a corrente migratória que surgia mais tarde e que representaria de novo uma solução para as tradicionais dificuldades portuguesas. Logo, D. Pedro, não podia deixar de ser responsabilizado pela sua decisão de se tornar Imperador de um país novo em desfavor da Pátria portuguesa.

5.7. A Questão das Duas Câmaras

A existência de duas Câmaras introduziu em Portugal um sistema político que suscitou imensos debates, não só neste período da história, mas também ao longo da vida política portuguesa, e este manteve-se, podemos dizê-lo, até 1976, pois tanto a República como o Estado Novo mantiveram essa instituição da Monarquia, chamando-lhe Senado ou Câmara Corporativa, tendo sido segunda Câmara que caracterizava o regime. (Santos, 1988).

A sua ausência, em 1822 ou em 1838, foram esporádicas (o que pode revelar a importância politica dessa classe ou desse grupo que permanecia junto do Poder).

5.8. Dos Cidadãos

Neste último grande tema é pertinente evidenciar as condições que a Carta Constitucional impunha para ser “cidadão activo”, introduzindo a obrigação de uma “renda líquida anual cem mil réis, por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos”, conforme o n.º 5, do art.º 65, para exercer o seu direito de voto.

Ainda, com fundamento jurídico no n.º1, do art.º 67 do mesmo texto constitucional a “taxa” a pagar é agravada, se estiver em causa votar para eleger Deputados: “Os que não tiverem de renda líquida anual duzentos mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego”.

Estas medidas de bloqueio, à luz da compressão desse período temporal, certamente visavam ajudar a definir a ideia de participação e responsabilização nos negócios públicos. Estou certo que o pensamento era: se os “marginais” emitirem opinião pública não trazem qualquer bem público ou utilidade social. Não obstante, da Constituição de 1822 para a Carta Constitucional de 1826 denota-se um acentuar de restrições, tais como a já enumerada.

6. Síntese Final

Antes das revoltas liberais e da criação da primeira constituição liberal, a Nação era igualmente constituída por todos os portugueses, e o exercício do poder era feito apenas pelo monarca. Por outro lado, o exercício directo do poder por todo o povo era impossível. A Constituição Liberal de 1822 encontrou um meio-termo, e o povo passou a poder eleger representantes para exercerem o poder em seu nome. Parece algo justo e natural aos olhos das sociedades actuais, mas nesse período tratava-se da uma legislação muito ambiciosa que rompia com tudo o que já tinha sido criado em Portugal, e até no resto da Europa.

Em Portugal, até à revolução liberal de 1820, o rei exercia o poder supremo, pertencendo-lhe a última decisão em todos os assuntos de governo. Livre de limitações jurídicas provenientes de outro poder, estava limitado em consciência pela religião, pela moral e por certas leis fundamentais, apenas respeitantes à forma monárquica de governar e à sucessão no trono.

A Constituição de 1822 estabeleceu a representação parlamentar em Portugal, e a organização política passava pela obediência a três princípios básicos: princípio da Soberania Nacional, um dos princípios revolucionários, pois a soberania residia “em a Nação”, ou seja, na união de todos os portugueses de ambos os hemisférios (tinham a esperança que o Brasil não se tornasse independente). Tal remete para um apagamento da própria figura do rei, sendo que o que era importante eram os súbditos. Características da Nação consagradas na Constituição: a soberania da Nação é única, indivisível e inalienável; a Soberania somente poderia ser exercida pelos representantes da Nação, legalmente eleitos em eleições que a própria Constituição determina as regras; e separação e independência dos poderes, baseado nas ideias de Montesquieu. A Constituição determinava a existência de três poderes, cada um de tal forma independente que não pode concentrar em si outros poderes. O que a Constituição fez foi proibir a concentração de poderes numa só autoridade, determinando a sua distribuição por várias instâncias.

Segundo a Doutora Cristina Leston-Bandeira (2002:67), que lecciona actualmente no Departamento de Politica da Universidade de Hull (Inglaterra), a constituição de 1822 “ (…) apresentava princípios políticos extremamente modernos para a época (…) e rapidamente foi substituída por uma outra, a Carta Constitucional de 1826 (…). A Carta surgiu como uma contraposição à Constituição de 1822, a qual introduziu o princípio da separação de poderes entre o legislativo, o executivo e o judicial. Nesse contexto, o Parlamento tinha uma competência legislativa exclusiva (assim como iniciativa legislativa) e desempenhava um papel fundamental no sistema político em detrimento do rei”.

É notória a perda de poderes por parte da pessoa do rei com a constituição de 1822. Este mantinha um poder de veto suspensivo, empiricamente significava a possibilidade de solicitar uma segunda apreciação pelo Parlamento. Todavia, este veto perdia ou fracassava caso fosse rejeitado por uma maioria no Parlamento, ou seja, não tinha consistência. Na prática nem poderes o rei tinha para dissolver o Parlamento. Oliveira Martins (1972:530 [1879]), citado por Santos (1989:374), faz o seguinte comentário: “As cortes (...) convidaram D. João VI a voltar ao reino onde formalmente lhe negavam o exercício da realeza: na constituição, o rei sem veto era uma simples imagem. Para que o queriam? Porque não proclamavam de uma vez a república? Porque a maioria era ainda sincera e ingenuamente monárquica...”.

A Carta Constitucional de 1826 conferiu mais poderes à pessoa do rei, no sentido de acalmar os descontentamentos entre os monárquicos absolutistas; isto em detrimento dos preceitos constantes na Constituição de 1822, que era claramente favorável ao poder parlamentar. Neste âmbito, Leston-Bandeira (2002:68) escreve de forma inequívoca e no sentido do já afirmado, que “ (…) para além dos poderes, legislativo, executivo e judicial, a Carta criou um quarto poder: o poder moderador, o qual deveria ter um efeito harmonizador sobre o sistema político. Contudo, na prática, tratou-se de uma forma de conferir ao rei um poder incondicional sobre os três restantes poderes”.

Ainda citando a autora, em jeito de conclusão, o facto mais observável e consistente é: “ (…) ao longo do século XIX e XX o papel do Parlamento oscilou entre várias formas e níveis de representação e de competências”. (Leston-Bandeira, 2002:66).

NOTAS:

[1]
Segundo José Acúrsio Neves, uma figura destacada pelo denso conhecimento que possui como político, magistrado, historiador, e até economista de destaque, foi no verão, entre 1810-1811, que se deu a terceira invasão francesa, sob o comando militar do General Messena. Este ordenou a entrada das tropas francesas pela Beira Alta fazendo cair uma série de praças portuguesas. O exército britânico liderado por Wellington assumiu uma nova estratégia: ir para sul dando a impressão aos franceses de estarem a conseguir avanços militares, altura em que se estava a formar a Linha de Torres, onde se reuniu o grosso do exército britânico. No Buçaco o exército francês teve já uma perda significativa de militares, sofrendo o golpe final em Torres. Em Espanha a guerra só terminou em 1813, dois anos depois. Portugal, em 1811, foi o primeiro país europeu a libertar-se do domínio imperial francês. (Mesquita, 2006; Neves, 2008).

[2]
Em 1817 este movimento liderado pelo General Gomes Ferreira de Andrade falhou por não ter apoio civil significativo. Acabou por não passar de uma conspiração militar fracassada, pesar de estarem lançadas as bases para a revolta, e para o triunfo do liberalismo, que aconteceria com o Vintismo. (Neves, 2008).

[3]
Neste período Portugal era um protectorado britânico muito contestado pelos portugueses. Estes reivindicavam, aliás, exigiam, o regresso do rei e da corte a Lisboa.

[4]
Em 15 de Setembro de 1820 adere ao movimento nortenho da guarnição militar de Lisboa representando o triunfo do pronunciamento militar de 24 de Agosto. Tal como no Porto, em Lisboa os revoltosos tentaram captar o apoio das classes populares, contexto em que foi importante a adesão do Juiz do Povo da Casa dos Vinte e Quatro. Paralelamente, nessa data, comemorava-se o aniversário da expulsão das tropas francesas de Junot (Diplomata e General); foi numa parada militar que o exército de Lisboa manifestou a sua adesão. Perante esta adesão formou-se um governo paralelo ao do Porto, também ele liderado por militares. Esta posição dúplice criou alguma instabilidade política num primeiro momento entre os dois pólos, o que veio a terminar a 27 de Outubro quando os dois governos se fundiram num só pelo Acordo de Alcobaça. Foi dessa reunião que saíram as principais directrizes do movimento liberal nacional, tendo-se este fraccionado em dois: Junta Provisional Supremo Governo do reino (tratava da administração pública) e a Junta Provisional Preparatória das Cortes (tratava da reunião das Cortes Constituintes). (Marques, 1991; Canotilho, 1998).

[5]
A primeira secção apresenta uma Declaração de Direitos, que é inspirada na Lei dos Direitos, em inglês Bill of Rights, da constituição dos Estados Unidos de 1787 e na Declaração dos Direitos do homem e do cidadão, de 26 de Agosto de 1789.


[6]
Para além da necessidade de abafar as vozes revolucionárias, existia o perigo de uma invasão por parte de Espanha ou França, já que por esta altura França invade Espanha para instalar um regime absolutista, abolindo o regime liberal que estava em funções.


[7]
Em 27 de Maio de 1823 um novo episódio militar mudou a História Politica de Portugal: A Vilafrancada; por ocasião de uma revolução de cariz anti-revolucionário que rebentou na Beira. O governo convocou o Regimento de Infantaria para sufocar a rebelião. Saído de Lisboa, quando chegou a vila Franca de Xira os oficiais superiores declararam que não iam cumprir as indicações que tinham recebido. Mal se soube da notícia, o infante D. Miguel, a pedido da mãe, D. Carlota Joaquina, foi a Vila Franca e declarou o seu apoio aos revoltosos, promovendo um golpe de estado com o objectivo de derrubar D. João VI, e substituir o rei pela rainha. Perante a situação o rei reagiu com surpresa e a pedido de alguns conselheiros, foi pessoalmente a Vila Franca de Xira falar com os revolucionários. Nesta região acabou por mudar de opinião, passando a apoiar o filho e os revoltosos, e assim demitiu o governo, e determinou a substituição da Constituição de 1822 por uma Carta Constitucional, tendo até nomeado uma comissão para tal efeito, liderada pelo Duque de Palmela. Em suma, D. João VI promoveu um golpe anti-constitucional, utilizando os poderes que pertenciam ao parlamento. (Marques, 1986 e 1991).

[8]
“Nas eleições primárias, em que se elegiam os Eleitores de Província, não se atribuía direito de voto, entre outros, aos menores de 25 anos (idade que poderia baixar para 21 anos, em casos pontuais) e aos "que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis", mantendo-se as incapacidades eleitorais activas previstas na Constituição de 1822.” (AR: 2009:online).


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