NEVES, Lino João de Oliveira (2004) in Boaventura Sousa Santos, Reconhecer para Libertar os Caminhos do Cosmopolitismo Cultural, Edições Afrontamento, Porto.
Resumo: Luís Neves apresenta o seu capítulo com uma introdução onde são explicitados os fundamentos e as metodologias (cruzadas) para o estudo do indegenismo brasileiro. O texto é genericamente dividido em três partes. Na primeira parte são abordados cronologicamente os passos do movimento indígena: década de 70 com as «Assembleias Indígenas», na década de 80 com a «União e Atomização» e na década de 90 com a «Consolidação de Projectos Étnicos». A segunda parte é dedicada à emergência da realidade indígena, através de acções como a «Marcha» , a «Conferência Indígena» e a «Autodemarcação». Na terceira parte do capítulo são referidas as «Trilhas Sinuosas em Caminhos Cuertos» que o movimento indígena percorre em função dos seus ideais e objectivos politico-identitários. O capítulo termina com um conjunto de referências bibliográficas.
Palavras-chave: Brasil, amazonas, indigenista, contra-hegemonia, Sul (do Sul), FUNAI assembleias, união, UNI, atomização, etnicidade, territorialidade, demarcação, auto-demarcação, territorialidade, auto-determinação, violência jurídica, violência policia, marcha, conferência, Kulina, Terra Indígena Vale de Javari, terra/demarcação, propriedade/produção.
O Brasil é o maior país da América do Sul; grandioso não só em dimensão territorial mas também fabulosamente rico e majestoso em termos de diversidade étnica que tem conflituado com o poder em prol do direito histórico e cultural das terras onde nasce.
Os anos 70 do século passado ficam como um marco decisivo no destino das sociedades contemporâneas, quer à escala local e regional, quer à escala global.
Os movimentos libertários e de contestação social, materializados no Maio de 68, através do movimento dos estudantes universitários franceses, as manifestações contra a guerra no Vietname, o make love not war, a luta feminista, música beatliana, a teologia da libertação de Leonard Boff, a pedagogia de conscientização de Paulo Freire, foram factores que depressa se espalharam e “contagiaram” o ethos do índio, despertando neste, sentido para a sua identidade e condição social.
Embora o autor não refira os aspectos atrás focados, eles são de grande relevo para se perceber o contexto histórico, político e social da época.
Todavia, a grandiosidade territorial do Brasil e a sua enorme diversidade étnica, com 215 etnias e 180 línguas diferentes, partilhadas por cerca de 350.000 mil indivíduos, dificultou a consolidação de um movimento índio com significado político para lutar contra a hegemonia do Estado brasileiro.
Apesar destas dificuldades, a década de 70 foi o período ao qual fica subjacente a concepção e ou o embrião de um movimento indígena que se deu a conhecer através de «assembleias indígenas», a primeira das quais em 1974. Do encontro resultou a partilha de informações sobre os diversos grupos, e a consciencialização de exclusão e descriminação a que estavam sujeitos face ao Estado brasileiro. Desta conscientização ficou um «espírito de corporação», como refere o autor recorrendo a Rita Ramos, citada na bibliografia.
Como seria de esperar estas «Assembleias» foram consideradas “personas non gratas” e vistas com desconfiança por parte da instituição oficial indigenista: a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e pela Policia Federal Militar (PFM), órgão de segurança da ditadura militar brasileira.
Não obstante o controle e a repressão policial exercida sobre os movimentos emancipatórios índios, foi crescendo alianças entre os índios e sectores progressistas da sociedade civil e em 1980 foi criada a União das Nações Indígenas (UNIND). Esta organização era composta por estudantes indígenas que viviam em Brasília e que mantinham ligações com a FUNAI, representando um obstáculo ás aspirações organizativas e politicas dos núcleos regionais dos movimentos índios. No sentido de contornar este obstáculo foi criada na mesma época outro movimento denominado também de União das Nações Indígenas, que fundindo-se com a UNIND originou a UNI.
O trabalho exercido pela UNI fomentou a multiplicação de vários movimentos de base local que se constituíram como inter-locutores dos interesses políticos dos respectivos grupos étnicos. Tal facto veio minimizar e reduzir a capacidade política da FUNAI.
A situação politica brasileira nos anos 80 continuou caracterizada pela ditadura, mas confrontada com manifestações de apoio ao regresso de um «Estado de Direito» e ao fim do regime militar ditatorial.
A crescente contestação ao regime por parte de sectores da sociedade civil juntamente com a ala mais progressista da igreja brasileira e outras instituições não oficiais como a Aliança dos Povos da Floresta, foram reprimidas por serem consideradas um perigo para a segurança do Estado, sendo a UNI vista como a maior ameaça à soberania do país. Para suavizar a confrontação política, as organizações indígenas adoptaram eufemismos para se caracterizarem, como «povos indígenas», «sociedades indígenas»,etc.
A grande reviravolta dá-se nos finais dos anos 80, quando o Estado resolveu sentar-se com os representantes locais, cerca de 500, e discutir pela primeira vez a situação das terras indígenas. Discussão essa baseada na Constituição de 1988, que observava alguns direitos aos <>, que se multiplicavam em organizações, como <<átomos>>, devido ao contexto politico da época ser propicio à difusão e à consolidação do movimento indígena.
Apesar deste avanço democrático, o autor chama a atenção para o facto dos agentes oficiais continuarem a ditar os seus propósitos à revelia dos reais interesses dos indíos, num jogo aparente, como o do gato com o rato.
Na segunda parte do texto, Lino Neves explica de forma geral as influências que as mudanças politicas e económicas no Brasil tiveram na problemática indigenista. Fica-se assim a saber que a passagem da ditadura para a democracia e a economia neoliberal, tiveram nos índios duas marcas violentas: a primeira uma violência jurídica, através da qual o governo brasileiro alterou os pressupostos da demarcação das terras indígenas; a segunda uma violência física, através da repressão a que os índios foram alvo, aquando das comemorações dos 500 anos da descoberta do Brasil. Apesar destas duas situações hostis aos índios, o autor destaca outros dois acontecimentos de grande relevo para a emergência da realidade indígena. O primeiro, a chamada <> que constituiu um périplo de sensibilização politica e até estética por todo o país. O segundo, a <> em Porto Seguro, exactamente onde está a impressão digital do colonialismo europeu, através da chegada dos portugueses.
Ainda nesta segunda parte Lino Neves pormenoriza aspectos relacionados com a << Marcha>>, com a <>; a materialização da marcha e outros assuntos internacionalistas que se atomizaram às problemáticas em discussão.
O autor pormenoriza também a formalistica jurídica e constitucional sobre as terras indígenas e a sua demarcação, maximizando a vertente constitucional e minimizando a vertente antropológica, referida apenas na simbólica histórica da terra. De qualquer modo o autor expressa bem a visão regulamentadora e reguladora do Estado brasileiro sobre o que mais move os índios: a terra!
São também dados alguns exemplos de <> de terras pelas entidades oficiais, como o caso do grupo étnico Kulina. Povos vizinhos como os Kanamari e os Deni não precisaram de GPS para demarcarem os seus territórios, foram bem mais ecológicos, recorrendo a materiais da floresta, fazendo valer os seus valores históricos-culturais em choque com os valores regulamentares.
A terra indígena do Vale de Javari, a maior do Brasil, fronteiriça com o Peru, constituiu a grande bandeira do governo brasileiro na concessão de terras ao índios, mas na verdade não passou de uma <>, tendo em conta os vários interesses em jogo, desde a satélitização topográfica daquele espaço às aberturas de caminhos, a chamada <>, de ilusão para o índio.
Finalmente, na terceira parte, explicita ao leitor as <> que os índios têm percorrido para alcançarem os seus intentos.
A conflitualidade entre índios e europeus pela posse da terra é anterior à formação de organizações indígenas que reivindicam a territorialidade dos seus espaços e comum a todo o indigenismo latino-americano. O problema é de carácter territorial, de demarcação da terra, essencialmente da terra. Para tal o autor cuida desmontar a confusão epistemológica entre trritorialidade/demarcação (perspectiva indígena) e propriedade/produção (perspectiva ocidental) que caracteriza o Norte branco, rico, capitalista, consumista e hegemónico, que subordina que subordina o Sul. E este socorre-se do mesmo paradigma político/económico do Norte para subordinar o outro Sul, o dos índios.
Para Lino Neves, o movimento indígena tenta, através da demarcação da terra, partir para a inclusão do nós na sociedade brasileira e acabar com séculos de exclusão promovida pela visão etnocêntrica dos outros. O autor recorreu a Barre, Léon Trujillo, Santos e Oliveira, citados na bibliografia, para reforçar a análise relativamente à importância da <> da terra, como meio da autonomia politica, social, económica e cultural do povo indígena. Todavia, e numa posição de hermenêutica da suspeita, o autor infere que os particularismos localistas podem ser transformados em <> face à força e emergência da hegemonia da globalização, destruindo assim todos os objectivos dos povos índios. Para Lino Neves, apenas existem dois caminhos para os índios: um contra-hegemónico; a afirmação da etnicidade índia. O outro o da integração na hegemonia do Estado brasileiro, para quem os índios são vistos como <>, temporalmente sincrónicos, ou <> temporalmente diacrónicos, mas nas margens da sociedade brasileira.
Relativamente à movimentação das organizações dos índios, esclarece que não se trata de um fenómeno recente ou de moda, catalizado por organizações não governamentais (ONGs), ou espírito de solidariedade internacional. A mobilização indígena existe como <>, como <>, como <>, como <<…democratista>>, referindo Santos, Patzi Paco e Almeida.
Apesar de a <> ser a palavra corrente nos discursos indígenas, estes por estratégia própria, ou moldados pelas correntes do <> estão a pouco e pouco a substituir <> por <>, <>, <>, numa aproximação à linha oficial do Estado brasileiro, que tem assediado subtilmente as organizações indígenas com programas de inclusão. Está assim a cair por terra o apogeu das lutas contra-hegemónicas dos anos 80, sem, contudo, perderem interesse como projecto emancipatório social e cultural. Estas lutas significam um património histórico contra a ditadura militar brasileira da época. Por outro lado, e quer na perspectiva indigenista, quer na perspectiva pós-moderna ocidental, os índios continuam a ter direito a uma sociedade diferente.
Escondidos “num atalho da floresta”, apenas aguardam que o branco, que os excluiu durante 500 anos se distraia, para assim fazerem valer o seu direito histórico, sobre o Direito burocrático brasileiro.
Recensão elaborada em conjunto com o aluno António Loureiro, grande amigo e companheiro.
Resumo: Luís Neves apresenta o seu capítulo com uma introdução onde são explicitados os fundamentos e as metodologias (cruzadas) para o estudo do indegenismo brasileiro. O texto é genericamente dividido em três partes. Na primeira parte são abordados cronologicamente os passos do movimento indígena: década de 70 com as «Assembleias Indígenas», na década de 80 com a «União e Atomização» e na década de 90 com a «Consolidação de Projectos Étnicos». A segunda parte é dedicada à emergência da realidade indígena, através de acções como a «Marcha» , a «Conferência Indígena» e a «Autodemarcação». Na terceira parte do capítulo são referidas as «Trilhas Sinuosas em Caminhos Cuertos» que o movimento indígena percorre em função dos seus ideais e objectivos politico-identitários. O capítulo termina com um conjunto de referências bibliográficas.
Palavras-chave: Brasil, amazonas, indigenista, contra-hegemonia, Sul (do Sul), FUNAI assembleias, união, UNI, atomização, etnicidade, territorialidade, demarcação, auto-demarcação, territorialidade, auto-determinação, violência jurídica, violência policia, marcha, conferência, Kulina, Terra Indígena Vale de Javari, terra/demarcação, propriedade/produção.
O Brasil é o maior país da América do Sul; grandioso não só em dimensão territorial mas também fabulosamente rico e majestoso em termos de diversidade étnica que tem conflituado com o poder em prol do direito histórico e cultural das terras onde nasce.
Os anos 70 do século passado ficam como um marco decisivo no destino das sociedades contemporâneas, quer à escala local e regional, quer à escala global.
Os movimentos libertários e de contestação social, materializados no Maio de 68, através do movimento dos estudantes universitários franceses, as manifestações contra a guerra no Vietname, o make love not war, a luta feminista, música beatliana, a teologia da libertação de Leonard Boff, a pedagogia de conscientização de Paulo Freire, foram factores que depressa se espalharam e “contagiaram” o ethos do índio, despertando neste, sentido para a sua identidade e condição social.
Embora o autor não refira os aspectos atrás focados, eles são de grande relevo para se perceber o contexto histórico, político e social da época.
Todavia, a grandiosidade territorial do Brasil e a sua enorme diversidade étnica, com 215 etnias e 180 línguas diferentes, partilhadas por cerca de 350.000 mil indivíduos, dificultou a consolidação de um movimento índio com significado político para lutar contra a hegemonia do Estado brasileiro.
Apesar destas dificuldades, a década de 70 foi o período ao qual fica subjacente a concepção e ou o embrião de um movimento indígena que se deu a conhecer através de «assembleias indígenas», a primeira das quais em 1974. Do encontro resultou a partilha de informações sobre os diversos grupos, e a consciencialização de exclusão e descriminação a que estavam sujeitos face ao Estado brasileiro. Desta conscientização ficou um «espírito de corporação», como refere o autor recorrendo a Rita Ramos, citada na bibliografia.
Como seria de esperar estas «Assembleias» foram consideradas “personas non gratas” e vistas com desconfiança por parte da instituição oficial indigenista: a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e pela Policia Federal Militar (PFM), órgão de segurança da ditadura militar brasileira.
Não obstante o controle e a repressão policial exercida sobre os movimentos emancipatórios índios, foi crescendo alianças entre os índios e sectores progressistas da sociedade civil e em 1980 foi criada a União das Nações Indígenas (UNIND). Esta organização era composta por estudantes indígenas que viviam em Brasília e que mantinham ligações com a FUNAI, representando um obstáculo ás aspirações organizativas e politicas dos núcleos regionais dos movimentos índios. No sentido de contornar este obstáculo foi criada na mesma época outro movimento denominado também de União das Nações Indígenas, que fundindo-se com a UNIND originou a UNI.
O trabalho exercido pela UNI fomentou a multiplicação de vários movimentos de base local que se constituíram como inter-locutores dos interesses políticos dos respectivos grupos étnicos. Tal facto veio minimizar e reduzir a capacidade política da FUNAI.
A situação politica brasileira nos anos 80 continuou caracterizada pela ditadura, mas confrontada com manifestações de apoio ao regresso de um «Estado de Direito» e ao fim do regime militar ditatorial.
A crescente contestação ao regime por parte de sectores da sociedade civil juntamente com a ala mais progressista da igreja brasileira e outras instituições não oficiais como a Aliança dos Povos da Floresta, foram reprimidas por serem consideradas um perigo para a segurança do Estado, sendo a UNI vista como a maior ameaça à soberania do país. Para suavizar a confrontação política, as organizações indígenas adoptaram eufemismos para se caracterizarem, como «povos indígenas», «sociedades indígenas»,etc.
A grande reviravolta dá-se nos finais dos anos 80, quando o Estado resolveu sentar-se com os representantes locais, cerca de 500, e discutir pela primeira vez a situação das terras indígenas. Discussão essa baseada na Constituição de 1988, que observava alguns direitos aos <
Apesar deste avanço democrático, o autor chama a atenção para o facto dos agentes oficiais continuarem a ditar os seus propósitos à revelia dos reais interesses dos indíos, num jogo aparente, como o do gato com o rato.
Na segunda parte do texto, Lino Neves explica de forma geral as influências que as mudanças politicas e económicas no Brasil tiveram na problemática indigenista. Fica-se assim a saber que a passagem da ditadura para a democracia e a economia neoliberal, tiveram nos índios duas marcas violentas: a primeira uma violência jurídica, através da qual o governo brasileiro alterou os pressupostos da demarcação das terras indígenas; a segunda uma violência física, através da repressão a que os índios foram alvo, aquando das comemorações dos 500 anos da descoberta do Brasil. Apesar destas duas situações hostis aos índios, o autor destaca outros dois acontecimentos de grande relevo para a emergência da realidade indígena. O primeiro, a chamada <
Ainda nesta segunda parte Lino Neves pormenoriza aspectos relacionados com a << Marcha>>, com a <
O autor pormenoriza também a formalistica jurídica e constitucional sobre as terras indígenas e a sua demarcação, maximizando a vertente constitucional e minimizando a vertente antropológica, referida apenas na simbólica histórica da terra. De qualquer modo o autor expressa bem a visão regulamentadora e reguladora do Estado brasileiro sobre o que mais move os índios: a terra!
São também dados alguns exemplos de <
A terra indígena do Vale de Javari, a maior do Brasil, fronteiriça com o Peru, constituiu a grande bandeira do governo brasileiro na concessão de terras ao índios, mas na verdade não passou de uma <
Finalmente, na terceira parte, explicita ao leitor as <
A conflitualidade entre índios e europeus pela posse da terra é anterior à formação de organizações indígenas que reivindicam a territorialidade dos seus espaços e comum a todo o indigenismo latino-americano. O problema é de carácter territorial, de demarcação da terra, essencialmente da terra. Para tal o autor cuida desmontar a confusão epistemológica entre trritorialidade/demarcação (perspectiva indígena) e propriedade/produção (perspectiva ocidental) que caracteriza o Norte branco, rico, capitalista, consumista e hegemónico, que subordina que subordina o Sul. E este socorre-se do mesmo paradigma político/económico do Norte para subordinar o outro Sul, o dos índios.
Para Lino Neves, o movimento indígena tenta, através da demarcação da terra, partir para a inclusão do nós na sociedade brasileira e acabar com séculos de exclusão promovida pela visão etnocêntrica dos outros. O autor recorreu a Barre, Léon Trujillo, Santos e Oliveira, citados na bibliografia, para reforçar a análise relativamente à importância da <
Relativamente à movimentação das organizações dos índios, esclarece que não se trata de um fenómeno recente ou de moda, catalizado por organizações não governamentais (ONGs), ou espírito de solidariedade internacional. A mobilização indígena existe como <
Apesar de a <
Escondidos “num atalho da floresta”, apenas aguardam que o branco, que os excluiu durante 500 anos se distraia, para assim fazerem valer o seu direito histórico, sobre o Direito burocrático brasileiro.